Palavra seda

Tecidos

– Mas que confusão é essa? Parem de brigar! Joãozinho, pare de passar a mão nas meninas! Patty e Deli, não batam assim nos meninos! Lúcia, pare de achar graça! Valesca, pare de falar, Zorzinho, pare de escrever, Maria Tereza, pare de se comportar!!

São Jerônimo, me dê ânimo! Santa Terência, me dê paciência! São Rabelo, diga que isto é só um pesadelo! Não sendo, vamos dar um jeito na confusão.

Olhaí! Vejam só, vários vestidinhos rasgados e… Joãozinho, vá para o corredor e fique lá um pouco até a gente recompor um pouco a situação aqui. Não olhe cá para dentro.

Veja só, Deli, em que estado você ficou! A Lúcia está com a roupa rasgada, alguns dos meninos também.

Venham cá que a Tia Odete vai usar esta fita adesiva para pelo menos a roupa de vocês não se desmontar antes de chegarem em casa.

Quantos tecidos rasgados, tsk tsk. Enquanto eu colo os rasgões e alguns secam as lágrimas e outros param de rir, vamos aproveitar para saber justamente alguma coisa sobre tecidos.

A palavra tecido vem do Latim textus, particípio passado de texere, “tecer, entrelaçar, fazer algo através da justaposição de fios”. Interessante é que, pelo lado metafórico, essa palavra acabeou gerando em nosso idioma o texto, que eu espero que vocês um dia aprendam a fazer direito.

Há muitos tipos de tecido, conforme os fios usados e a maneira de serem preparados.

Por exemplo, um tecido muito conhecido mas que certas professoras sacrificadas não podem ter entre as suas roupas, nem mesmo um simples lenço, a menos que alguns aluninhos peçam para os seus pais comprarem para ela em lembrança de tudo o que ela faz pelas pestinhas, é a seda.

Esta palavrinha vem do Latim sita, “seda”, do Grego serikon, por sua vez derivado do nome de um povo oriental, os Seres, que eram os que comercializavam o tecido inicialmente com os gregos. Da mesma origem, não sei como, veio-nos o nome de um tecido bem diferente, a sarja.

Olha a linda camisetinha de algodão, toda descosturada! Saibam que algodão vem do Árabe al-qutn, “algodão”, provavelmente de origem egípcia.

Credo, a Valzinha ficou tão esfarrapada que acho que vou ter que lhe dar um saco de aniagem para voltar para casa. A origem desta palavra não é das mais certas, parece que vem de linhagem, derivado de linha, mas… Não, Valzinha, não abra o berro desse jeito, era apenas uma brincadeira. Não vou lhe dar um saco de cebolas para vestir, não.

Como é? Você vai contar como era a roupa que a vizinha de vocês estava usando enquanto o eletricista estava consertando a luminária da sala e o marido chegou e não gostou?

Bobagem, Val, decerto ela estava testando alguma fantasia de Carnaval… Hã? Era Páscoa? Bem, talvez ela pertença a alguma religião que a gente não conhece – e vamos mudar de assunto agora mesmo.

Existe um tecido muito bonito chamado veludo. Ele vem do Latim vellutus, “cheio de pêlos, hirsuto”, de vellus, “pele de animal”. Sim, pessoal, o Seu Veloso do bar descende de alguém que talvez fosse peludo a ponto de receber esse apelido, que depois se transformou em sobrenome. E não vão mexer com ele depois e dizer que o chamei de peludo!

Falando em veludo, existe um tipo que tem listras finas e que se chama cotelê. Isto vem do Francês côtelé, antigamente costelé, “com costelas, nervuras, reentrâncias”.

Para aquelas que pretendem algum dia fazer um curso de Dança do Ventre e comprar roupinhas de gaze, informo que o nome desse tecido tão transparente vem da cidade de Gaza, na Palestina, de onde ele era exportado.

E já que falamos em tecidos originados naquela região, podemos citar a musseline, do Italiano mussolino, derivado da cidade de Mossul, na Mesopotâmia.

A caxemira deve o seu nome ao Inglês cashmere, derivado do reino de Kashmir, nos montes Himalaias. É uma lã muito fina feita do pelo longo das cabras montanhesas. Como? Não, Soneca, não são os Abomináveis Homens das Neves que cortam o pelo delas. É o pessoal do lugar mesmo. Fique quietinho, vá para um canto dormir que é melhor.

Lembro-me de uns tecidos que eram muito citados quando eu era jovem – eu vi esses olhares que vocês todos trocaram! – e dos quais pouco se ouve falar agora. Havia a popeline, que vinha do Francês popeline, do Italiano papalina, por ser feito em Avignon, que por um certo tempo foi a sede do Papado.

Algumas das fantasias de Carnaval da gente, quando pequenas, eram feitas com brocado, do Espanhol brocado, do Latim brocare, “pegar, apanhar”.

Às vezes a gente dorme com colchas que têm uns relevos peludos, cujo tecido é o chenile. Este nome veio do Francês chenille, “lagarta”, do Latim caniculus, “cãozinho”. Pois é, Ledinha, não sei como foi que eles resolveram achar parecida a lagarta com o cachorro, mas foi assim. Talvez achassem que o pêlo dos dois fosse semelhante. Não, Ledinha, a idéia de fazer tecido de chenile com as lagartas do jardim não é boa. Vá por mim, esqueça.

Existe um tecido que se chama crepe. Há também um papel com o nome derivado deste, o papel crepom, que a gente usa nas aulinhas de sucata. Esta palavra deriva do Latim crispus, “crespo”, já que o tecido apresenta ondulações.

Os ingleses usam uma palavra que veio desse crispus para dizer “torrado, crocante”: crisp. É engraçado a gente ver, nessas traduções mal-feitas de filmes americanos, alguém dizer que o bacon do café da manhã “está bem crespo”.

Um pano bonito é o tafetá, do Francês antigo taffetes, que o recebeu do Persa, onde o verbo taftan queria dizer “torcer, fazer girar”, ato ligado ao modo de fabricação.

Aquele tecido das capas que todos os detetives têm que usar – pelo menos é o que parece nos filmes – se chama gabardine. Essa palavrinha vem do Francês galvardine, “capa de peregrino”, que veio do Germânico wallevart, de wallen, “errar, vagabundear, andar sem destino”, mais fahren, “jornadear, viajar”.

Se um dia você virem um sujeito vestido com uma capa dessas e um chapéu bem enfiado na cabeça, saiam do caminho, que ele deve andar assim para não chamar a atenção enquanto investiga alguma coisa muito importante.

Bom, está na hora de irmos todos para casa. Se os pais de vocês estranharem muito o estado das roupinhas que vocês estão usando, digam que hoje em dia os tecidos andam muito frágeis para o uso de crianças ativas e inteligentes; assim eles não vão reclamar da escola.

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