Mais uma noite, mais algumas consultas por parte de palavras que desejam saber suas origens, mais uma grana para o bolso do Detetive X-8, um sujeito que está fazendo um belo pé-de-meia fingindo que é perigoso fazer essas pesquisas.
Esta noite, em seu escritório noir do Edifício Éden (quem deu o nome devia ser um grande gozador) ele está recebendo a palavra Vácuo.
Muito tímida, ela se acomoda na ponta do grande banco de madeira usado pela clientela.
Como ela tinha marcado a consulta previamente, seguindo os trâmites normais, o profissional já tinha analisado todos os aspectos da etimologia da cliente e parecia saber tudo de cor, coisa que sempre impressionava as palavras.
Elas são invariavelmente ingênuas e pacientes, senão como é que as pessoas chegariam a fazer todas as barbaridades que lhes fazem?
Enfim, X-8 começa a sessão, abrigado como sempre por trás da sua gabardine enorme e chapéu desabado sobre o rosto.
– Com que então Vácuo, hein? Prezada cliente, sua origem é bem documentada e a senhora tem parentes ocupando lugares de muito destaque em nosso vocabulário – a palavra-cliente enrubesceu.
A senhora descende do Latim vacuus, “vazio“, relacionado a vacare, “estar vazio”, de onde vêm o Espanhol vacaciones, o Francês vacance, o Inglês vacation, todos querendo dizer “férias”, isto é, quando a gente está vazio de obrigações e horários. Coisa boa!
Outra coisa boa é quando surge uma vaga para emprego numa empresa, por exemplo. Esta também descende de vacare: aquele lugar está vazio, portanto é necessário contratar uma pessoa para ocupá-lo.
Um parente muito próximo e erudito seu na atualidade é vacúolo, um componente da célula bem, mas bem pequenininho.
Também há palavras que indicam coisas menos visíveis, como a vaidade, do Latim vanitas, de vanus, também “vazio”. Uma pessoa muito vaidosa não é uma pessoa vazia?
E temos também vão, “sem conteúdo, oco, desprovido de valor ou de resultados”.
Pode-se dizer que “Fulano é vão”, ou que “Todos os esforços foram em vão”.
Essa mesma palavra pode designar um espaço vazio, como “o vão da porta”.
Quando algo desaparece – por exemplo, verbas de campanha política – e deixa atrás de si um lugar vazio, dizemos que aquilo se evanesceu, do Latim evanescere, formado por ex-, “fora”, mais vanescere, “desaparecer”.
Quando dizemos que uma extensão de terra é vasta, evocamos o Latim vastus, originalmente “desabitado, desolado, deserto”, por extensão, mais tarde, “amplo, grande”.
E se um lugar é abandonado por alguma razão, dizemos que ele foi evacuado, de ex- mais vacuum, ou seja, todos saíram dali e o deixaram vazio.
Se as hordas inimigas devastarem um lugar, usaram o termo derivado do latino devastare, formado por de-, aqui significando “por completo”, mais vastare, “arruinar, estragar, desolar”.
Um aviso: ainda existe a forma vastar como sinônimo de devastar.
Uma parenta sua que poucos ligariam à senhora é viuvez. Uma pessoa viúva (vidua em Latim) se caracteriza por estar vazia da companhia que durou vários anos. Claro que existe a opereta “A Viúva Alegre”, mas cada regra tem suas exceções.
Outras inesperadas são divisão, dividendo. Elas vêm do Latim dis-, “fora”, mais videre, “separar”, da mesma base Indo-Europeia weidh- que originou toda a sua família.
Veja que quando se separa algo se produz entre as partes resultantes um lugar vazio. Esses nossos antepassados das cavernas não sabiam nem escrever e já faziam construções verbais com toda essa lógica!
Mas hoje ficamos por aqui, cara e importante cliente. Se a senhora encontrar essas suas parentas por aí, cuide-se de não lhes contar sobre suas origens em comum.
Há uma lei secreta mas muito séria que diz que essas informações são sigilosas e que apenas pessoas com a devida qualificação – no caso, eu – podem lidar com elas.
Nesse caso, envie-as para cá que com uma consulta eu as deixarei esclarecidas e satisfeitas tal como a senhora parece estar.
Ao descer as escadas do edifício, cuide muito para não escorregar no lixo. Ah, e procure evitar pisar nos ratos, que eles são muito mal-humorados por aqui.
Uma boa noite para a senhora!