VELA
Certo dia fui visitar meu avô em seu gabinete, no fundo do pátio, quando estava escurecendo e tinha faltado energia.
Ele estava com o gato Ernesto no colo, lendo um livro antigo, à luz de umas velas num castiçal.
Cumprimentamo-nos com carinho, como sempre. Ele me alcançou o gato, que se acomodou sobre mim, ronronando enquanto eu lhe coçava o queixo.
Comentei:
– Ainda bem que já inventaram a vela, hein, Vô? Senão a sua leitura ia ter que esperar.
– Até agora grande parte das leituras humanas à noite foi feita à luz de velas ou tochas, de modo que historicamente estou bem acompanhado. Falando nisso…
– Já sei, o senhor vai me contar a origem dessa palavra?
– Menino esperto, esse! Para não decepcioná-lo, vou contar que ela deriva do Latim vigilare, “cuidar, observar, vigiar”. E que esta veio de uma raiz Sâncrita vag’ayami, “incito, torno alerta, alegre”.
Na Roma da época de Augusto foram instituídos guardas, os vigili, “vigias”, para manter a segurança dos cidadãos durante a noite e para combater os incêndios, que podiam tomar proporções desastrosas. Até hoje os bombeiros italianos portam o nome vigili del fuoco, “vigias do fogo”.
– E usam aquelas túnicas romanas?
– Não, graciosinho, usam trajes adequados para a tarefa.
– Outro dia o Pai estava resmungando sobre um problema com as velas do carro. Como é que elas fazem para ficar acesas dentro do motor?
– Impressionante como você pode se fazer de tolo com essa cara tão inocente. Claro que sabe que se trata de um dispositivo usado para queimar a mistura de ar e combustível. Mas a origem é a mesma; já que se trata de um objeto mais ou menos cilíndrico, branco e que apresenta fogo, ou uma faísca, quando funciona, recebeu o nome de vela.
– E as velas dos barcos? São acesas à noite para iluminar o caminho?
– Hoje você está impossível de tão asneirento. Tal palavra, com esse significado, tem uma origem diferente. Vem do Latim vellum, “tecido, pele, véu”. Como as velas dos barcos da antigüidade eram de tecido, a palavra passou a designar o equipamento que se pendurava das vergas para captar o vento que movia as naves.
Mas, voltando aos derivados de vigilare, temos o verbo velar, que pode ser usado como substituto de vigiar.
E também viger…
– Epa, essa palavra é nova para mim!
– Muitas palavras são novas para você, rapazinho! Esta é mais usada no terreno das leis e quer dizer “estar em vigor, ter eficácia”. E deriva de vigilare, através do significado de “estar vivo, ter força”.
Falando em vigor, esta também tem a mesma origem, de vigere, “ter força”. Aliás, você comeu salada hoje?
– E esta agora, Vô? Comi, sim.
– Pois os vegetais dela são outra palavra derivada dessa turma que estamos vendo, através do Latim vegetare, “apressar”, já que as plantas costumam apresentar um crescimento rápido. Pelo menos as alfaces e os tomates.
Falando em rapidez, temos que veloz tem as mesmas origens, pelo Latim velox, “rápido”.
E antes que me afaste muito, lembro que revigorar evidentemente vem de vigor, com o prefixo re-, intensificativo.
– Quantos significados diferentes para uma só palavra inicial!
– Aí está porque muitas pessoas ficam viciadas em Etimologia. Através dela a gente começa a ver um mundo de que não desconfiava.
Por exemplo, sabe o Réveillon, a festa de entrada do Ano Novo? Essa palavra vem do Francês réveiller, “acordar, deixar de dormir”, de velare, “fazer vigília”, de vigilare.
Temos também a vedete, que hoje indica uma pessoa que se interessa em ficar em evidência. Isso porque se aplicava às moças que se apresentavam em shows e que, como consequência, eram muito vistas e destacadas.
Mas poucos sabem que vedette em Inglês e Francês se usa para designar “sentinela, posto de vigia”, bem como “lancha rápida para observação”.
Ela veio do Italiano vedetta, que era antes veletta mas trocou o “L” por “D”, por influência de vedere, “ver”.
E adivinhe só de onde veio veletta?
– De vigilare, Vô!
– Grande rapaz. Dá para ver que é meu descendente!