Frutas [Edição 10]
– Quem foi que deixou um resto de maçã roída na minha cadeira? E esta casca de banana no chão? E estas cascas de amendoim sobre a minha mesa? E estas sementes de laranja sobre as classes? Crianças, assim não dá! Feio, feio! Como é que uma pobre mestra pode sobreviver num meio destes?
Sentem-se todos em roda e vamos falar um pouco sobre a origem das palavras enquanto eu tento limpar um pouco a sala. Ah, eu sabia que podia contar com o Humbertinho para trazer o cesto de lixo atrás de mim. Continue assim que você vai agradar muito no futuro, menino.
Estão vendo esta casca de banana? Quem a jogou aqui provavelmente vai ter uma vasta dor de barriga, que é para aprender a não ser mal-educado. Mas por enquanto vamos ficar sabendo que o nome dessa fruta vem do Árabe banana, “dedo”, devido à sua forma.
Também chamamos de banana a pessoa muito mole, numa alusão à consistência macia do fruto. Falando nisso, levantem o Soneca dali um pouco, para que eu possa tirar essas cascas debaixo dele. Cuidado para não o acordar, que pelo menos é um que não está incomodando.
Olhem esta maçã esborrachada aqui. Saibam que o nome dela vem de mala mattiana, “maçã da cidade de Mattium“, onde havia grande produção.
Esta palavra mala ou malum se aplicava também a frutos de polpa carnosa em geral.
Não, Joãozinho, não é dessa carne que estamos falando. Continue distraído fazendo os seus desenhos. Só não os mostre para ninguém, por favor.
Falando em malum, o pêssego, tão apreciado, se chamava em Roma malum persicum, “o fruto da Pérsia”. Com o tempo, caiu a primeira palavra e ficou a segunda. É por isso que o seu nome se escreve com “S” e não “C”, como alguns faziam. O “S” vem do nome do país.
– Como, Ledinha? Não, querida, essa fruta não foi inventada na Pérsia, ela apenas passou por lá a partir da Ásia, em seu caminho para o Ocidente.
Falando nisso, os romanos gostavam de uma fruta que continha muitos pequenos grãos cor de rubi com uma incômoda sementinha dentro, que nós hoje chamamos de romã. Ela era chamada mala granata, “fruto de grãos”, ou mala romana, “fruto romano”. O interessante é que, na Espanha, o que resultou hoje é a granada, de granata, e em Portugal, a romã, de romana.
Os romanos, aliás, chamavam as frutas tanto de fructus como de pomum. Daí que uma plantação de árvores frutíferas hoje se chama pomar.
Temos aqui uma casca de maracujá, que vem do Tupi moroku’ia, o nome da fruta.
Eles chamavam o abacaxi de iwa’kati, “a fruta que tem cheiro forte”, uma palavra que diz muito sobre ele.
Não, Sidneizinho, não quero ouvir nenhuma piada sobre frutas, não. Aliás, saia de perto da Maria Tereza que ela é inocente demais para você estar junto. Vá para o fundo da sala, vá.
Pulando para bem longe, sabiam que o abacate tem o seu nome oriundo de um idioma do México chamado Náhuatl? Lá ele era chamado awácatl. Eles também deram nome ao tomate, que era tomatl para eles. E também ao chocolate, chocolatl.
Lembrei-me do chocolate porque vi todo esse chocolate derretido na sua mão e ao redor de sua boca, Artur. Vá se lavar, menino! E não se esqueça de voltar.
O Náhuatl cacahuatl deu também o nome ao que os espanhóis chamam de cacahuete, e que nós por aqui chamamos de amendoim. Esta palavra vem do Tupi manu-ui, com influência de amêndoa. O pessoal de fala espanhola na parte mais ao sul do nosso continente usa maní, também baseado no Tupi.
Não senhor, Sidneizinho, essas histórias sobre o amendoim são bobagens e eu não quero falar nisso. Sim, sei que estou aqui para ensinar, mas isso vocês só podem aprender mais tarde. E vamos mudar de assunto.
Vejam esse rastro de pingos de laranja. O nome dela veio do Sânscrito naranga, através do Persa narang e do Árabe em duas formas, narang e larang. É por isso que dizemos laranja em português e naranja em Espanhol.
Falando em Árabe e em cítricas, temos o limão, de limun. Parente dele em idioma de origem e família é a lima, de limâ.
O que me lembra a tangerina, que recebeu esse nome do porto de Tânger, cidade do Marrocos perto do Estreito de Gibraltar, que era um local de exportação da fruta para a Europa.
Essa mesma fruta é chamada no sul do Brasil de bergamota. Esse nome vem do Turco mustafa beg armudi, “a pera do Príncipe”. Não se sabe que confusão os italianos fizeram entre as frutas, que passaram o nome para bergamotta e assim ficou.
Em outras partes do país, esta fruta é chamada de laranja mexeriqueira ou mexerica. Esta palavrinha vem de mexericar, no sentido de “denunciar”, já que o seu cheiro denuncia imediatamente quem foi que comeu a fruta e espalhou as cascas por aí. Sabia, Oscarzinho, que está com essa cara de santo aí no cantinho? Para completar: mexericar vem de mexer.
É bom que todos aprendam a não mexer com quem está quieto, pois um belo dia podem se surpreender provocando um ataque do coração em alguma pessoa esgotada com suas malcriações e aí não haverá mais professora para dar aulinhas para vocês e vocês vão ter que ir pedir esmolas nas ruas e dormir nas calçadas e…
Não, não! Não chorem! Era tudo uma brincadeirinha! Vocês não podem me levar a sério quando eu estou assim cansada de traquinagens. Calma, que a Tia Odete vai contar mais coisas interessantes. Olha aqui que artístico, esse pedaço de melancia atirado contra o teto! Muita criatividade mesmo. Miró não faria melhor.
Sabiam que o nome dessa fruta também vem do Árabe? Pois consta que se chamava bátikha balanci, “melão de Valência”. Como todos vocês ainda não sabem, os Árabes passaram longo tempo dominando a Espanha, tanto que a ajuda de arabistas, especialistas em idioma Árabe, é indispensável para se fazer um dicionário de Espanhol.
E o melão veio do Grego melopepon, passando pelo Latim melo e pelo Italiano mello. Aqui tem um pedaço de casca no peitoril da janela, vejam só que lindo!
Em Espanhol, o nome da melancia é sandía. Ele vem do Árabe sinddyya, “natural da região do Sind, no Paquistão”.
Muitos de vocês talvez não conheçam ainda as palavras sandice, sandeu, que querem dizer “loucura, louco”. Pois elas vêm do nome dessa fruta em Espanhol.
Em determinado momento se associou o tamanho da cabeça de crianças com macrocefalia, uma doença em que os líquidos do cérebro não drenam direito e que comprime o cérebro e aumenta o crânio, com a forma e tamanho da melancia.
Como não havia tratamento ainda para isso, as crianças tinham retardamento mental e a ligação com a loucura veio logo.
E está cientificamente provado que crianças que se portam mal com sua professora querida correm sério risco de acordar sandias. Portanto, agora vão para casa e prometam que vão se comportar.
E façam um favorzinho: digam para as mamães que a nossa experiência da Merenda de Frutas está cancelada e que é para não mandarem mais frutas com vocês, está certo?