Palavra pretexto

OCULTOS

Desde seu início, a Humanidade tem escondido coisas. De pequenos fatos a situações comprometedoras e tesouros, o ser humano tem demonstrado um talento enorme para ocultar o que não quer que os outros saibam.

Uma prova desta tese é o número de palavras relacionadas a esta atividade.

OCULTAR – vem do Latim occulere, “cobrir, disfarçar, esconder”, do Indo-Europeu kel-, “esconder”.

Passou a ser relacionado com matérias ligadas ao sobrenatural, como Alquimia, Magia, Astrologia, a partir do século 17.

ESCONDER – do Latim abscondere, “disfarçar, esconder, fazer desaparecer”, formado por abs-, com idéia de “afastamento”, mais condere, “reunir, juntar”.

E este condere, por sua vez, se forma de com-, “junto”, mais dare, “dar”.

Um sinônimo pouco conhecido de escondido é absconso, que tem exatamente o mesmo significado mas serve para embasbacar os incautos com a cultura do orador ou escritor.

MÁSCARA – esse objeto que serve para disfarçar o rosto nos inocentes folguedos carnavalescos do tríduo momesco não tem um étimo perfeitamente definido. Veio do Italiano maschera, que se propõe tenha derivado do Árabe maskhara, “bufão, palhaço”, do verbo sakhira, “ridicularizar”.

COBRIR – do Latim cooperire, “tapar com algo”. Este verbo se forma de com-, intensificativo, mais operire, “fechar, tapar”, que vem do Indo-Europeu wer-, “fechar, cobrir”. Desnecessário dizer que encobrir vem de cobrir.

DESAPARECER – forma-se do Latim dis-, “o oposto de”, mais apparere, “surgir, aparecer”. E este verbo é uma combinação de ad-, “a”, mais perere, “ser visível, vir à frente”.

ANÔNIMO – vem do Grego a-, “sem”, mais onoma, “nome”. Uma carta anônima é aquela cujo autor não se identifica.

Há autores de sites culturais na Internet que preferem ficar anônimos para não serem perseguidos pelas multidões de fãs nas ruas.

INCÓGNITO – vem do Italiano incognito, “desconhecido, não-identificado”, no início especialmente relacionado a viagens feitas desse modo.

Deriva do Latim incognitus, formado por in-, “não”, mais cognitus, particípio passado de cognoscere, “conhecer, saber”.

É comum uma estrela de cinema colocar óculos escuros enormes que chamam bem a atenção e ir fazer compras para ser descoberta pelos fotógrafos e reclamar, dizendo que queria passear incógnita.

IGNOTO – não se trata de algo disfarçado, mas que não é conhecido mesmo. É praticamente sinônimo do verbete anterior e vem ignotus, “desconhecido”, de in-, “não”, mais gnoscere, “saber”.

DISCRETO – às vezes a pessoa que não quer aparecer faz tudo sem alarde. A discreção que ela usa vem do Latim discretio, “separação, distinção”, do verbo discernere, “separar, distinguir”, formado por dis-, “fora, embora”, mais cernere, “separar, peneirar”.

SECRETO – vem do Latim secretus, “escondido, retirado, colocado à parte”, particípio passado de secernere, “colocar de lado, apartar”. Forma-se por se-, “sem, de lado, à parte”, mais o cernere citado no item acima.

Daí deriva secretário, “pessoa a quem se confiam segredos”, pois estes normalmente estão a par dos podres dos patrões, sejam estes ministros ou comerciantes.

SUB ROSA – expressão latina que se usa como sinônimo de “em estrito segredo”. Uma explicação sobre sua origem é de que Eros (Cupido entre os romanos) teria dado a Harpócrates uma rosa para lhe garantir o silêncio sobre certos deslizes de mamãe Vênus.

Essa flor era esculpida nos tetos de muitos salões de banquete em vários países da Europa, para lembrar que o que era ali falado sob a influência do álcool não deveria ser repetido fora. A História nos mostra que essa idéia não deu muito certo.

Muitos confessionários ostentam uma rosa por esse motivo.

CRÍPTICO – é uma palavra que vem do Grego kryptos, “escondido”. É um adjetivo muitas vezes aplicado ao que a gente não entende (texto, obra de arte), para dizer que aquilo é complicado demais para a nossa cabeça.

Às vezes a gente não entendeu mesmo, mas de tão mal feita que é a coisa.

PRETEXTO – esta palavra parece não caber aqui nesta coleção de termos relacionados a “esconder”, mas em sua origem tinha tudo a ver.

Ela vem do Latim praetextus, particípio passado de praetexere, “cobrir, tapar, disfarçar”, formado por prae-, “à frente, sobre”, mais texere, “tecer”, com a idéia de “colocar um pano sobre, cobrir”. Isto é, tapar a verdadeira intenção de quem age.

EMINÊNCIA PARDA – esta expressão se refere àqueles que dirigem das sombras uma organização, um partido, etc. Não aparecem para o grande público, mas são os que determinam o que vai acontecer, às ocultas.

Ela deriva do apelido de François Leclerc du Tremblay (1577 – 1638), um Capuchinho que agia como conselheiro do Cardeal Richelieu, que tanta importância teve na história francesa da época. Sua influência lhe valeu esse apelido, “Eminência” em referência ao tratamento dispensado a um Cardeal, e “parda” devido à cor do hábito da Ordem.

Na realidade, a expressão em Francês é “Éminence Grise”, e em Inglês, “Grey Eminence”; pelos vistos, a cor cinza acabou mudando para parda em nosso idioma.

E agora vamos nos ocultar até a próxima edição.

Resposta:

UM TEXTO

– Passe para cá estes papéis, me-ni-no! Coisa inacreditável, este Zorzinho tem tamanha vontade de escrever que vive enchendo resmas de papel com rabiscos, mesmo sem saber o que faz. Que ele sirva de exemplo para os outros: com essa vontade de ser escritor, ele há de conseguir um bom emprego algum dia.

Parem de chorar de inveja uns, de debochar outros e de não entender o que está acontecendo outros ainda.

E parem de pular e gritar, todos! Vamos nos reunir aqui no meio da salinha de aula para aprender alguma coisa sobre palavras que usamos para descrever as características de um texto.

Certo, Lilice, já digo de onde vem resma. Ela vem do Árabe rizma, “pacote, conjunto de coisas embrulhadas”, do verbo razam, “enrolar, embrulhar, envolver”. Atualmente designa um conjunto de quinhentas folhas de papel.

Olhem só como brilharam os olhos do Zorzinho. Imaginem ele com tanto papel à disposição! Quanto rabisquinho, quanta besteirinha!

– Sim, Lúcia? Ah, você já ouviu falar em parágrafo, muito bem. Essa palavra indica um recuo na linha ou o conjunto de linhas entre dois recuos. Vem do Latim paragraphus, “sinal para começar nova parte de um discurso”, que era uma marquinha que parecia a letra “P” maiúscula virada.

Passou para o Latim a partir do Grego paragraphos, “sinal na margem do papel para indicar uma mudança de sentido do texto”. O sentido literal era “escrito ao lado”, já que se formava de para-, “ao lado”, mais graphein, “escrever”.

– Está certo, Ledinha, você esteve na semana passada na margem de um rio e não viu nenhum papel ali. Acalme-se, não precisava haver mesmo.

É que essa palavra vem do Latim margo, “beira, limite”, e não se aplica somente ao papel. Aliás, foi inventada muito antes de existir o papel, pois vem do Indo-Europeu mereg-, “beira, limite”.

– Como é, Valzinha? Sua mãe chama de “marginais” uns vizinhos de vocês? Bem, decerto eles são escritores e precisam cuidar muito das margens… Ahn, eles vivem sendo presos e fugindo da cadeia?

Bem, deixe seus vizinhos para lá, que não estamos aqui para furungar na vida alheia. Só posso garantir que o uso da palavra marginal é do século 16 e primeiro queria dizer “escrito à margem de um papel”, de onde passou a significar “sem importância, de pouco valor”.

Mais tarde passou ao sentido de “pessoa na periferia, à margem da sociedade”.

– Sim , Joãozinho? Ai, que gracinha, quer declamar uns versinhos para as meninas? Pois não vai fazer isso coisa nenhuma, que eu já conheço o teor das suas artes.

Fique aí sem dar um pio e aprenda que verso vem do Latim versus, “linha de escrita”, particípio passado do verbo vertere, “dobrar, virar”, de uma fonte Indo-Européia wer-, “virar”.

Aqui se faz uma bonita metáfora sobre o caminho que o arado faz até o limite de um campo e o ponto onde ele vira para começar uma linha paralela à anterior.

É mais um indicativo da sociedade agricultora que era a romana quando se estabeleceu.

Pare de protestar, menino. Essa palavra acabou se aplicando ao sentido de “composição de poesia com métrica” – isto é, ritmo – lá pelo ano de 1300. Isso porque esses poemas apresentavam as linhas bem delimitadas para que o leitor pudesse acompanhar o ritmo ao declamar.

Ainda com relação a versus, esta palavra se usa hoje tal como era no Latim para indicar “oposição”, como em “time A versus time B”, pela noção de “virar-se contra, enfrentar”.

E linha vem do Latim linea, “fio, cordel”, pela semelhança com um objeto comprido. A palavra se fez a partir de lineus, “feito de linho”, um tecido muito usado à época.

Tudo isso faz parte de um texto, que nos traz mais uma bonita metáfora.

Textus, que queria dizer “narrativa escrita”, originalmente tinha o significado de “material tecido”, do verbo texere, “tecer”.

Não é bonita essa comparação do que escrevemos com uma trama tecida, com cada fio urdido em seu lugar, para formar algo que transcende o material inicial?

Aninha, eu sabia que você ia gostar, mas isso não é pretexto para pular, gritar e fazer bagunça.

Notaram a semelhança entre as palavras? Isso mesmo, pretexto vem de praetextus, “disfarce, cobertura”, formado por prae-, “à frente”, mais textus. A imagem é a de se atirar um pano sobre algo para poder agir debaixo dele, às escondidas, coisa que certos aluninhos vivem querendo fazer.

– Hein? Não, Ledinha, o seu caderno novo não é de “aspiral”, não. Essa palavra não existe em nosso idioma, é uma deformação de “espiral“, que veio do Grego speira, “guirlanda, algo torcido, volteado”.

Mesmo dizendo espiral não estaremos dizendo a palavra certa no caso do caderno. A espiral é uma figura geométrica plana; as voltas em três dimensões que esse aramezinho que parece uma mola dá formam o que se chama corretamente de helicoidal.

Olhem só quem acordou ali. Não, Soneca, não estamos falando em helicópteros, embora a raiz seja a mesma.

Estas palavras vêm do Grego helix, do verbo heilein, “virar, torcer, enrolar”, que acabou nomeando também as hélices dos aviões.

Certo, Deli, esta molinhas seguram as folhas e também as capas dos cadernos. Esta palavra vem do Latim cappa, originalmente uma peça de roupa que cobria também a cabeça, caput.

Enfim, quando você aprenderem a escrever vão poder fazer melhor os seus textos.

Por enquanto, fiquem nos rabiscos. Está na hora de sair, amanhã tem mais.

Resposta:

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