Palavra disfarce

Uma Lagartixa

Céus, que gritaria é essa? E esta correria? Nem se Satanás em pessoa se materializasse na mesa de um convento na hora do almoço se faria tamanho escândalo! O que foi?

Hein, como? Afinal, salamandra, lagartixa, lagarto ou jacaré? …Ah, aquilo ali na parede? Mas, crianças, é uma pobre lagartixinha perdida, morta de medo da gritaria e da movimentação histérica  que vocês fazem.

Muito bem, todos para os seus lugares; Ledinha, pare de pular e gritar, bem como a Leonorzinha, Valzinha e Patty; Joãozinho, afaste-se das meninas; Soneca, continue dormindo, Maria Tereza continue bonitinha e comportadinha em seu vestidinho branco, com os pezinhos cruzados por baixo da cadeira e ela não é “queridinha da fessora” coisa nenhuma, Sidneizinho, ela é civilizada, algo raro de se encontrar em certa aula, que infelizmente foi tocar logo para mim, confirmando que, se funcionar a teoria das vidas passadas, eu devo ter sido pessoa muito ruim em algum momento da História.

Olhem lá, o bichinho se acomodou no canto do teto. Deixem-no em paz e ouçam algo sobre a origem do seu nome e outros correlatos.

Inicialmente, não se trata de um jacaré, palavra que vem do Tupi yaka’re.  Segundo alguns, esse era simplesmente o nome de vários répteis deste tipo; dizem outros que queria dizer “sinuoso, com curvas”.

Não sei quem fez esse exagero, mas ouvi que a chamaram também de lagarto, que veio do Latim lacertus, “lagarto”, possivelmente do Indo-Europeu leq-, “torcer, dobrar”, o que mostra uma interessantíssima convergência conceitual de criação de palavra com o Tupi, mas é muito cedo para que eu possa explicar o que é isso.

Não é nem mesmo uma salamandra, cujo nome vem do Grego salamandra, um animal legendário que conseguia viver no fogo. Ele parece ter origem no Oriente, mas fora isso não se sabe mais sobre a palavra.

Graças a essa capacidade lendária, o trabalhador que lida com equipamentos muito quentes, como fornos, caldeiras, incêndios em poços de petróleo, etc., é chamado de salamandra, numa homenagem à duração das histórias antigas.  O nome se aplica também, em algumas regiões do país, a um fogãozinho de ferro fundido usado para aquecimento.

Salamandras são anfíbios, do Grego amphi-, “de ambos os tipos”, mais bios, “vida, modo de viver”. Isso quer dizer que seus parentes podem viver ou na água ou na terra ou em ambas.

O animalzinho que gerou tamanha baderna nesta aula é uma lagartixa, que não preciso explicar que se trata de um diminutivo de lagarto.

E este aqui é muito útil para as nossas casas. Sim, senhorinhas e senhorinhos, ele se dedica afanosamente a se alimentar dos insetos que nos incomodam, como moscas e mosquitos e – não senhor, Robertinho, morcego não é inseto – outras coisas repelentes e cheias de patas.

Já que ninguém perguntou, vou dizer que inseto  vem do Latim insectum animalis, “animal segmentado”, de insectare,  “cortar em pedaços”, de in-, “em”, mais secare, “cortar”. Podem observar que todos são como que partidos em dois ou mais segmentos.

Não, Valzinha, uma moça com a cintura muito fina e apertada pela roupa que nem a sua vizinha não é um inseto. É uma boba.

Olhem para ele ali agora. Notaram como a cor dele mudou? Ele está quase se confundindo com o tom da pintura. Isso é a sua propriedade de camuflagem, o que vem do Francês camoufler, “lograr, disfarçar, enganar”, que veio do Italiano cammuffare, aparentemente da expressão capo muffare, “tapar, cobrir a cabeça”. Provavelmente houve influência no Francês de camouflet, “baforada”, com o sentido de “jogar fumaça nos olhos de outro”.

Acho que em épocas antigas eles não tinham muito como passar o tempo, sei lá. Se bem que atualmente muitos se dediquem a inalar fumaças de várias origens.

Não, Mariazinha, eu nasci bem depois, até já existia o rádio para a gente se distrair, veja como sou moderna.

Em vez de camuflagem, podemos falar em disfarce, que não tem uma origem absolutamente certa. Parece que vem do Latim dis-, “fora”, mais farcire, “engordar um animal para abate”, daí “rechear, encher”. Como muitas roupas usadas em peças cômicas eram acolchoadas, recheadas de tecido ou palha, daí teria surgido a noção de “roupa que altera o aspecto de alguém”.   E que, no caso, serve para os predadores passarem sem ver nossa lagartixa.

Pelo menos é isso que ela quer que aconteça.

Falando em  disfarce, ao olhar certos aluninhos, não posso deixar de me lembrar que a palavra palhaço vem do Italiano pagliaccio, de paglia, “palha”, a qual era usada para encher suas roupas coloridas e deixá-las mais engraçadas.

Não entenderam minha associação de idéias? Não faz mal, deixem para lá.

E agora arrumem  suas coisas e vão para casa. E, se encontrarem por lá uma das primas da nossa amiga aqui, não se esqueçam de a tratar muito bem, pois ela é um excelente inseticida, grátis e não-tóxico.

Certo, Robertinho, quando você crescer vai fazer uma indústria para vender lagartixas em caixa, muito bem. Não, por favor, não chame o produto de “Tia Odete”, dispenso comovida essa homenagem.

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