Entrei emburrado no escritório do meu avô; eu tinha onze anos e estava muito incomodado com o estudo. Ele me ouviu muito sério, até que me senti desabafado. Com as perguntas discretas que ele fazia acabei percebendo que a culpa não era do sistema de ensino, que era minha mesmo. Mas eu tinha que dar minha última e definitiva opinião:
– Além do mais, estudar é muito chato.
– Talvez seja mais chato – embora não menos digno – trabalhar vendendo jornais na esquina.
Mas isso que você disse me lembra que a origem dessa palavra é o Latim vulgar plattus, do Grego platus, “achatado e largo, de superfície com pouco relevo”.
E daí veio uma descendência muito grande. Por exemplo, plateia, que é um lugar amplo para se assistir a um espetáculo ou um discurso.
Minha irritação já estava bem mais aliviada e me sentei no banco forrado de couro para ouvi-lo melhor, sem nem perceber.
– Também se fez daí o nome daquele osso que você tem aqui no alto das costas, aqui, ó – e tocou em mim, desenhando o tal osso – e que se chama omoplata, de omos em Grego, “espáduas, costas”, mais plattus. Ou se chamava, pois o nome correto em Anatomia agora é “escápula”.
– Isso porque ela escapa de vez em quando?
– Isso porque em Latim scapula tinha o mesmo significado que omos em Grego, gracioso.
Agora escute: há uma parte de certos uniformes militares que se usa bem perto da omoplata e cujo nome também é parente, a platina, aquela peça achatada sobre os ombros onde vão as insígnias dos oficiais.
– O seu uniforme na Guerra do Paraguai tinha isso, Vô? – eu estava já em condições de provocar o velho.
– Tinha. Depois virei zumbi, não morri e agora vou carregar você para o Reino das Soombras! – fez ele, com voz cavernosa.
– Verdade, Vô? – perguntei com ar inocente.
– Você nunca saberá. Mas se me atrapalhar muito eu não conto que a prata, o metal precioso, veio do Espanhol plata, por se tratar de um metal muito maleável, com o qual se podia fazer peças bem achatadas sem que ele perdesse muito a resistência.
– Aposto que aquele outro metal para jóias, platina, também veio daí!
– Seu chutador, não é que desta vez você acertou? O seu nome veio do Espanhol platina, diminutivo de plata.
– Viu como sou sabido, Vô? Pensa que só o senhor é que sabe dessas coisas?
– Às vezes sua sorte alcança picos impressionantes. Falando nisso, platô, sinônimo de “planalto”, tem a mesma origem, vindo direto do Francês plateau.
O mesmo ocorre com platibanda, que veio do Francês plate-bande, “moldura larga e pouco elevada”, de platus mais bande, “tira, faixa”. Também tinha o significado de “canteiro de plantas”, por estes terem uma forma plana e pouco elevada.
Falando em prédios, informo que plataforma, um terraço, uma superfície em relevo ou conjunto de promessas de políticos que não deve ser levado a sério, também veio do Francês, através de plate-forme, “apoio horizontal amplo”.
E passando da construção para a mesa, temos que prato, o utensílio em que comemos, veio do Francês plat, “prato”.
– E aquele pratão que a Vó coloca debaixo dos pratos quando a visita é chique e chama de “suplá”?
O velho teve um ataque de riso.
– Essa é outra palavra francesa, seu bobinho, que se escreve sous-plat, “debaixo do prato”.
Mas indo para outras paragens, temos que a praça onde você brinca, chamada place em Francês, piazza em Italiano e plaza em Espanhol também vem de platus.
Aliás, sabe aquelas árvores grandes da praça, com folhas grandes e tronco grosso, os plátanos? Na Grécia se chamavam inicialmente platanistos, depois plátanos, o nosso plátano.
– Isso porque a conversa dele é muito chata, Vô?
– Isso porque a folha dele é muito larga e chata, seu chato. E, falando em chato, vamos fazer uma excursão à cozinha para ver se conseguimos um prato com algo que mantenha nossas omoplatas no lugar.
– Gostei de aprender essas coisas todas, estava divertido, Vô!
Aí o velho acabou comigo:
– Se eu não tivesse estudado, o que seria desta conversa?
Nunca mais me meti a resmungar contra o estudo.