Palavra clepsidra

MARCANDO HORA

 

O famoso detetive etimológico hoje recebe, em seu escritório empoeirado do mal-encarado Ed. Éden, num bairro horrível, um grupo de clientes.

Ele percebeu que a tendência de atendimento em grupo, oferecendo descontos, tem se espalhado e vai dar uma experimentada para valer. Filiou-se a um Clube de Descontos pela Internet e hoje está colhendo os primeiros frutos.

À sua frente está um heterogêneo grupo de palavras, aparentemente sem nada em comum, exceto o fato de nomearem, todas,  algum método de marcar o tempo.

Com seu jeito de pesquisador mortalmente frio, rosto escondido pelo chapéu desabado, ele se dirige à palavra que encabeça o ansioso grupo.

– Você aí, Relógio, conte-me por que veio com suas amigas consultar? Foi porque vocês, palavras, têm um irresistível desejo de descobrir suas origens, a ponto de passarem toda uma vida poupando para verem chegar esse momento, para o que escolhem alguém com especial treinamento e qualificação, com o eu?

A palavra ficou muda. Antes que ela pudesse responder, o detetive continuou:

– Bem, no seu caso a origem é o Latim horologium, do Grego horologion, “quadrante solar para marcar o tempo”, de hora, “estação, qualquer divisão de tempo, momento, hora”. Como se sabe, a marcação do tempo com alguma precisão é coisa de poucos séculos. Por isso, nas épocas em que os deuses gregos caminhavam pelas estradas rurais atrás de ninfas bonitinhas, o nome hora era usado com tanta largueza e imprecisão.

O quadrante solar ou relógio de sol é chamado de sundial em Inglês.

Como todos sabem, sun quer dizer “sol” nesse idioma. Já dial veio do Latim dialis, “diário”, de dies, “dia”. Essa palavra parece ter sido retirada da expressão rota dialis, “roda diária”, e evoluiu para o significado de “círculo giratório”.

Quando se começou a usar o telefone, em 1879, o disco onde estavam escritos os algarismos para chamada recebeu o nome de dial. Mais tarde, quando os aparelhos de rádio começaram a ser usados, o controle de sintonia (que era um disco com os números das estações marcados, com um ponteiro) também recebeu essa denominação. Hoje a palavra já faz parte do Português.

Falando em equipamentos antigos, vejo ali uma outra palavra usada na tarefa de registrar a passagem do tempo: como vai, clepsidra? Seu nome vem do Latim clepsydra, do Grego klepsydra, literalmente “ladrão de água”.

Não, não se ofenda com sua origem: é que esses aparelhos funcionavam por meio de um furinho pelo qual saía a água de um depósito. Assim, se dizia que ele “roubava água”. Mas pode estar certa de que ninguém jamais fez alguma queixa numa Delegacia por causa disso, fique calma.

Temos aí a seu lado ampulheta, que vem do Espanhol ampulleta, “ampola pequena”, já que ela continha areia que ia se escoando entre duas ampolas de vidro comunicadas entre si.

E “ampola” deriva do Latim amphora, do G.  amphoreus, “recipiente de barro, jarra, urna”, contração de amphiphoreus, de amphi-, “de ambos os lados”, mais phoreus, “portador”, de pherein, “levar, carregar”. É uma volta grande, não é?

A ampulheta muitas vezes é representada como um atributo da Morte, simbolizando o tempo de uma vida que vai se esgotando. Bem expressivo, mesmo que arrepiante.

Ocupando um lugar discreto, temos ali Vela. Seu nome deriva do Latim vigilare, “cuidar, observar, vigiar”. Por vários séculos se usaram velas com marcas horizontais para marcar o tempo.

Tal como os demais métodos, os resultados não eram dos mais precisos.

Em épocas mais modernas se inventou o relógio de Pêndulo, que nos fita com essa cara ansiosa. Seu nome vem do Latim pendulum, “o que está pendurado”, de pendere, “pendurar”.

Uma invenção de 1735 é o Cronômetro, aparelho que marca pequenas frações de tempo, de khronos, “tempo”, mais metron, “medida”.

Recentemente surgiu o uso, em termos de relógios, das palavras Digital e Analógico, que aqui comparecem para saber também de suas origens.

A primeira se relaciona ao Latim digitus, “dedo”, e está em uso na área de computação desde poucos anos antes de 1945. Isso porque a contagem sempre teve uma relação básica com os dedos.

E a outra vem do Latim analogia, do Grego analogia, “proporção”, de ana-, “de acordo com”,  mais logos, “palavra, tratado, estudo”. Num relógio, indica que as horas são mostradas por analogia com um círculo e não através de dígitos ou algarismos.

E agora, prezadas clientes, terminou nossa sessão. Foi curta, mas as restrições de pagamento feitas pela Internet não nos permitem maior alongamento.

Se quiserem comer um bom bauru para comemorar seus novos conhecimentos, cruzem a rua e entrem ali no Bar do Garcia. Mostrem este bilhete para ele que ele lhes dará um desconto. Vale a pena, será inesquecível.

Meus melhores votos, prezadas clientes.

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