Palavra ronco

SONS HUMANOS

 

Cá está a Tia Odete entrando na sua aulinha… Mas hoje estou prevenida: consegui um protetor de ouvido daqueles que são usados nos aeroportos, bem ao lado das turbinas de avião. Ah, ah.

Vejo uma cena estranhamente surrealista: estes diabinhos estão de bocas abertas, emitindo suas vozes, em urros animalescos, guinchos aterrorizantes, berros ensurdecedores, e eu não ouço nada… Maravilha!

Vejam só, eles perceberam que não estou me incomodando e se aquietaram, desconfiados. Vou tirar o equipamento.

– Muito bem, crianças; sem incomodar não tem graça, não é?

Vamos fazer uma roda aqui para falar da origem dos sons que vocês estavam fazendo até há pouco.

Olhem só, a garganta humana é capaz de emitir desde os mais doces sons de amor até o tipo de distúrbio vocal que vocês fazem rotineiramente.

Podemos, por exemplo, começar falando em grito, que vem do Latim critare, “chamar em altos brados”, derivado de quiritare, variante de quirritare, “gritar como um porco”, de quis, imitação do grito do suíno.

Sei, Lary, também acho que um porco não grita assim. Mas quem sabe como era que eles gritavam em Roma? Tudo era diferente então, veja que lá as criancinhas sabiam até Latim!

E berro tem uma origem mal definida, possivelmente pré-Ibérica. Mas atordoa os ouvidos também.

O uivo é uma imitação de som animal que temos visto muito em certas canções modernas. Tem uma origem onomatopaica, ou seja, é imitação de um som já existente. O verbo ulular, do Latim ululare, “emitir sons como os de um lobo”, é da mesma formação.

E já que estamos lidando com os canídeos, lembrei-me do ganido, do Latim gannitus, “gemido de dor do cão”.

Não, Valzinha, não queremos saber como são os ganidos que sua vizinha lança de noite quando todos estão dormindo. Decerto ela tem pesadelos frequentes, coitada.

Daí podemos saltar para gemido. Esta vem do Latim gemitus, particípio passado de gemere, “expressar dor com voz lamentosa, soluçar”. Uma hipótese para sua origem seria o Grego gemmein, “estar cheio”, de gemízein, “encher”, dado que antigamente se achava que emitir esses sons trazia uma sensação de plenitude abdominal.

Até pode ser, se o sofredor praticasse alguma aerofagia durante as suas manifestações.

Rimando com esta, temos o vagido. Ela é pouco usada; refere-se aos sons iniciais da criança recém-nascida. Os pais de vocês todos aqui um dia se encantaram com os vagidos de seus filhotinhos. Mal sabiam que mais adiante uma pobre professora iria ter que aguentar  outros sons.

Mas esta palavra tem uma história muito interessante. Ninguém diria que ela tem parentesco com vaca, não é? Mas tem, olhem só: ambas derivam do Sânscrito vâçati, “gritar, mugir”. A vaca é o animal que muge, o vagido é também um grito, embora bem menos forte.

Para espantar mais ainda, informo que eco também deriva dessa palavra sânscrita. Espantoso, não? O que seria de vocês sem os ensinamentos de Tia Odete?

Ali a Patty quer saber por que umas amiguinhas delas roncam enquanto dormem. O porque é meio complicado para se estudar aqui, mas a origem é o Latim rhoncus, “zombaria, mofa”, que também me parece ter origem onomatopaica.

O Zorzinho ali quer saber a origem de apupo. Essa palavra tanto designa “vaia, zombaria”, como um tipo de buzina para reunir caçadores no campo. E também se origina da imitação de um som.

E vaia vem do Espanhol vaya, “expressão de desprezo”, do verbo ir; é como quem diz “Vá!” para outra pessoa.

Também temos o grunhido, que vocês usam muito aqui na aulinha para manifestar seus sentimentos menos sublimes. Esse vem do Latim grunnire, mais uma imitação da voz do porco.

Os guinchos que ouço vocês darem quando se encontram particularmente fora de controle também têm origem imitativa.

E o brado?  Esse é do Latim bracatare, “gritar, berrar”. Vocês aqui são especialistas em brados retumbantes, lembram até o hino nacional brasileiro.

Os assobios que vocês vivem emitindo em aula vêm do Latim adsibilare, “assobiar”, de ad, “a”, mais  sibilare, “silvar”.

Indo para lados mais agradáveis, podemos analisar as origens de murmúrio. Ela vem do Latim murmurare, “fazer um som suave e contínuo”, onomatopaico.

E o suspiro vem do Latim sub-, “abaixo”, mais spirare, “respirar, soprar”. Sempre que penso em vocês dou um suspiro longo e triste.

A fala, que todos aqui dominam tão bem, principalmente a Valzinha, vem do Latim fari, “falar”.

Quando ocorre algo aqui na aula que os diverte  –  por exemplo, quando esta pobre professora escorrega e quase cai  –   logo surge o riso, do Latim risus, de ridere, “rir”.

E, se a professora cai e quase se arrebenta toda, o que se ouvem, em vez de brados de auxílio, são gargalhadas, da antiga raiz garg- ou gurg- onomatopaica, sugerindo sons feitos sem modulação pela garganta.

E o canto vem do Latim  canere,  do Indo-Europeu kan, “canto”.

Agora, todos quietinhos, de boquinhas bem fechadas, vão para o recreio exercer o maior silêncio possível.

 

Resposta:

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