Palavra alçapão

ARMADILHAS

 

 

Muita atenção, crianças! Hoje a Tia Odete não está para gracinhas. Acordei com dor de cabeça no estômago, cólicas nos joelhos e azia universal. Estas condições me colocam num estado de mau humor que é perigoso à saúde e à vida dos que me rodeiam; portanto, cuidado.

Ou seja, hoje vocês não estarão lidando com aquele anjo de ternura, aquela professora cheia de paciência e amor, que nunca ralha com ninguém nem se queixa de ter alunos incontroláveis.

O que me estragou foi que esta noite andei pensando que eu bem que poderia ter-me negado a cair na armadilha de trabalhar com o ensino; fui  seguir minha vocação e…

 

Ei, armadilha! É um assunto interessante para lidar com Etimologia. Esta palavra vem de armado, do Latim armatus, “com força armada, com poder militar”, de arma, “armas”, originalmente “ferramentas”.

O que nos traz à mente a arapuca, que veio do Tupi ara’puka, de ara, “pássaro, ave”, mais puka, “esburacado”. Isso porque esses artefatos sempre deixavam espaços entre suas partes.

Há engenhos maiores também, como o alçapão. Estes são feitos como entrada para um sótão ou como parte de um palco teatral, para que a auxiliar do mágico indecentemente vestida saia de dentro de alguma caixa e apareça depois em algum lugar imprevisto. Vem de alça, “erguer, levantar”, mais pôr. Designa também uma armadilha para pássaros, daquelas em que uma porta fica tentadoramente aberta para que o bípede plumoso incauto entre à procura de uma comidinha, fechando-se depois às suas costas.

E isso que certamente a mamãe-pássara o avisou para não acreditar em comidas tentadoramente largadas em seu caminho.

Essa origem faz lembrar a alçaprema, outro tipo de armadilha. Calma, eu sei que nunca ouviram falar nisso, mas pouca gente ouviu. Ela designa também uma armadilha para pássaros, mas seu nome se forma mesmo é de outro significado que ela tem: o de “alavanca para erguer pesos” ou de “ferramenta para retirar partes de alguma coisa”, como um alicate ou torquês.

A origem é alçar e premir, que correspondem às ferramentas que descrevemos.

Sim, Valzinha? Esses dias seu pai disse para a sua mãe, num momento de irritação, que tinha caído numa esparrela ao casar com ela? Não, por favor, não nos conte o que saiu depois entre o casal, que não gosto dessas histórias de terror.

Seja como for, a origem dessa palavra, usada para designar também uma armadilha, não é conhecida. E quando Tia Odete diz que não sabe uma origem, ninguém mais sabe.

Como notaram, há muitos nomes para aparatos que servem para caçar aves. Um deles é a rede, do Latim rete, “rede” mesmo.

Para outros animais existem também armadilhas. E há muitíssimo tempo, mesmo antes de eu nascer.

Parem de fazer cara de surpresa!

Como eu dizia antes de ser interrompida pelo ruído de suas expressões, o homem antigo usava o que mais o distinguia dos animais, que era o seu cérebro. Aí ele preparava modos de fazer os touros e mamutes caírem num lugar de onde não podiam sair e depois fazia alegres churrascadas.

Uma dessas coisas é a trapa, do Francês trappe, do Frâncico trappa, “armadilha” mesmo.

Existe igualmente a trampa, do Espanhol trampa, “madeira que se abre no chão ao ser pisada”. Por lá há um ditado que diz “Hecha la ley, hecha la trampa“, ou seja, “Feita a lei, feito o engano”.

Não podemos nos esquecer da ratoeira, que naturalmente vem de rato, do Latim rattus, de origem anterior incerta.

De certa feita tentaram me vender o que, à falta de nome, eu chamaria da baratoeira. Era um objeto de plástico transparente com compartimentos onde se colocava um alimento qualquer e que tinha uma portinhola muito delicada, que uma barata podia abrir facilmente, e que se fechava atrás dela, aprisionando-a depois que entrasse.

Quando eu perguntei ao vendedor o que era que se fazia depois com um depósito cheio dos insetos vivos e ele hesitou, corri com ele de casa.

Chii, eu não devia falar nessas coisas na frente da Leonorzinha. Lary, Aninha, juntem-na que ela desmaiou. Não, os meninos fiquem quietos.

Ainda no propósito  de pegar bichos maiores, temos o brete, do Espanhol brete, do Gótico brid, “tábua, pedaço de madeira”, pois ele consta de uma armação forte de pedaços de madeira para conter o gado.

Passando para outros animais, temos um modo de pegar peixes que é o covo, do Latim cophinus, do Grego kóphinos, “cesta”, pois é uma cesta especializada que pode ser feita de materiais que se encontram junto aos rios e lagos, como galhos e palhas.

Prestem atenção: covo é com o “O” fechado: côvo é a pronúncia

O que me lembra o mundéu, que pode servir para caçar em terra ou na água. Deriva do Tupi munde, “tipo de armadilha”. Essa palavra designa também alguma coisa em  mau estado e prestes a ruir.

Ora, vejam só, não que a sua querida Tia Odete já se sente melhor?

Etimologia faz bem à saúde também!

Saiam bem comportadinhos como sempre.

 

Resposta:

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