Ex-
O corajosíssimo detetive etimológico X-8 está sentado, intrépido, atrás de sua escrivaninha. Bravamente equilibrado sobre sua cadeira guenza giratória de imitação barata de couro branco com braços de madeira roída de cupins, ele encara sem temor a porta do seu escritório.
Ele sabe que por ali passará, em poucos minutos, mais uma palavra cliente, que marcou hora para saber suas origens. E que vai pagar uma bela grana por isso, que afinal um detetive precisa viver, não é mesmo?
Ele precisa recuperar todos os gastos que teve na Faculdade de Etimologia, as despesas para equipar seu consultório decorado à Anos Cinqüenta tão bem que passa apenas por desleixado, pobre e sujo.
Esta é uma situação de que ele gosta: saber antecipadamente qual é a palavra que vai consultar lhe permite estudar o caso e responder como se soubesse tudo de antemão. Isso impressiona muito bem as palavras, que acham que são tão importantes que ele sabe sua origem na ponta da língua.
Tão humanas, essas palavras…
Mas ei-la que chega. Miudinha, tanto que ninguém imaginaria que fosse tão importante nos idiomas derivados do Latim em geral.
Trata-se de EX-, que se senta na cadeira à frente da enorme escrivaninha e olha com calma para a sumidade. A qual fala, com tom autoritário e severo, como lhe convém:
– Muito bem, ex-. Do tracinho que porta atrás de si, como um rabo, se vê que você não é uma palavra propriamente, e sim um prefixo. Ou seja, um grupo de letras que é colocado antes de uma palavra para lhe conferir uma alteração de sentido.
Prefixo vem do Latim praefixus, particípio passado de praefigere, “colocar ou espetar na extremidade”, formado por prae-, “antes, na ponta”, mais figere, “fincar, transfixar, colocar”.
Mas deixemos isso para lá; não é tão importante para você, tanto que nem vou cobrar nada por isso.
Como? Ah, você muitas vezes é usada como palavra, para designar, por exemplo, alguém que pertence a uma relação terminada. “O meu ex”, “A ex dele…” Certo, esse uso está se espalhando e em breve estará aceito como palavra mesmo. Mas se trata de um encurtamento da expressão ex-marido, ex-etcétera.
Sua grande função está em trazer às palavras atuais o significado que começou com seu remoto antepassado Indo-Europeu eghs-, “fora”. Em Grego, se dizia ex- ou ek-. Em Latim, ex- mesmo.
Você faz parte de mais de 1500 palavras atualmente em nosso idioma. Dentre elas, três quartos são de origem latina, o resto vem do Grego.
Nos dias que correm, juntando-se a outra palavra, você pode lhe acrescentar a idéia de “fora”, “para cima”, “completamente”, “sem”, “antigo”.
Podemos ver alguns exemplos, como exagerar. Esta palavra vem do Latim exaggerare, “aumentar, amplificar, engrandecer” e se forma por ex-, com o sentido de “completamente, por inteiro”, mais aggerere, “levar para, trazer junto”, por sua vez formada por ad-, “a”, mais gerere, “levar, carregar”.
Muita fama por aí não passa de exagero, todos sabem disso.
Você também entra em exaltar. Esta se forma por ex- e o Latim altus, “alto”. Exaltar alguém é colocar essa pessoa numa posição acima do comum.
E exceder? Vem de ex-, “fora”, com o Latim cedere, “ir, deslocar-se”. Ficou com o sentido de “ir além, partir à frente”.
Podemos falar também em excitar, de ex-, mais citare, relacionado a ciere, “colocar em movimento, chamar, convidar, dar desejo”.
Este ciere vem do Indo-Europeu kei-, “mover para frente e para trás”. Como se vê, tudo a ver.
O ato de lhe explicar estas coisas também é um seu composto: é de ex-, “fora”, mais plicare, “dobrar”. Quando a gente explica bem algo, é como se desdobrasse algo que está enrolado, amassado, retorcido de modo a que não se possa perceber de que se trata.
Quando as pessoas resolvem aproveitar as férias e partem numa excursão, estão usando ex- como “fora” e o Latim currere, “correr”. Claro que nem todas as excursões implicam em corrida. Só aquelas viagens à Europa, por exemplo, em que se diz que “se hoje é terça-feira então estamos na Suíça”.
Por um pequeno extra posso lhe dar muitos exemplos mais… Ah, trouxe o dinheiro contado? Hum, deixe ver… Não, lamento muito, mas a legislação da Corporação Etimológica não permite dar crédito nem atender fiado. Faça o seguinte: quando conseguir mais uma graninha ligue, que a gente marca uma consulta para ir adiante neste assunto de tamanha importância para você.
Já pensou, passar por uma descendente sua e não a reconhecer? Quer levar a fama de que “a Vovó está gagá”? Aguardo seu telefonema.