Palavra mágico

TIA ODETE NO PARQUE DE DIVERSÕES

 

Boa tarde, cavalheiro que se dedica ao pequeno comércio de grãos de milho estourados por meio do calor e entregues aos clientes em pequenos sacos de papel. Sim, eu sei que o senhor é o pipoqueiro, guardei para dizer isso ao lhe explicar a origem de tão sonora palavra. Pipoca vem do Tupi pi’poka, de pira, “pele”, mais pok, “estourar, arrebentar”.

Mas além disso eu ia lhe perguntar se este aqui é o Parque de Diversões recentemente instalado aqui em nossa cidadezinha. Sim, sim, estou enxergando o enorme cartaz onde isso está escrito bem acima de nossas cabeças. Mas a pergunta era apenas retórica, servia para lhe contar a origem desses termos.

Parque veio do Francês parc, “reserva fechada para guarda de animais destinados à caça”, derivado do Germânico parruk, “área cercada”. E diversão vem do Latim divertere,”voltar-se em outra direção”, formado por di-, des-, “ao lado”, mais vertere, “virar-se, voltar-se”. A idéia aqui foi a de “voltar a cabeça” para outro lado que não sejam as preocupações.

Coisa que eu me dedicaria a fazer constantemente, não fosse ter-me cabido o grupo mais insalubre de aluninhos que algum dia coube a uma professora.

Mas enquanto o senhor se delicia interiormente com essas informações, vou seguir minha visita a tão interessante estabelecimento.

Ora, vejam o que temos aqui. Este é o carrossel, não, senhor cuidador? E por acaso o senhor sabia que esse nome não vem de carro, por incrível que pareça?

Ele tem uma história estranha. Origina-se no século 16, de um torneio que era feito em Nápoles, chamado carusello.  Ele consistia em os participantes jogarem bolas de lama uns nos outros. Parece que eles achavam muito engraçado fazer isso.

Carusello era o diminutivo de caruso, “cabeça de criança” na linguagem local, e designava as tais bolas de lama.

Vejo espanto e admiração em sua face; certamente é porque está querendo saber o por quê de caruso. Ora, este vem de cara, palavra que era usada em certos pontos da Itália para dizer “cabeça”.

Que bonitos os cavalinhos que levam as crianças e até marmanjos em seus coloridos lombos para cima e para baixo, numa distração que francamente me soa um pouco disparatada!

O senhor sabia que, em Latim, caballus era o nome dado apenas ao cavalo de carga? Os cavalarianos de Roma não montavam um caballus, montavam um equus, animal mais adequado para tarefas militares.

Deixando-o encantado com o novo conhecimento adquirido, aproximo-me do senhor que gerencia a montanha-russa. Bom homem, aposto que o senhor não adivinha por que essa gigantesca estrutura onde as pessoas pagam para andar e se arriscar a ter um infarto se chama assim.

Pois é porque foi inventada na Rússia. Há séculos o pessoal de lá fazia rampas altas de neve e se punham a deslizar por elas sentados em blocos de gelo cobertos de palha. Com esses métodos meio precários e falta de controle, naturalmente a coisa nem sempre acabava bem, com acidentes sérios a toda hora.

Mas isso não impediu de serem feitas cópias da ideia usando trilhos e carros com rodas pelo mundo afora. O curioso é que parece que, na Rússia, o brinquedo é chamado de “montanha americana”.

Cabe dizer que montanha vem do Latim montaneus, “relativo a uma elevação”, de mons, “montanha”. E que Rússia vem do nome de um povo, os Rus,  que habitava certas regiões do país lá pelo início da Idade Média e que eram provavelmente de origem escandinava.

Cavalheiro do tiro-ao-alvo, boa tarde. Mesmo sem que o senhor pergunte, desde já vou informando que tiro vem do Latim tirare, “atirar, lançar” e que alvo vem do mesmo idioma, de albus, “branco”, pois esta era a cor do centro dos círculos marcados num objeto usado para adestramento em arco e flecha.

Ah, senhora cartomante, muito prazer. Talvez as cartas não lhe revelem que o nome de sua profissão vem de carta, do Latim charta, “folha de papel”, inicialmente “folha de papiro”, mais o Grego manteia, “adivinhação”.

Naturalmente que a tal carta aqui é a do baralho, não a que leva mensagens. Infelizmente o mundo está cheio de gente que acredita mais no que as cartas alegadamente dizem do que no trabalho e no estudo.

Antes que a senhora expresse sua indignação pela dura verdade que acabo de expressar, passo à tenda do mágico, que aqui está de traje escuro, gravata preta, cartola e ar mefistofélico, como convém a um profissional do ramo.

Tal nome vem do Grego magikós, “relativo à magia”, de magos, “membro de uma categoria sacerdotal”, derivado do Persa magush, “sacerdotes que interpretavam sonhos”. Sim, os Reis Magos que teriam visitado o Menino Jesus não eram reis, eram religiosos.

E entre o pessoal que anda por aqui vemos numerosos palhaços. Com suas roupas berrantes e trejeitos que se pretendem engraçados, sua origem é o Italiano pagliaccio, de paglia, “palha”, a qual era usada para encher suas roupas coloridas e deixá-las mais alegres.

Bem, pelo menos eles achavam. Lembremo-nos, no entanto, que eles começaram a se apresentar numa época em que a vida era parca em distrações. Nem televisão existia ainda! Dá para imaginar?

E olhe aqui, o vendedor de algodão-de-açúcar. Lembro-me de quando era criança e meu pai me dava uma porção dessa substância que faz a alegria dos dentistas. Algodão vem do Árabe al-qutn, “algodão”, provavelmente de origem egípcia. E açúcar é do Latim succarum, do Árabe sukkar, do Persa shakar, do Sânscrito sharkara, originalmente “pedra moída, brita”.

Destarte, não é de admirar que consumir uma boa porção dele faça as línguas dos incautos sangrarem.

E, por todo canto, crianças. Essa palavrinha vem do Latim creare, “produzir, erguer”, relacionado a crescere, “crescer, aumentar”, do Indo-Europeu ker-, “crescer”. Aliás, para quem não sabe, meu nome é Odete Sinclair, sou professora de Etimologia num Maternal de destaque em nossa cidade, onde comparece toda espécie de demoninho de pouca idade. Eles só se acalmam quando lhes conto quais as origens das palavras em geral, o que me deixou com o hábito de explicar Etimologia para quem quer que cruze pela minha frente.

Despeço-me agora dos circunstantes, cujo ar aparvalhado me deixa em dúvida sobre a eficiência de minhas lições tão generosa e altruisticamente dispensadas.

 

Resposta:

CIRCO

 

Atualmente o circo está perdendo, em nosso país, para atrações tecnológicas de diversos tipos. Mas já houve época em que as crianças sonhavam com ir a um local tão maravilhoso, cheio de atrações exóticas, ruído, aglomeração de pessoas, cheiro de pipoca…

Vamos ver a origem das palavras relacionadas a ele.

CIRCO – vem do Latim CIRCUS, “anel” (que se aplicava também às arenas redondas para esportes e lutas), que vinha do Grego KYKLOS, “círculo ou sua forma, movimento ao redor de, eventos que se repetem com regularidade”, do Indo-Europeu ker-, “torcer”.

Os romanos tinham o seu Circus Maximus, ou seja, “a arena maior”, o que hoje chamamos de Coliseu.

Este nome, aliás, vem de colossus, do Grego kolossos, “estátua gigantesca”, de origem desconhecida. Serviu para dar nome a uma enorme estátua de Nero, que foi feita no local que em breve seria o Circo Máximo, por isso até hoje conhecido por “Coliseu”, de Colosseum.

A famosa expressão Panem et Circenses é do poeta latino Juvenal e quer dizer “pão e jogos de circo”. Com isso ele queria dizer que em sua época o povo romano, em vez de fornecer bravos soldados à pátria, só desejava ganhar alimento e se distrair vendo as atrocidades cometidas nas arenas (elas eram subvencionadas pelo governo para manter a população distraída).

PALHAÇO – é o primeiro que nos ocorre ao pensar em circo e outros lugares em que patuscadas são feitas para distrair o público. Essa palavra vem  do Italiano pagliaccio, de paglia, “palha”, a qual era usada para encher suas roupas coloridas e deixá-las mais engraçadas.

CLÓVIS – em alguns pontos do Brasil um palhaço ou outra figura fantasiada é chamado de clóvis. Isso nada tem a ver com o nome próprio; deriva do Inglês clown, do Inglês antigo cloyne, “sujeito rústico, campesino”, de origem desconhecida. Provavelmente resultou da leitura errada de algum cartaz que anunciava clowns no espetáculo.

DOMADOR – antes ele era figura indispensável num circo, com sua coragem e seu chicote. Agora números com animais são proibidos, felizmente, e ele deu lugar a outras atraçoes. De qualquer modo, essa atividade recebeu seu nome do Latim domare, “amansar, dominar, domesticar”, e se relaciona a domus, “casa”, passando a noção de que os animais pertencentes a ela já não eram selvagens, eram domesticados –  outra palavra que derivou daí.

EQUILIBRISTAS – aquele pessoal que deixava todo o mundo com o coração na mão ao andar de um lado para outro nas cordas bambas. A origem é o Latim aequilibrium, “de mesmo peso”, de aequi, “igual”, mais libra, “balança”.

TRAPEZISTAS  – esse pessoal se pendurava numa barra oscilante cujo nome vem do Grego trapezion, de trapeza, “mesa pequena de quatro patas”. Ela devia ser meio guenza para ter emprestado o nome à figura geométrica que chamamos de trapézio.

MALABARISTA – vem de Malabar, o nome da costa oeste da Índia. Parece que a capacidade de entreter o público com o movimento imprimido a objetos recebeu esse nome a partir da habilidade que os portugueses perceberam nos artistas dessa região. Mas ela é muito mais antiga do que isso, já que há desenhos egípcios mostrando pessoas a se apresentarem jogando diversas bolas no ar ao mesmo tempo.

MÁGICO – ourto artista indispensável num circo. Deriva do Grego magikós, “relativo à magia”, de magos, “membro de uma categoria sacerdotal”, derivado do Persa magush, “sacerdotes que interpretavam sonhos”.

BANDA – enquanto as atrações eram substituídas, uma banda com muitos instrumentos de sopro atacava com fúria a música de fundo. Seu nome deriva do Francês bande, aqui como “corpo de tropa”, do Gótico bandwa-, “sinal, marca, bandeira”.

FANFARRA – designa “conjunto de instrumentos de metal” ou “música ruidosa”, certamente com origem onomatopaica. Daí derivou o nosso fanfarrão, o sujeito que faz muito barulho do qual depois nada resta, como uma apresentação da banda.

TENDA – tudo isso se passa sob o abrigo de uma tenda, do Latim tenta, “barraca, tenda”, do particípio de tendere, “esticar, estender, alongar”. Se a tenda não está bem ajeitada, não há espetáculo.

LONA – a tenda é formada basicamente por um tecido impermeável e resistente, cujo nome vem da cidade francesa de Olonne, no vale do Loire,  há muito um centro de fabricação desse material.

MASTRO – sem ele, a lona não se sustenta. Vem do Francês mast, que deriva do Frâncico, onde significava “poste, tronco de árvore, madeira longa aparelhada para suportar cordas e velas”.

PICADEIRO – deriva de “picar”, verbo que se origina no som de algo batendo: “pic, pic”. Antigamente era  o lugar onde se treinavam cavalos com o pique, uma vara pontuda, daí o nome.

SERRAGEM – o chão do picadeiro é revestido com este material resultante do corte da madeira, fácil de retirar e repor. É uma palavra que vem do Latim serra e que não teve maiores modificações até agora em nosso idioma, como se pode ver.

Resposta:

Origem Da Palavra