IMAGINAÇÃO
O Detetive das Palavras, X-8, está sentado no trono imperial. À sua frente se desenvolve um espetáculo de circo.
Ele começa por um show de pessoas com dotes especiais. Inicialmente, temos Hans Poraquê, o Alemão Elétrico. Ele coloca uma mão ao lado de cada orelha de um voluntário e o faz tomar reverendo choque.
O público aplaude. O voluntário não acha graça.
Depois vem Ogivo Medeiros, o qual tem uma cabeça bicuda que usa para se atirar do alto de uma escada no chão e ficar ali fincado, sacudindo as pernas finas, até que um par de palhaços o retire de tão desairosa posição.
O público aplaude pouco.
Então se apresenta Arigatô da Silva, o nissei que agradece interminavelmente, fazendo curvaturas até o público ficar nauseado.
O público vomita.
Até agora não se trata de um espetáculo assim, digamos, dos mais sensacionais, pensa X-8, começando a ser invadido pelo tédio.
Nesse momento se aproxima dele um mensageiro de cabelos longos vestido no estilo mesopotâmico da época de Nabucodonosor, ajoelha-se e lhe estende respeitosamente um pequeno rolo de pergaminho.
Intrigado, X-8 abre o rolo e lê: “Mande raspar a minha cabeça”.
Para movimentar um pouco as coisas, ele estala o dedo e mostra o pergaminho para um assistente vestido em roxo e dourado.
Este bate palmas e passa o rolo para o seu próprio assistente, vestido em roxo. Este faz o mesmo com o seu assistente de roupa vermelha e, depois de passar por meia dúzia de funcionários vestidos de forma decrescentemente colorida, surge o barbeiro imperial e passa cuidadosamente uma espuma e depois a navalha no escalpo do recém-chegado.
Este se aproxima do trono onde está X-8 e se ajoelha, mostrando que tem uma mensagem tatuada no couro cabeludo. O detetive se aproxima e lê:
Pizzas do Garcia, as melhores. Não perca nunca nossas ofertas de fatias semi-usadas!
Esta mensagem se autodestruirá em cinco segundos.
Mal dá tempo para se afastar e o mensageiro é consumido num turbilhão de chamas, deixando apenas cinzas e uns poucos ossos em seu lugar.
O detetive, horrorizado com a cena, olha ao redor.
Como assim? Não se encontra mais no trono de um salão imperial, está é na boa e velha pizzaria do Porco Garcia, com certeza a melhor do bairro. Pelo menos porque é a única.
X-8 começa a pensar com os seus botões, que pelo menos são ótimos ouvintes:
– Lá estou eu me deixando levar pela imaginação de novo. Esta palavra vem do Latim imaginari, “formar uma imagem mental de algo”, derivado de imago, “imagem, representação”, da mesma raiz de imitari, “copiar, fazer semelhante”, de imago, “aspecto, forma, aparência”.
Essa capacidade de bolar bobagens me faz sonhar, do Latim somnium, de mesmo significado.
Às vezes o que vejo é um desatino, de des- mais atinar, “descobrir, perceber, notar”. E este vem de tino, “discernimento, sagacidade”, de origem discutida.
Essas imagens podem também ser chamadas de ilusão, do Latim iillusio, que os romanos inicialmente usavam para dizer “ironia” e se forma por in-, “em”, mais ludere, de ludus, “jogo, brincadeira”.
Mas não passam de visões, do Latim visio, “ato de ver, objeto visto”, de vedere, “ver, enxergar”, de uma raiz Indo-Europeia weid-, “conhecer, ver”.
Podem ser chamadas também de devaneios, do Espanhol devaneo, de de + vaneo, “vão”, que vem do Latim vanus, “vazio, fútil, oco”.
As imagens são muito realistas, embora absurdas. E esta vem do Latim absurdus, “desafinado, fora de tom, dissonante”, de ab, intensificativo, mais surdus. E esta deriva de surdus, “o que não ouve, pouco inteligente, surdo”.
É a partir de fantasias assim que se formam muitas lendas e mitos.
Colho a oportunidade de lembrar a mim mesmo que essa palavra vem do Grego phos, “luz”, através do verbo phaínein, “fazer aparecer”, pois o que mostra iluminado aparece, se faz notar.
E, já que citei, lenda veio do Latim legenda, literalmente “a serem lidos”, de legere, “ler”. Isso porque nos mosteiros medievais, narrativas sobre as vidas dos mártires e dos santos eram lidas perante todos em certos momentos, como às refeições.
Como o exagero e um desejo pelo maravilhoso predominavam nessas histórias, a palavra acabou tendo o significado de “mito, história fabulosa, narrativa tradicional”, em boa parte desprovida de verdade.
E mito vem do Grego mythós, que tinha vários significados: “discurso, mensagem palavra, assunto, invenção, lenda, relato imaginário”.
Enfim, dá para ver que minha mente privilegiada se dedica espontaneamente à ficção.
Esta vem do Latim fingere, originalmente “covardia”. Como é comum que uma pessoa covarde, para obter o que deseja, simule algo que não sente ou que não é, esta palavra acabou designando o ato de “fingir”.
Seja como for, parece-me que está na hora de me cuidar mais, antes que as pessoas ao redor comecem a estranhar.
Bem, o que resta de momento é me dedicar a esta saborosa e insalubre pizza com ingredientes misteriosos que o Garcia está me servindo.