Palavra fatia

PEDAÇOS

 

– Olá, Vô! Estou chegando da cozinha com uma fatia de bolo que a Vó recém tirou do forno.

– Ora vejam, meu neto colaborando com minha manutenção geral. Muito obrigado pela lembrança. Enquanto espero que ela esfrie e você vai devorando a sua mesmo enquanto está escaldante…

– Já sei, vai me contar sobre a origem dessa palavra.

– Essa e outras. Fatia, pelo que sei, vem do Árabe fitatâ, “migalha, pedaço de alimento”. Bocado, “porção de alimento que cabe na boca”, deriva de boca, evidentemente.

– E pedaço?

– Essa vem do Latim pitaccium, do Grego pettákion, “retalho, fragmento de pano ou de couro”.

parte deriva do Latim pars, “parte, porção”, relacionato a portio, “porção”, de um tema Indo-Europeu –per, “designar, repartir”.

Aliás, porção é mais um sinônimo de pedaço.

– Ué, Vô, isso não significa “quantidade grande” de alguma coisa? Tenho uma professora que vive dizendo que “uma porção de alunos vai se dar mal na prova”…

– Se ela diz, provavelmente está certa, o que significa que quero o senhor estudando muito, viu, mocinho? Mas, além disso, porção também quer dizer “pedaço, parte que toca a cada um”.

– Mudando de assunto, e quando alguma coisa lança um fragmento?

– Esta é do Latim fragmentum, “remanescente, pedaço de coisa quebrada”, do verbo frangere, “quebrar”. Deste verbo derivaram também frágil, “material que pode se quebrar, que se parte com facilidade”.

Nossa palavra fração é outra descendente, de fractio, “aquilo que é partido em pedaços”

– E frango não veio daí, não?

– Pois há quem pense assim, seu metido a comediante. Na verdade, essa origem não está definida, mas alguns sugerem que o nome da galinha adolescente tenha vindo de frangere devido à maior delicadeza de seus ossos e carne, o que permite preparar pratos com mais facilidade.

– Ah, puxa…

– Falando em fragmento, vem-me à cabeça uma palavra que tem quase o mesmo significado: estilhaço, que vem de estilha. Que, por sua vez, veio do Latim astella, uma variante de astula, “fragmento, pedaço”.

E agora me ocorre lasca, que parece vir do Germânico laska, “pedaço, fragmento”.

E existe também o naco, “pedaço grande de algo, fatia”. Este parece vir do Espanhol añicos, “pedaços”, do Árabe an-niqd, “o que é descartado, o que é quebrado”.

Mas partes e pedaços não são só de objetos físicos. Podem ser, por exemplo, componentes de uma extensão, como um trecho de caminho, de música, de leitura. Este nos veio do Espanhol trecho, do Latim tractus, “trazido, retirado”, já que designa uma parte retirada de algo inteiro.

Falando em leitura, podemos lidar com excerto, “passagem retirada de um livro ou música”, do Latim excerptus, particípio passado de excerpere, “retirar, colher”, formada por ex-, “para fora”, mais carpere, “colher, retirar de”.

– E porque eles não diziam excarpere em vez de excerpere? Acho que eu sou mais inteligente do que esses romanos.

– Parece mais intrometido, isso sim. Ocorre que cerpere é a forma combinante desse verbo; quando ele vai fazer parte de outra palavra ele muda um pouco a sua roupagem.

De qualquer forma, isso  nos leva a uma frase latina muito famosa: Carpe diem, quam minimum credula postero.

– Ei, já ouvi algo assim!

– Certo. Ela quer dizer “aproveita o dia, acreditando o menos possível no futuro”. Com as duas primeiras palavras o autor, Horácio, queria dizer “aproveita, colhe, desfruta o dia presente”. Nem todos sabem fazer isso.

– O senhor parece que ficou meio triste, Vô?  –  eu disse, preocupado ao ver sua expressão.

Ele sacudiu alguns pensamentos para longe e prosseguiu:

– Não é nada que uma companhia como a sua não faça esquecer. Na verdade eu estava tratando de relembrar que esse carpe é parente do Grego karpós, “fruto”.

Seguindo, vamos lembrar que extrato, aquilo que tira no banco para saber o mau estado de nossos depósitos,  vem do Latim extractus, “o que é retirado”, particípio passado de extrahere, “retirar, trazer para fora”, de ex-, “para fora”, mais trahere, “puxar, arrastar”.

Temos também o termo segmento, que vem do Latim secare, “cortar”. Um segmento é algo que foi cortado fora de algo maior, como de uma reta em Geometria, por exemplo.

Mas chega de aprender tanto, que o seu cerebrozinho pouco usado pode ter algum espasmo. Vá à cozinha e traga mais uns pedaços de coisa boa para a gente.

 

Resposta:

Perseguição das palavras

Amigos, muitas palavras têm me alfinetado e me deixado inquieta. Há remédio para o meu mal?
Digam-me: quais as origens de: PARLENDA, SOMENOS, GUETO, AMAZONA, PEDAÇO, FATIA ( como sou uma aluna aplicada, sei que me responderão a sétima) e AGOURO?
Estão servidos de cheesecake?

Resposta:

O remédio para o seu mal é renunciar a todas as suas possessões terrenas em nome do pessoal aqui da Redação e acompanhar diariamente este site.

Em menos de 20 anos você estará curada.

1) De “parlanda”, com o mesmo significado de “vozerio, conversa fútil”, de “parolar”, idem, do Italiano PAROLARE, de PAROLA, “palavra”, cuja origem está na lista.

2) De “sob” + “menos”.

3) Do Italiano GHETTO, “parte da cidade à qual os judeus ficavam restritos”. A explicação para o Italiano compreende tantas hipóteses que não vale a pena olhar, pois não se chega a um consenso.

4) Olhe “amazonas” na Lista.

5) Do Latim PITACCIUM, do Grego PETTÁKION, “fragmento de pano ou de couro”.

6) Árabe, FITATÂ, “pedaço, migalha”.

Vamos aceitar a fatia de cheesecake, muito obrigados. Amanhã a gente lhe entrega o pratinho lavado juntamente com a resposta que falta.

Se desobedecermos nossas próprias regras, com que cara vamos ficar?

7) Do L. AUGURIUM, “arte da adivinhação e interpretação de sinais”, talvez do verbo AUGERE, “fazer crescer, aumentar”, a crer na hipótese de que originalmente se tratava de uma cerimônia para fazer crescerem as colheitas.

Origem Da Palavra