Linhas
– Vô, por que a linha de costura e a que a gente traça nas aulas de Geometria têm o mesmo nome?
O senhor esbelto, de olhos azuis e barba branca, me olhou de alto a baixo:
– Ora, porque são parecidas, seu tolo. Veja bem: essa palavra vem do Latim linea, “corda,linha, fio de linho”, de linum, “linho”.
O sentido primitivo era o de “corda fina” mesmo; lá pelo século XIV passou a ser usada para designar um traço ou marca estreita e alongada como um fio, desenhado sobre papel ou algum outro meio.
– Tá bem,mas existem tantas linhas quando a gente vai estudar…
– Claro, e é para isso que você vai à aula. Se fizer tudo direitinho, daqui a muitos anos vai saber tudo que nem eu, embora eu duvide – disseo velhote, com ar completamente sério.
– Vou chegar lá antes do que o senhor pensa, mas por ora, se o senhor pudesse me ensinar de onde vêm esses nomes, como o da linha curva,por exemplo…
– Essa palavra vem do Latim curvus, “dobrado, torcido”, de uma base Indo-Européia ker-, “encurvar, dobrar”. O que me lembra, aliás, que a palavra inglesa para “anel”, ring,tem a mesma origem.
– Aah, Vô, vai me dizer que curvo e ring, palavras tão diferentes, têm algum parentesco?
– Coisas da Etimologia, meu caro. Aquele ker- de que falei passou a khrengaz no antigo Germânico, que passou a hring no Inglês arcaico, que chegou a…
– Ring! É verdade,Vô? Puxa!
– Claro, ou você acha que estou chutando? Não preciso inventar, eu sei tudo!
– Se é assim diga por que o lugar onde se luta box se chama de ring. Nunca entendi a razão desse nome, se nem redondo é aquele tablado.
– É porque uma vez o local de luta foi redondo. Nos inícios do esporte, lutava-se no chão mesmo, as pessoas formando um círculo ou “anel” ao redor dos que trocavam socos.
– Veja só…Muito bem, e a reta?
– É do Latim rectus, “reto, direito”, do Indo-Europeu reg-, “deslocar em linha reta”, também “guiar pelo caminho direto, guiar direito”.
E já que o dia hoje é para se espantar mesmo, vou acrescentar que dessa palavra veio o Latim rex, “rei”.
– E isso por que,Vô?
– Bem, supunha-se que quem mandava num povo o fizesse de modo certo, reto, justo.
– Podia ser nessa sua época, Vô, mas pelo que se vê nos jornais, hoje o mundo mudou um pouco, né?
– Eu nasci um pouco depois dessa época, meu jovem. Mas concordo em que as esperanças deles foram um pouco infundadas. Se eles vissem o que fazem as pessoas no poder agora, inventariam uma palavra sem relação com reto.
– Certo. Deixando a política de lado, e quanto à linha tracejada?
– “Tracejar” vem do Latim tractiare, “delinear, traçar”, de tractus, “trilha, curso”, de trahere, “puxar, arrastar”.
– Hum. E quanto à linha perpendicular?
– Essa veio do Latim perpendicularis, “vertical como a linha de chumbada do pedreiro”, de perpendiculum, “linha com peso na ponta”, de perpendere, “balançar com cuidado”, formado por per-, “completamente”, mais pendere, “pendurar, sopesar”.
– Essa foi mais comprida. E que tal a linha oblíqua?
– Esta vem do Latim obliquus, “inclinado, indireto”, formado por ob-, “contra”, mais a raiz de licinus, “dobrado para cima”.
– E o segmento de linha?
– Deriva do verbo latino secare, “cortar”.
– Hah! Isso não queria dizer “secar” em Latim? Peguei o senhor num erro! – o velho me olhou com ar de desprezo:
– Muito livro o meu prezado neto há de comer antes que isso aconteça. “Secar” vem de siccare, meu senhor. E pare de tentar saber mais do que eu, que esse dia ainda não chegou!
– Baah, certo, Vô. O senhor tem razão. Agora vou ter que ir para casa.
– Qual a pressa?
– Vou estudar para um dia saber mais do que o senhor!
Ainda no corredor eu ouvia as risadas dele.