Palavra arroz

X-8 E OS GRÃOS

 

O grande detetive etimológico esta noite está passeando pelo seu bairro. Ele gosta muito de morar ali, embora talvez seja o único a se sentir assim.

Ah, esse ventinho primaveril!

Ah, os cheiros estranhos que ele traz!

Os movimentos de seres que correm junto aos muros ou que sobem pelas paredes tornam mais viva a noite, o exercício que as pessoas fazem para  não tropeçar no lixo faz bem à saúde, atravessar zonas pouco iluminadas da rua é estimulante para a imaginação e para as retinas.

Tudo isso encoraja X-8 a se deslocar por zonas mais afastadas do centro histórico e comercial, onde predominam terrenos baldios e prédios semi-destruídos. Imaginem só, daqui a uns quinhentos anos essas ruínas vão ter cinco séculos! O turismo será uma fonte de negócios para o bairro, que vai se desenvolver muito.

Basta ter paciência.

Parado à frente de um terreno desocupado batido pelo luar, X-8 dá largas à sua imaginação. Imaginem aquelas pedras dizendo “Psiu! Psiu!” para os visitantes…

Os circuitos de lógica do portentoso cérebro do detetive reclamam. Como assim, “Psiu! Psiu!”?

Ele olha para baixo, de onde parecem vir essas interjeições, e as ouve de novo. Corajosamente pronto para fugir, ele presta mais atenção e vê umas palavrinhas baixas, com um significado conjunto, logo ali na entrada do lugar abandonado.

Palavras são seres tímidos; muitas vezes se juntam por laços comuns de sentido, talvez para se sentirem mais seguras. É o caso destas, que estavam também apreciando o luar numa folga de suas atividades, quando viram o famosíssimo detetive e o chamaram  para perguntar se ele não podia falar sobre as origens delas.

Claro que em troca de pagamento, pois nunca consultariam tão soberbo profissional de graça.

Depois de combinar seus emolumentos, ele se acomoda num caixote de madeira e começa a discursar:

Grão, você e suas colegas aqui presentes formam designativos para uma das coisas mais importantes da Humanidade. Sem essa forma de alimento não se poderia viver neste planeta.

A palavra grão inchou visivelmente, quase estourando.

– Você deriva do Latim granum, “semente, grão”. Aliás, a gente vê nos filmes uma confusão que os tradutores fazem quando colocam na boca de uma pessoa da Idade Média menções a milho.

Este foi levado da América para a Europa a partir dos descobrimentos, portanto não se poderia comer uma espiga de milho cozido na época das Cruzadas, por exemplo.

O que acontece é que, em Inglês, pode-se usar a mesma palavra para grão e milho. Nesse idioma, corn designa os dois. E com razão, pois o Germânico korn, que a originou, vem do Latim granum.

Enfim, nesses filmes o que se pretendia dizer era “trigo” ou outro material alimentar desse tipo.

Mas é querer demais que tradutores modernos saibam traduzir, de modo que vamos adiante.

Falando em milho, seu nome vem do Latim milium, provavelmente relacionado ao numeral “mil”, pela quantidade de grãos. Os romanos aplicavam esse nome a uma outra gramínea, originária da Índia, aquela que os espanhóis hoje chamam de trigo candeal. A palavra milho acabou sendo usada depois para a Zea mays, que é o nome científico do milho que veio do Novo Mundo.

Você aí, feijão, tão importante para a culinária brasileira, sabia que seu nome deriva de vem do Latim phaseolus e do Grego phaséolos, ambos significando feijão mesmo?

Ao lado de feijão temos arroz, formando uma dupla das mais bem combinadas. Trata-se de uma palavra que veio do Grego oryza, arroz mesmo. E essa palavra vem do Sânscrito vrihi, com o mesmo significado.

Substituindo muitas vezes o feijão quando o cozinheiro quer variar um pouco, ali está lentilha. Você foi muito importante para a Óptica, sabia? Os romanos a conheciam por lens, e seu nome foi dado quando as primeiras lentes entraram em fabricação disseminada, devido ao formato bicôncavo.

E você, soja, que sabe que é de enorme importância para a economia do Brasil, vem do Japonês shoyu, derivado do Mandarim jingyou, “óleo de soja”.

Verdinha ali adiante se encontra ervilha, louca para ser citada. Vamos lá então: sua origem é o Latim ervilla, diminutivo de ervum, uma planta parecida com a atual ervilha, que serve como forragem, ou seja, alimento para o gado.

E ali trigo veio do Latim triticum, causa de muitas guerras entre nações.

Ah, aqui está gergelim me puxando a manga para não ser esquecido. Calma, pequenino, já vou dizer a todos que seu nome veio do Árabe dildjilan, o nome da semente do sésamo. Sonoro, heim?

A cevada vem do Latim cibare, “alimentar, nutrir”, de cibus, “comida, alimento”. Hoje em dia tem muito a ver com certa bebida, pois dela se faz a cerveja.

E quem a ajuda nisso é ali o lúpulo, que não descende do Latim lupus, “lobo”, como se pode pensar. Ao que parece, sua verdadeira origem é o Holandês hoppe, de mesma origem que o Inglês hop, “pular”, possivelmente em alusão ao fato de a planta “saltar” rapidamente e se enroscar sobre outras.

Formando um trio com estas para fazer bebida, apresenta-se o malte, do Germânico malz, relacionado a meltan, “amolecer, suavizar”, provavelmente porque o grão era pisoteado em água para o fabrico da cerveja.

Bem, minhas caras, está na hora de meus honorários; desejo-lhes uma boa noite e que continuem desfrutando deste local tão simpático enquanto conversam sobre suas origens.

E afastou-se na noite, assobiando.

 

Resposta:

Comidas

Parem! Parem! Ai, São Pedro, porque você tinha que fazer chover logo hoje? Por que não no fim de semana? Agora estes capetinhas não podem sair para o pátio no recreio e eu fico com o caos no colo. São Pero Botelho, dai-me um relho!

Quietos! Robertinho, sente! Joãozinho, não abaixe as calças! Pare de olhar com esses olhos arregalados, Joana Beatriz! Zorzinho, pare de escrever, Valesca pare de falar, todos, se possível parem de respirar!

Não deu? Então vamos fazer o seguinte: vamos sentar e falar sobre comida, já que está na hora de comer a merenda mesmo. Você sabia, Leonorzinha, que a palavra arroz, que não pode faltar em nenhuma mesa, vem do Grego oryza, arroz mesmo?

E essa palavra vem do Sânscrito vrihi, com o mesmo significado. Por que essa cara de quem vai vomitar? Ah, você não gosta de arroz? Nem de um bom risoto, que vem do Italiano riso?

Hum, eu acho que os seus pais vão ter que lhe providenciar uma terapia comportamental. Vou falar com eles depois.

Mas então vamos falar daquele companheiro constante do arroz, o feijão. Este nome vem do Latim phaseolus e do Grego phaséolos, ambos significando feijão mesmo.

Hein? Não, Ledinha, os guerreiros gregos não eram fortes porque comiam feijão antes de guerrear, não. Não, meu bem, tampouco foram eles que inventaram a feijoada. Quem a inventou não sei, mas deve ter sido aqui no Brasil mesmo.

Falando em grãos, ocorre-me o milho, cujo nome vem do Latim milium, provavelmente relacionado ao numeral “mil”, pela quantidade de grãos. Se vocês contarem isto em casa, seus pais, que com certeza são muito cultos vão protestar, dizendo que em Roma não havia milho, o qual foi levado da América para a Europa.

Se isto acontecer, expliquem que os romanos aplicavam esse nome a uma outra gramínea, originária da Índia, que os espanhóis hoje chamam de trigo candeal. A palavra milho acabou sendo usada depois para a Zea mays, que é o nome científico do milho que veio do Novo Mundo.

Também temos o trigo, do qual são feitos esses sanduichinhos tão bons que o Soneca e o Artur estão comendo – não, queridos, não era essa a idéia mas, bem, se vocês insistem, não vou fazer desfeita, aceito, sim – esperem que eu engula, é feio falar de boca cheia. Como eu dizia, essa palavra vem do Latim triticum.

Humm, muito bons. Vou aceitar mais unzinho…

Ah, antes que me esqueça: a ervilha vem do Latim ervilla, diminutivo de ervum, uma planta parecida com a atual ervilha, que serve como forragem, isto é, alimento para o gado.

Sim, Valesquinha? Não, não creio que a vizinha de vocês coma forragem. Está bem, a sua mãe pode dizer que ela é uma vaca, mas ela com certeza quer dizer outra coisa. Será que não quis dizer que “Ela comprou uma faca”? Ou “Ordenhou uma vaca”? Ou “Precisou de uma maca”? Com certeza não? Bem, vamos mudar de assunto. De qualquer forma, não repita isso para a vizinha, por favor.

Um prato que costuma acompanhar a comida é a salada. Este nomezinho vem do Italiano insalata, “salgada”, do Latim insalare, de in-, “em”, mais salare, “salgar”. Em Espanhol a palavra mudou menos que no nosso idioma e se diz ensalada.

Tá certo, pessoal, a salada de frutas não é salgada. A semelhança não é pelo tempero, é pela mistura de diversos elementos.

Essa palavra pode ser aplicada também para qualquer conjunto desordenado, como na frase “As crianças fizeram tamanha salada na aula que a pobre professora morreu de desgosto na frente delas e depois do enterro veio puxar os pés delas todas as noites”. Explicar melhor? Ora bem, foi apenas uma frase que me ocorreu. Vamos adiante.

Também podemos comer massa. Esta palavra era massa em Latim, e maza em Grego, onde queria dizer “conjunto, o todo, massa”. Sim, Valzinha, amasso vem daí. Como, o que é “um bom amasso”? Aaah… imagino que deva ser o que o fabricante de talharim faz ao preparar o seu produto, não?

Bem, mesmo que você não acredite em mim, fique quieta e não diga nada à Lúcia aí do seu lado, que quem quer estudar Teologia no futuro não deve aprender certas coisas.

Também podemos comer ovo em diversas formas. Esta palavra tão curtinha vem do Latim ovum – não se mexa, Joãozinho, não diga nada, nem sequer abra a boca! – que era oon em Grego, que veio do Indo-Europeu owyo.

Do ovo podemos fazer, por exemplo, uma omelete. Esta palavrinha vem do Francês omelette, que vem de alemette, que vem de alemelle, “lâmina de faca ou de espada”, que vem de la lemelle, “a lâmina”, que vem do Latim lamella, “prato delgado e pequeno”, que vem de lamina, “camada, prato”.

Pode-se comer ovos Benedict também. Eles são uma entrada com pão, molho e presunto, inventados na Nova Iorque de 1920 para o casal LeGrand Benedict, que pediu alguma coisa fora do cardápio de sempre. Pois na hora foi inventado esse prato. Cozinheiro criativo, esse.

Falando em molho, este vem da palavra “molhar”, pois é isso que ele faz quando é acrescentado a algum prato. E esse verbo vem do Latim molliare, “molhar”, mais exatamente “tornar mole por contato com a água”.

Também podemos comer um bom bife. Tal nome vem do Inglês beef, que veio do Francês boeuf, “boi”. E que, por sua vez, veio do Latim bos, com o mesmo significado, relacionado com o Grego bous, idem.

No fim da refeição muitas vezes comemos frutas. Esta palavra é do Latim fructus, “produto, proveito, fruto” e veio de frug-, raíz do verbo frui, “usar, aproveitar, desfrutar”.

Não se esqueçam que, depois de uma experiência trágica de fazer merenda apenas com frutas, eu proibi terminantemente que esse tipo de alimento seja trazido para cá.

Ainda no outro dia encontrei um resultado daquela infeliz aventura, uma múmia de banana dentro da minha bolsa, quando fui tirar uma lembrancinha para o aniversário de uma amiga.

Imaginem que vexame! Tive que dizer que era uma brincadeirinha e todas ficaram pensando que eu andava saindo com aquele alemão que anda por aí enlouquecendo as senhoras, o Seu Alzheimer.

Em vez de frutas, podemos comer sobremesas várias. Esta palavra se relaciona com o que está “sobre a mesa”.

Sei, Ledinha, que o resto da refeição também esteve “sobre a mesa”, mas os caminhos que geram as palavras às vezes são meio misteriosos. Em Inglês ela se chama dessert, porque é apresentada ao se retirar o material que a antecedeu. Esse é o momento de “retirar o serviço”, ou desservire, em Latim.

Quem gosta de mousse deve saber que essa palavra é francesa e vem do verbo mousser, “espumar, agitar”. Ela é uma espécie de espuma de delícias que a gente come e… desculpem, a Tia Odete se babou. Ou, para ser mais científica, teve um surto agudo de sialorréia.

Pode-se comer um pudim, do Francês boudin, que parece vir do Latim botellinus, diminutivo de botellus, “salsicha”. Calma, Mariazinha, já explico. O significado atual veio de alimentos feitos dentro de tripa ou sacos, como é o caso das salsichas, e que incham, um hábito que os pudins ostentam.

Em vez do pudim, pode-se apresentar uma torta. Esta vem do latim
torta, “pão redondo, bolo achatado”. Uma torta pode ser de diversos tipos, como a torta “afrodescendente portadora de sofrimento psíquico”, antigamente conhecida por “Nega Maluca”.

Bem, crianças, terminou o recreio. Vamos guardar os restos das merendinhas. Depois dos sanduíches que provei, acho que vou fazer a campanha “Traga a Merenda para Professora”. Talvez assim eu engorde um pouco e vocês consigam algum desconto no tempo que vão passar no Purgatório.

Até amanhã.

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