Palavra fartel

Fars-

X-8, O Detetive Etimológico, espera pacientemente sentado atrás de sua escrivaninha. Ao redor, seu escritório Anos Cinquenta, todo em preto e branco, empoeirado e com teias de aranha cuidadosamente colocadas em pontos estratégicos.

Ele sabia que isso encantava as palavras que iam consultar com ele para saberem suas origens. Todas elas são louquinhas por descobrir de onde vieram. E fazer isso através de um profissional da época de ouro das histórias de detetive era o máximo. Dava um enorme status entre elas.

Finalmente chega a palavra-cliente que estava marcada para esta noite. Meio arredia por ter passado por tanto lixo nas escadas e corredores do Ed. Éden, ela se senta em frente a X-8, que cumprimenta com a voz fria e profissional que tanto treinou na frente do espelho.

-Boa noite. Vejo que você é fars-.  Esse tracinho que usa no fim indica que se trata de um antepositivo, um conjunto de letras que não existe por si só mas que é usado para formar palavras. E quantas delas você gerou!

Vejamos: sua origem é o verbo latino farcire, inicialmente “engordar animais para abate”, por extensão “rechear, encher, locupletar”. Não há certeza, mas pode haver uma relação entre esse verbo e a palavra frequens, “apinhado, amontoado, cheio”.

Entre suas descendentes posso citar farto, o que a gente diz quando se encheu de comida e não pode engolir nem mais uma garfada, ou quando está cheio de ouvir o pagode alheio ou os resmungos da chefia no trabalho.

Outra derivada, a fartura designa a abastança em algum sentido, seja em dinheiro, seja em materiais, alimentos, condições para a agricultura, etc. Existe até a expressão “comeu à farta”.

A par de designarem coisas boas, suas descendentes falam de algumas assustadoras, como  o infarto, de in-, “em”, mais fartus, ou seja, “colocar em, encher”. Em Medicina esse termo se usa para a ocorrência de uma obstrução numa artéria. Muito conhecido é o infarto do miocárdio, mas um infarto pode ocorrer em qualquer órgão, não apenas no coração.

Há outra palavra que indica doença relacionada a você: é o farcino, moléstia eqüina que pode se transmitir ao homem, espécie de sarna, do Latim farciminum.

Em outras áreas, temos também a farsa, que inicialmente designava uma peça teatral cômica, breve, apresentando muitas vezes situações ridículas. Ela era apresentada antes ou entre representações religiosas medievais e foi comprada ao recheio que era colocado nas aves pelo cozinheiro.

Daí derivou o sentido figurado de farsa como “embuste, mentira, ato fingido, representação para induzir a um engano”.  E farsante é aquele que a pratica. Para nossa vergonha, existem muitos deles na classe dos políticos, mas vamos deixar isso para lá.

Em algumas partes do nosso país pode-se usar tanto farsola como farsudo para designar um sujeito fanfarrão, galhofeiro, fingido.

Na Culinária, existe mais de um tipo de doce chamado fartel, assim chamados porque se apresentam como uma pasta, apropriada para ser usada em recheios.

No cardápio de um restaurante chique, ninguém se deve assustar ao ver escrito poulet farci; isto quer dizer apenas “frango recheado”.  Mas se o bicho é farci, em vez de apenas “recheado”, dá para cobrar mais, né?

Uma palavra pouco usada atualmente, mas correta, é referto, que designa algo volumoso, cheio, abundante. Pode-se dizer da esposa gordinha de um amigo, em tom elogioso, que ela é referta. Como ninguém conhece o termo, vai passar por elogio, sem se ter faltado à verdade.

Falando em vocábulos descendentes seus pouco conhecidos, temos também confertifloro, usado para designar plantas que produzem flores muito agrupadas, formando montes densos.

E assim são as coisas em termos de sua descendência, fart-. Vou aceitar agora meus honorários e aguardar que você mande suas amigas e colegas para saberem de aspectos emocionantes de suas ascendências. Até logo.

Resposta:

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