X-8 E OS GRÃOS [Edição 79]
O grande detetive etimológico esta noite está passeando pelo seu bairro. Ele gosta muito de morar ali, embora talvez seja o único a se sentir assim.
Ah, esse ventinho primaveril!
Ah, os cheiros estranhos que ele traz!
Os movimentos de seres que correm junto aos muros ou que sobem pelas paredes tornam mais viva a noite, o exercício que as pessoas fazem para não tropeçar no lixo faz bem à saúde, atravessar zonas pouco iluminadas da rua é estimulante para a imaginação e para as retinas.
Tudo isso encoraja X-8 a se deslocar por zonas mais afastadas do centro histórico e comercial, onde predominam terrenos baldios e prédios semi-destruídos. Imaginem só, daqui a uns quinhentos anos essas ruínas vão ter cinco séculos! O turismo será uma fonte de negócios para o bairro, que vai se desenvolver muito.
Basta ter paciência.
Parado à frente de um terreno desocupado batido pelo luar, X-8 dá largas à sua imaginação. Imaginem aquelas pedras dizendo “Psiu! Psiu!” para os visitantes…
Os circuitos de lógica do portentoso cérebro do detetive reclamam. Como assim, “Psiu! Psiu!”?
Ele olha para baixo, de onde parecem vir essas interjeições, e as ouve de novo. Corajosamente pronto para fugir, ele presta mais atenção e vê umas palavrinhas baixas, com um significado conjunto, logo ali na entrada do lugar abandonado.
Palavras são seres tímidos; muitas vezes se juntam por laços comuns de sentido, talvez para se sentirem mais seguras. É o caso destas, que estavam também apreciando o luar numa folga de suas atividades, quando viram o famosíssimo detetive e o chamaram para perguntar se ele não podia falar sobre as origens delas.
Claro que em troca de pagamento, pois nunca consultariam tão soberbo profissional de graça.
Depois de combinar seus emolumentos, ele se acomoda num caixote de madeira e começa a discursar:
– Grão, você e suas colegas aqui presentes formam designativos para uma das coisas mais importantes da Humanidade. Sem essa forma de alimento não se poderia viver neste planeta.
A palavra grão inchou visivelmente, quase estourando.
– Você deriva do Latim granum, “semente, grão”. Aliás, a gente vê nos filmes uma confusão que os tradutores fazem quando colocam na boca de uma pessoa da Idade Média menções a milho.
Este foi levado da América para a Europa a partir dos descobrimentos, portanto não se poderia comer uma espiga de milho cozido na época das Cruzadas, por exemplo.
O que acontece é que, em Inglês, pode-se usar a mesma palavra para grão e milho. Nesse idioma, corn designa os dois. E com razão, pois o Germânico korn, que a originou, vem do Latim granum.
Enfim, nesses filmes o que se pretendia dizer era “trigo” ou outro material alimentar desse tipo.
Mas é querer demais que tradutores modernos saibam traduzir, de modo que vamos adiante.
Falando em milho, seu nome vem do Latim milium, provavelmente relacionado ao numeral “mil”, pela quantidade de grãos. Os romanos aplicavam esse nome a uma outra gramínea, originária da Índia, aquela que os espanhóis hoje chamam de trigo candeal. A palavra milho acabou sendo usada depois para a Zea mays, que é o nome científico do milho que veio do Novo Mundo.
Você aí, feijão, tão importante para a culinária brasileira, sabia que seu nome deriva de vem do Latim phaseolus e do Grego phaséolos, ambos significando feijão mesmo?
Ao lado de feijão temos arroz, formando uma dupla das mais bem combinadas. Trata-se de uma palavra que veio do Grego oryza, arroz mesmo. E essa palavra vem do Sânscrito vrihi, com o mesmo significado.
Substituindo muitas vezes o feijão quando o cozinheiro quer variar um pouco, ali está lentilha. Você foi muito importante para a Óptica, sabia? Os romanos a conheciam por lens, e seu nome foi dado quando as primeiras lentes entraram em fabricação disseminada, devido ao formato bicôncavo.
E você, soja, que sabe que é de enorme importância para a economia do Brasil, vem do Japonês shoyu, derivado do Mandarim jingyou, “óleo de soja”.
Verdinha ali adiante se encontra ervilha, louca para ser citada. Vamos lá então: sua origem é o Latim ervilla, diminutivo de ervum, uma planta parecida com a atual ervilha, que serve como forragem, ou seja, alimento para o gado.
E ali trigo veio do Latim triticum, causa de muitas guerras entre nações.
Ah, aqui está gergelim me puxando a manga para não ser esquecido. Calma, pequenino, já vou dizer a todos que seu nome veio do Árabe dildjilan, o nome da semente do sésamo. Sonoro, heim?
A cevada vem do Latim cibare, “alimentar, nutrir”, de cibus, “comida, alimento”. Hoje em dia tem muito a ver com certa bebida, pois dela se faz a cerveja.
E quem a ajuda nisso é ali o lúpulo, que não descende do Latim lupus, “lobo”, como se pode pensar. Ao que parece, sua verdadeira origem é o Holandês hoppe, de mesma origem que o Inglês hop, “pular”, possivelmente em alusão ao fato de a planta “saltar” rapidamente e se enroscar sobre outras.
Formando um trio com estas para fazer bebida, apresenta-se o malte, do Germânico malz, relacionado a meltan, “amolecer, suavizar”, provavelmente porque o grão era pisoteado em água para o fabrico da cerveja.
Bem, minhas caras, está na hora de meus honorários; desejo-lhes uma boa noite e que continuem desfrutando deste local tão simpático enquanto conversam sobre suas origens.
E afastou-se na noite, assobiando.