Palavra segredo

MANTENDO SEGREDOS

 

Na vida pessoal, política, diplomática, corporativa, militar e em outros aspectos atuais muitas vezes é necessário enviar mensagens de maneira que só os seus alvos as possam entender. Para isso foram criadas numerosas maneiras de enviá-las de forma que só possam ser úteis depois de passarem por determinados processos.

Hoje veremos as origens de algumas palavras relacionadas com o assunto.

 

CÓDIGO  –  vem do Latim codex, “livro, principalmente de leis”; originalmente queria dizer “tronco de árvore”, pois desse material era retirado o insumo para fabricação de papel.

Pelo início do século XIX passou a assumir o significado de “escrita secreta”.

 

CÓDIGO MORSE  –  não se trata de um código secreto e sim de uma maneira de transmitir letras e algarismos através de de sinais que podem ser visuais ou auditivos.

Ele tem uso em radiotelefonia e foi essencial para o uso de telégrafos. Citamo-lo aqui porque essa expressão ainda é muito familiar.

Seu nome se deve ao inventor, o americano Samuel Morse, que trabalhou no assunto na década de 1830.

 

CRIPTOGRAFIA – do Grego kryptós “escondido”, mais graphé, “escrita”. A rigor, qualquer mensagem que exija um processo de decifração para ser entendida e que seja escrita cai nessa definição.

 

ENCRIPTADO  –  usa-se para dizer que algo foi escrito em código. É frequente em Informática e vem do Grego en-, “em”, mais kryptós.

Vale saber que esse uso é do Inglês, da época do fim da Segunda Guerra Mundial. Ele tem outro significado em Português, que é o de “sepultar, colocar num túmulo ou cripta”.

 

CIFRA  –  deriva do Árabe cifr, “vazio, nada”, equivalendo a “zero”. Na notação numérica que levou o nome de Arábica (embora seja na verdade indiana, os cientistas árabes foram os seus grandes divulgadores) ela expressava uma posição onde não havia nenhum algarismo e era repsentada por um ponto.

Passou a designar também “escrita que só pode ser entendida por meios especiais”.

Dela se originou o termo decifrar, “decodificar, interpretar”, por colocação do prefixo de-, com o sentido de “desfazer, opor”.

 

SEGREDO  –  quando estamos recorrendo a métodos especiais para nos comunicar, é porque queremos manter escondida uma informação.

Esta palavra vem do Latim secretus, que significa “à parte, isolado, oculto”, e é o pasticípio passado de secernere, “separar”, formada por se-, “à perte”, mais cernere, “distinguir, ver a diferença”.

Daí também deriva secretário, “pessoa a quem se confiam segredos”, pois estes normalmente estão a par dos podres dos patrões

 

OCULTO  –  se é um segredo, queremos mantê-lo oculto, que vem de ob-,  “à frente”,  mais celare, “esconder, tirar da vista”.

 

ESCONDER  –  do Latim abscondere, “tirar de vista”, formada por abs, “fora”, mais condere, “colocar dentro de algo, guardar”.

 

ENIGMA  –  quem não entende uma mensagem codificada se vê às voltas com um enigma, palavra que deriva do Latim aenigma, do Grego aínigma, de ainíssesthai, “falar com sentidos ocultos”, de ainos, “dito, conto, discurso”.

 

MENSAGEM  –  do Latim missaticum, que veio de missus, particípio passado de mittere, “enviar, mandar”.

 

INFORMAÇÃO  –  do Latim informare, “dar forma”, de in-, “em”, mais forma, “aspecto, forma”.

 

DADOS  –  do Latim data, particípio passado de dare, “dar”, que tinha também o significado de “conceder, entregar”.

Nossa palavra data, no sentido de “definição de tempo”, vem da expressão que os romanos usavam; por exemplo: data Romam kalendas Januarii, “dadas (escritas, entregues as letras) em Roma a 1º de janeiro”.

Com o significado de “informação de computador armazenável e transmissível”, é de 1946.

 

STEGANOGRAFIA  –  trata-se de um conjunto de métodos usados para disfarçar uma mensagem dentro de um contexto maior. Aqui não se trata de codificar a mensagem, o que se faz é deixá-la disfarçada num meio que não chame a atenção.

O uso de tinta invisível numa carta é um exemplo. Daqui se vê que, apesar do nome de aspecto tão moderno e cibernético, se trata de um processo muito antigo.

Heródoto, que viveu no século V AC, descreve como uma mensagem foi enviada depois de ter sido tatuada no couro cabeludo de um escravo, que naturalmente deixou crescer o cabelo antes de se apresentar onde devia entregá-la. Claro que, na época atual, esse seria um método um tanto lento, mas cabe o exemplo.

Hoje se pode mandar uma imagem pela Internet e ajustar a cor de um pixel a cada cem, digamos, para representar uma letra.

Essa palavra estranha vem do Grego steganós, “coberto, protegido”, mais graphé.

 

Resposta:

Gregário

Eu estava quase no fim do primário. Em visita à confortável casa dos meus avós paternos, dirigi-me ao gabinete cheio de livros do meu avô, do qual os meus primos fugiam mas com quem eu gostava tanto de conversar.

Olhei pela porta: ele estava sentado à sua cadeira de balanço, lendo – para variar.

Pedi licença, conversamos umas banalidades e logo entrei no assunto que me coçava:

– Vô, ouvi uma coisa que não entendi: uma das tias estava comentando, ali na sala, que é uma pena que o senhor seja muito pouco gregário. Não gostei muito. Isso é algum desaforo? Ou ela quer que o senhor se chame Gregório e se enganou ao dizer o nome?

O velhote atirou a cabeça para trás e riu com gosto:

– E o meu bom cavaleiro veio saber se era preciso me defender, não é? Dê-me um abraço, meu campeão! Com você por perto não preciso temer nada. Mas deixe-me explicar direito, que você fez uma salada. É o seguinte:

– Sua tia, como todo o mundo, gostaria que eu apreciasse festas, que eu gostasse de jogar conversa fora num grupo grande, de viajar em bandos, etcétera. Está certo, é saudável, a maior parte das pessoas é assim. Talvez por isso é que a Humanidade tenha tido tanto sucesso como espécie. Mas as pessoas não são todas iguais. Desde menino (não faça cara de espanto! Já fui até menor do que você. E não era no tempo dos dinossauros!), nunca gostei de estar com muita gente.

Quando a sua tia diz que não sou gregário, ela quer dizer que não me agrada estar em companhia de muita gente. Essa palavra veio do Latim grex – sonora, não? – que significa “rebanho, manada, bando de aves, reunião”. Gregário é aquele que gosta de andar com os outros, de reunir-se com os seus.

Há uma palavra em Português que veio direto daí. É pouco usada hoje em dia, mas perfeitamente válida. É a grei, ou seja, os seus semelhantes, o seu grupo, a sua laia.

Se você quiser xingar alguém de modo pedante e talvez pouco compreensível, em vez de dizer “Não sou da sua laia”, diga “Não compartilho da vossa grei”. A outra pessoa vai ficar atrapalhada…

– Certo, Vô, mas o seu Gregório lá do bar do colégio está sempre batendo papo com todo o mundo. Como é que os pais dele adivinharam na hora de escolher o nome? Gregório Gregário?

– Pare, menino, que você me lembra a sua avó quando ela começa a deduzir errado e inventar histórias. Gregório é um nome que veio do Grego gregoréo, “cuidar, vigiar”. Queria dizer “vigilante, sentinela”.

– O senhor seguido diz que uma palavra veio do Grego. E Grego, veio de grex?

– Não, seu espertinho, não veio daí. O que aconteceu foi que, quando os romanos fizeram os contatos iniciais com o país que veio a ser conhecido como Grécia, o primeiro povo que eles encontraram no caminho foi o dos grekkoi. Não consta que estes tenham trazido grande acréscimo à História, mas o nome deles foi imortalizado, sendo aplicado ao país todo. O conjunto de estados daquela região era conhecido por Hélade, e eles se intitulavam Helenos.

Na linguagem erudita se fala em helenização quando se quer falar da influência grega em alguma cultura ou idioma. Pode-se usar também grecização com o mesmo significado, embora essa palavra soe meio esquisita.

Continuando com os derivados de grex: há um deles que se usa para fazer alto elogio. É egrégio, que vem de ex (ou e, antes de consoante), “fora” e grex, ou seja, aquele cujas qualidades positivas o colocam fora do grupo, alguém excepcional, acima dos outros.

– Se o senhor não é gregário, então o senhor é egrégio, Vô?

Ele riu de novo.

– Bem… as opiniões divergem, de modo que vamos deixar isso para lá. Vou acrescentar mais uma palavrinha à nossa lista: segregar. Esta vem de se-, Latim, com o significado de “afastar, retirar do meio, separar” e o tal grex. Logo, segregar é retirar alguém de entre os seus. Houve época, não muito remota, em que as leis de alguns países permitiam fazer isso. Ou até exigiam. Pelo menos em alguma coisa a sociedade melhorou!

E, com sentido oposto ao de segregar mas com as mesmas origens, temos agregar, de ad, “junto” e grex. Significa “colocar junto com os outros, somar, acrescentar”. Ao lermos as histórias que tratam da nossa sociedade no século 19 vemos como era comum a figura do agregado.

– Era um sujeito que gostava de estar com os outros?

– Mais ou menos. Era algo que é difícil encontrar hoje em dia, pelo menos nas cidades maiores. Tratava-se de alguém, às vezes com laços de parentesco distante, que simplesmente passava a fazer parte de uma família e vivia na casa junto com os outros, muitas vezes sem trabalhar nem ajudar com o sustento. Beleza, a época em que um sujeito sozinho podia sustentar uma família numerosa e ainda arcar com os agregados…

Suspirou.

– A última palavra relacionada a rebanho que me ocorre no momento é congregar. Esta vem do Latim con-, que aqui também tem o sentido de “juntar” e grex. Uma congregação é um grupo de pessoas com pontos comuns em ideologia ou em religião ou filosofia de vida, por exemplo.

– Acho que sei mais uma palavra dessas aí: segredo. Acertei?

– Chii, mais salada! Não, não! Segredo vem do Latim secretus, que significa “à parte, isolado, oculto”. Nada a ver, menino, mas sempre é bom perguntar.

– Mas grupo está nessa, né?

– Você está tentando às cegas, para ver se acerta. Não faz mal, assim você treina o seu vocabulário. Só que se deu mal de novo. Grupo vem de uma fonte pré-Germânica kruppaz, “inchaço, relevo”. Essa palavra passou ao Italiano como gruppo e ao Francês como groupe. Originalmente era usada nos meios artísticos, pois se referia à disposição das figuras num quadro ou numa escultura.

– Como é que eu nunca ouvi falar numa “grex de vacas” ou numa “grex de ovelhas”?

– Grande pergunta, meu rapaz. Não se sabe com certeza de onde é que veio rebanho. Como essa palavra só existe em Espanhol e em Português, presume-se que tenha vindo do Árabe.Os derivados de grex foram assimilados a outras palavras, como vimos.

Uma palavra correlata com o assunto mas bem diferente veio do Latim sequi, “seguir” – no sentido de “acompanhar por concordância de idéias”, não no de “perseguir, caçar”. Daí se formou socius, “companheiro”. Também sequaz, séquito e outras.

Associar vem de ad, “junto”, e socius; é algo como “juntar companheiros”. Com o sentido oposto temos dissociar, “separar, afastar, desligar”, que deriva de dis, “afastar” e socius.

Enfim, sei que há quem diga que eu sou um solitário, o que vem do Latim solus, “sozinho, único”. Pena que as pessoas costumem confundir solitário com ranzinza.

Esta palavra parece que vem de ranza, a madeira sobre a qual gira o eixo do moinho, e que faz muito barulho, que range muito, como alguém que está constantemente resmungando. E não digam que é o meu caso, senão eu me ponho a resmungar.

Bom. Fiquei com sede após falar tanto para tentar colocar algo nessa cabeça de esponja que você felizmente tem.

Agora faça um favor para este egrégio: vá até os gregários que estão lá na cozinha falando mal da vida alheia e peça um pouco de suco e alguma coisinha para a gente comer.

Resposta:

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