Naquele dia meu avô estava resmungando contra automóveis em geral, pois o seu, com apenas um quarto de século, estava tendo problemas com o motor.
Achando graça com a situação e para o distrair um pouco, perguntei qual a origem da palavra veículo. Ele me olhou e disse:
– O melhor que tenho a fazer é lidar um pouco com palavras mesmo, para ver se me esqueço um pouco da indignação com esta traquitana. E pensar que eu a comprei zero quilômetro!
Vamos ver, então. Veículo vem do Latim vehiculum, “meio de transporte”, de vehere, “levar, carregar”. Isto, por sua vez, veio do Indo-Europeu wegh-, “ir, transportar”, que originou também o atual vagão.
Já carro vem do Latim carrum, originalmente o nome dado a um veículo de guerra celta de duas rodas, do Gaulês karros, duma base Indo-Européia kers-, “correr”.
– Quer dizer que carro e correr têm a mesma origem? Então, quando eu tiver meu carro, vou poder correr à vontade?
– Uma coisa não obriga à outra. Você vai correr só se for muito burro. Pare de asneirar e aprenda agora, já que falamos em veículos de guerra antigos, que a biga, era assim chamada por contração da palavra latina bijugus, “atrelado a dois”, onde bi- era “dois” e jugus significava “atrelamento, canga”.
– Outro dia eu vi, num filme, uma biga de quatro cavalos e…
– Você não viu isso, meu rapaz! O que aparecia ali era então uma quadriga, de quattuor, “quatro”.
– E uma com dez cavalos, querido Vô?
– Não existia, ó gracioso neto. Já não era fácil guiar uma com dois, imagine com uma tropa inteira puxando.
– Falando em filmes, e a diligência dos filmes de mocinho, de onde recebeu o nome?
– Do Latim diligentia, “cuidado, atenção”, de diligere, “valorizar muito, gostar, escolher”, formado por dis-, “fora”, mais legere, “escolher, reunir”. O nome foi dado aos veículos que se dedicavam a transportar os passageiros com atenção especial aos horários e ao conforto.
– Eram os ônibus da época?
– Sim. Aliás, aposto que você não sabe que essa palavra, omnibus em Latim, quer dizer “para todos” e se aplicou a uma espécie de transporte por carruagem que servia a todas as classes sociais, na Inglaterra, em 1832. Mais tarde ela foi aplicada aos veículos de transporte de pessoas movidos a motor e abreviada para bus por lá.
– E os veículos que andam pela água, Vô? A canoa, por exemplo?
– Essa palavra veio dos espanhóis, depois da descoberta da América. Eles a tiraram dos índios Arauaque do Haiti, que chamavam um barco simples desses de canaoua.
Aliás, barco vem do Grego bâris, “embarcação, galeote”, de origem egípcia.
E, se a gente lhe coloca uma vela para não ter que remar, recebe o nome genérico de veleiro. Este vem do Latim vela, “vela para barcos”, o plural de velum, “tecido, véu, cortina”.
Os gregos chamavam um barco de naus. Como muitas vezes as pessoas enjoavam a bordo, devido ao balançar com as ondas, esta reação foi chamada de nausia, “a doença dos navios”: é a nossa desagradável náusea.
E de naus veio o Latim navis, que gerou o nosso navio.
– E aquela coisa com dois cascos?
– Hum, se você não estiver se referindo ao Demônio, deve estar falando no catamarã. Esta palavra vem do Tâmil kattu-maram, “madeira amarrada”, de kattu, “ação de atar”, mais maram, “madeira, árvore”.
E por agora vamos parar, que vejo que está chegando o meu fiel mecânico aí. Outra hora a gente continua. Se o meu humor melhorar!