Palavra estimado

PREZADO

 

Olhei para meu avô em seu gabinete no fundo do pátio. Sempre tínhamos muito prazer com nossos encontros. Mas nunca deixávamos o outro perceber isso.

Como se adiantasse disfarçar.

– Salve, prezado antepassado. Vim saber se ainda está vivo.

– Por um longo tempo ainda, meu descerebrado descendente. Terei vida eterna ou morrerei tentando, saiba você.

– Prezado senhor… – comecei eu  –  ei, pensando bem, de onde veio essa palavra? Tem a ver com preço? Será que eu poderia vendê-lo no mercado de escravos?

– Veja você, até uma mente disforme como a sua é capaz de acertar. Para início, duvido que alguém pudesse pagar o que valho, de modo que sua ideia para ganhar dinheiro está detonada. E depois informo que prezado vem do Latim pretiare, “dar valor, apreciar”, de pretium, “preço”, de uma raiz Indo-Europeia per-, “negociar, vender”.

Naturalmente, apreciado tem a mesma origem.

– E estimado?

– Deriva do Latim aestimare, “determinar o valor de algo, julgar, calcular”. Uma das conotações do verbo estimar hoje é a de “apreciar, ter em alta conta”. Há uma hipótese etimológica que sugere que a palavra latina veio do Indo-Europeu ais-temos-, “aquele que corta o cobre”, ou seja, que cunha moedas. Se for verdade, é bem interessante.

– Quem diria! Já que estamos no assunto, de onde vem predileto?

– Do Latim praedilectus, particípio passado do verbo praediligere, “preferir à frente dos outros”, formado por prae, “antes, à frente de”, mais diligere, “colher, escolher, recolher”, também “amar, apreciar, considerar”, uma palavra ligada às origens agriculturais da língua latina.

Dileto tem a mesma origem e significado.

Isso me faz lembrar de louvado, do Latim laudare, “elogiar”, de laus, “elogio, fama, glória”.

– No outro dia alguém disse que outra pessoa era benquista. Isso é um tipo de problema de pele?

Meu avô riu muito:

– Não, nada tem a ver com doenças. É o particípio passado de benquerer, que se forma por bem e querer.

Também se pode dizer que uma pessoa é simplesmente quista, sinônimo de querida.

– Que vem de…

– Do Latim quaerere, “tratar de obter ou saber, buscar”, no sentido de “ter bons sentimentos em relação a, gostar de”.

Temos também os adjetivos favorito e favorecido, que vêm de favor, que deriva do Latim favere, “ajudar, proteger, ser favorável a”.

– E caro, tem a ver com o preço de algo?

– Até tem. É do Latim carus, “apreciado, querido, de alto valor”, derivado do Indo-Europeu karo-, de uma raiz ka-, “amar, desejar”. Logo, estamos falando numa palavra que em mais de seis mil anos apresentou muito pouca variação.

– Nossa, deve ser legal ser caro

O velho me olhou docemente:

– Você deve saber.

E logo prosseguiu, sério:

– Conforme suas qualidades, uma pessoa pode também ser adorada, do Latim adorare, “pedir orando, rezar”, de ad, “a, para”, mais orare, “rezar”, derivada de os, “boca”.

– O senhor está me enrolando. Uma vez me disse que os queria dizer “osso”.

– Extraordinário! Parece que pelo menos uma vez meu caro neto aprendeu alguma coisa com este pobre idoso que tanto se sacrifica pela sua cultura deficiente! Parabéns.

E agora lhe explico que os era usada em Latim para dizer tanto “boca” como “osso”, como sujeito da frase. Para evitar confusão, passaram a usar para designar a abertura facial a palavra bucca, que originalmente designava “bochecha”.

– Espertos, eles.

– Mais do que muita gente de hoje. O que me faz pensar em eleito, do mesmo legere de que falei há pouco. Muitas vezes a gente tem um eleito em seu coração mas não conta para não despertar vaidades.

Quando esse eleito ainda é pequeno, pode ser chamado de mimoso, que parece provir do Italiano mimmo, pronúncia alterada de bimbo, “menino”. Existe também a hipótese de que venha do Latim minimus, “pequeno”.

Assim sendo, não assino embaixo dessa origem.

preferido é do Latim praeferre, “colocar ou levar à frente”, de prae mais ferre, “levar, portar, carregar”.

E antes que eu me esqueça, venerado é um adjetivo que qualquer pessoa que me conheça deveria empregar em relação a mim. Vem do Latim venerari, “adorar, reverenciar”, de Venus, a deusa cujo nome queria dizer “amor, beleza, encanto”, de uma base Indo-Europeia wen-, “querer, desejar, satisfazer-se, ir atrás”.

– Modesto, esse meu avô.

– Apenas realista, meu caro. Colho a ocasião para dar a origem de amado, que é amar, do Latim amor, “amor”, que deriva de uma base Indo-Europeia am-, que participou também da formação de “Mãe”.

E valido vem de valere, que vem do Latim valere, “estar bem, estar forte, ter valor”.

E para terminar, aposto que você não conhece a palavrinha benjamim.

– Claro, é o nome do pai de um colega meu.

– Não, seu tolo; esse é o substantivo próprio, o nome dele. Quando usado como substantivo comum quer dizer “o filho mais novo, o predileto, o protegido”.

– E essa agora?

– Vem do nome bíblico Hebraico binyamin, “filho da mão direita”, originalmente “filho do sul” e, como tal, o preferido. Era o nome do último filho de Jacó, do Velho Testamento.

Perceba como nossa linguagem tem palavras para se referir a pessoas que merecem o nosso amor. E agora vá saindo que ainda tenho coisa para fazer.

Despedi-me e saí rápido. Não queria que ele visse meus olhos que teimavam em ficar úmidos. E sei que ele estava na mesma situação.

 

Resposta:

Coisas Boas

A gente vê tanta coisa ruim no mundo… maldades, safadezas, roubo, mentiras, traições, corrupção – enfim, uma lista enorme. E as coisas boas? Elas existem, sim, e cada uma delas tem um nome. E justamente a origem destes nomes é que vamos perscrutar agora.

BOM – vem do Latim bonus. Daí derivaram bondade, “a qualidade do é bom, do que traz benefícios”. Também bonificação e bônus, “prêmio por bom desempenho ou por sorteio”. Outra descendente é bonomia, “atitude de quem é bondoso”.

MELHOR – é o comparativo de bom. Para cotejar duas coisas boas, dizemos que “esta é boa, aquela é melhor“.

Esta palavra tem uma raiz que não é a mesma de bom, daí a diferença na forma.

Melhor deriva de uma palavra latina melior, que queria dizer “mais forte”, com a mesma origem do Grego mala, “muito mais”.

ÓTIMO – vem do Latim optimus, “o melhor”, provavelmente de ob-, “à frente”, mais o sufixo superlativo -tumos. O que estava “muito à frente” dos outros tinha que ser de longe o melhor.

Sendo o superlativo de bom, indica que não há o que o supere. Portanto, não se pode dizer “aquele é mais ótimo”, “que ótimo”, “muito ótimo”, “otimíssimo”. Ótimo é o melhor de todos e pronto.

BEM – do Latim bene, “bem, de modo adequado, de modo feliz”. Tem a mesma origem que bom.

Entre seus derivados se encontram benfazejo, “aquele que faz o bem”, de bene mais facere, “fazer”; beneplácito, “aprovação, consentimento”, de bene mais placet, “agrada”, benefício, “auxílio, vantagem concedida”, de bene mais facere, “fazer”.

Mas note-se que o comparativo melhor serve só para bom, não para bem. Deve-se dizer “Isto está bem feito, aquilo está mais bem feito ainda”. Seria um erro dizer “aquilo está melhor feito”.

Em resumo, bem não tem comparativo sintético (ou seja, em uma palavra só).

EXCELENTE – do Latim excellens, “o que está no alto, o que se destaca”, por extensão “o que é muito bom”. Tal palavra vem do verbo excellere, “subir, ser colocado no alto”, formado por ex-, “fora, sobre” e cellere, “subir”. A base Indo-Européia é kel-, “elevar”.

A frase Gloria in Excelsis Deo quer dizer “Glória a Deus nas Alturas“.

Excelsior é “o mais alto”.

Daí o tratamento “Vossa Excelência”.

SUPERIOR- vem do Latim super, “acima”, que deu o comparativo superus, “mais acima”. E superior era “o mais alto de todos”.

Nosso conhecido Superman recebeu este nome porque tinha qualidades que o colocavam acima dos seres humanos comuns.

SUPERLATIVO – em Latim, superlatus queria dizer “exagerado” e era formado pelo super que vimos acima e tlat-, derivado de tollere, “tirar, levar embora” como se alguém retirasse o bom senso do processo de uma avaliação.

SOBERBO – vem do Latim superbus, “sensacional, suntuoso, orgulhoso”. Entram em sua formação a palavra super e um segundo elemento que deve derivar do Indo-Europeu bhe-, “ser”.

Observe-se que, em Português, temos essa palavra tanto com a conotação positiva de “grandioso, de alto valor, muito bem feito”, quanto com a negativa de “arrogante, indevidamente orgulhoso”.

A soberba é um dos maiores defeitos que se pode encontrar.

AUGUSTO – mas isto não é nome próprio? Quando começou a sua história, não era. Tratava-se de um adjetivo que queria dizer “respeitável, sagrado”, provavelmente originado da expressão “consagrado pelos áugures”.

Áugures eram sacerdotes romanos que definiam as melhores ocasiões para diversas atividades, como as guerras, colheitas, etc. Seu título vem de augere, “subir, elevar, fazer crescer”.

Em Português usamos a palavra auge para dizer “o ponto mais alto, o clímax”.

O título Augusto foi dado ao imperador romano Octavianus em 26 AC e passou a ser título dos demais imperadores.

Em sua homenagem o nome foi dado ao que então era o sexto mês do calendário romano, o sextilis, que para nós é o oitavo mês e que denominamos de agosto.

MARAVILHOSO – em Latim, mirabilius era “extraordinário, espantoso, maravilhoso”. Tal palavra vem de mirus, “assombroso, supreendente”.

Existe, na constelação da Baleia, uma estrela chamada Mira Ceti, “a maravilha da Baleia”, por ser uma variável cuja intensidade luminosa muda de forma distinguível a olho nu num período de poucos dias.

MIRÍFICO – é um sinônimo da anterior, com plena validade mas hoje de raro uso. Por isso, se um rapaz quiser dizer à namorada que os olhos dela são “miríficos”, talvez convenha explicar antes de que se trata.

ADMIRÁVEL – tem a mesma origem das duas anteriores: ad-, “junto, para” e mirus. Portanto, na origem, esta palavra não obrigatoriamente se referia a coisas positivas. O uso atual, no entanto, a impôs para fatos bons. Fica estranho dizer que houve um incêndio admirável, um roubo admirável.

MAGNÍFICO – em Roma, magnificus era “aquele que faz grandes obras”, de magnus, “grande”, e facere, “levar a efeito, fazer”.

Daí que alguns soberanos receberam o apodo de O Magnífico. Podiam ter sido umas pestes, mas se tivessem realizado obras de valor, estariam aptos a receber esta honra.

ESPLÊNDIDO – deriva do Latim splendere, “brilhar”. Dessa mesma palavra nos veio esplendor. Corretos sinônimos são as palavras resplendor e resplandor.

ESTIMADO – em Roma, aestimare era “determinar o valor de algo, julgar, calcular”. Uma das conotações do verbo estimar hoje é a de “apreciar, ter em alta conta”.

SENSACIONAL – do verbo sentire, “sentir” se fez sensatus, “aquele que é capaz de sentir”. Lá pelo século 18, a palavra sensação passou a ser usada também com a conotação de “trazer espanto ou choque ao grupo ou à comunidade”. Tal espanto pode ser causado também pela extensão das boas qualidades, e o passar do tempo levou essa palavra a ter apenas o atual sentido positivo, elogioso.

XPTO – até há umas décadas, estas letras misteriosas queriam dizer que alguma coisa era da melhor qualidade. Dá-se como certo que esta sigla se originou na época em que o Cristianismo era perseguido, o que tornava perigoso escrever Cristo por extenso.

Os cristãos então passaram a usar quatro letras da palavra em grego: “chi”, representado por um “X” maiúsculo; “rô”, cuja maiúscula é igual a um “P”; “tau”, um “T” mesmo e “ômicron”, um “O”.

Assim, a interpretação das letras em alfabeto latino resultou em algo bem diferente do original.

Conta-se que, pelos fins do século XVIII, um fabricante de vinhos de Portugal estava à procura de uma boa marca para seu produto. Um padre seu conhecido sugeriu essas letras, chamadas tetragrammaton, “quatro letras”. Como o vinho era de excelente qualidade, as letras passaram a nomear tudo o que fosse bom.

Agora isso já passou, mas que teve voga, teve.

Resposta:

Origem Da Palavra