Pergunta #2581

Não tenho uma pergunta própriamente, mas uma questão que já submeti ao Prof. Cláudio Moreno. Fernando Pessoa cita no prólogo de sua obra poética o lema dos antigos argonautas: “Navegar é preciso, viver não é preciso.” A interpretação corrente tem sido a de que navegar é necessário, viver não é necessário. Isto representa uma absurdo, pois não se poderia navegar sem estar vivo. O Prof. Moreno entende a questão como a ambiguidade permitida ao poeta e por isto ele é poeta e não navegador. Ao navegador, especialmente nos tempos dos argonautas, a precisão era indispensável, pois se não o fosse deixariam eles de viver nas procelas do mar.
Entendo que a interpretação, repetida por Ulisses Guimarães e Caetano Veloso, se pode representar um apelo poético metafísico de um lado, de outro nos leva ao mau entendimento das coisas, que nos proporcionou o fiasco da réplica da nau capitânia sequer ter zarpado do porto, 500 anos depois do descobrimento e com toda a tecnologia atual disponível. Nâo houve, pois, precisão e como a necessidade não passava da comemoração a efeméride, tembém não houve outras conseqüências, além da vergonha. O que gostaria de ter esclarecido é a partir de quando e por quê as palavras preciso e necessário foram tomadas como sinônimas. Isto, apesar da boa e engenhosa explicação o prof. Moreno não alcançou.
Com esta indagação peço meu ingresso nessa confraria do fascinante mundo das palavras.
Atenciosamente
Odilon Abreu (advogado e procurador de justiça inativo)

Resposta:

Dr. Odilon:

Sem ter pergunta, o senhor nos leva a uma longa resposta. Imagine quando tiver!

A frase NAVIGARE NECESSE EST, VIVERE NON EST NECESSE ganhou sua fama na Idade Média, quando se tornou lema das cidades Hanseáticas. A frase é citada como “lema dos Argonautas” por uma ampla licença histórico-poética.
Segundo Plutarco, foi proferida por Pompeu, quando ele tinha que levar a Roma o trigo das províncias e os capitães de seus navios alertavam para o mau tempo reinante.
Também acho que o bom senso diz que não adianta muito navegar se a possibilidade de chegar é mínima, mas os varões romanos parece que tinham outras idéias.
Ou os seus biógrafos eram muito criativos, possibilidade que não se pode descartar.

Quanto à identidade PRECISO/NECESSÁRIO:
a primeira palavra vem do Latim PRAECISUS, particípio passado de PRAECIDERE, “encurtar, tirar fora as pontas”, formada por PRAE-, “ponta, extremidade”, mais CAEDERE, “cortar”.
Aquilo que passava por essa ação ficava “resumido, conciso, encurtado”, o que traz a idéia de “precisão”.
“Necessário” vem do Latim NECESSE, “inevitável, indispensável”, originalmente “sem volta”, de NE-, negativo, mais CEDERE, “retirar-se, ir embora”.

Dito isto, confesso que a identidade de sentido entre essas palavras permanece um mistério. Já vi pessoas com menos estudo dizerem “precisão” com o significado de “necessidade”.
Parece que essa identidade ocorreu só na Península Ibérica. No Espanhol o uso de “preciso” desta maneira é todo correto.

Enfim, não resolvi sua dúvida, mas ficamos com material para pensar e pesquisar mais.

Não há pedir ingresso em nosso grupo, nós é que nos sentimos honrados com a sua presença.

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