FERRAMENTAS II
– Você se lembra, Vô, de uma vez em que me contou sobre a origem do nome de umas ferramentas? Você ficou de me falar sobre outras e acabamos nos esquecendo e agora seu neto aqui é um ignorante.
O velho esbelto e de barba branca curta me olhou com fingido ar de desprezo:
– Que eu me esqueça, do alto de minha avançada idade, não é nada. Mas que você se esqueça já na adolescência é um sinal perigoso. Talvez seja necessário interná-lo num lugar onde cuidem bem de você…
– Mas o senhor vai antes!
Ele suspirou.
– Está bem, em vez de discutirmos isso é melhor eu cumprir a minha promessa e a gente se esquecer de que se esqueceu.
Vamos lá, posso começar pelo sargento.
– Iih, Vô, o senhor caducou de vez? A gente não ia falar sobre militares!
– Prezado descendente, sua ignorância me faz pensar seriamente que você foi adotado, pois não parece meu parente de sangue. Em todo caso, dando um desconto para a sua idade, informo de que estou falando sobre uma ferramenta, sim.
Ela serve para apertar uma peça de madeira contra outra ao serem coladas, por exemplo. Seu nome nada tem a ver com o posto militar, vem do Francês serre-joint, de serrer, “apertar, comprimir”, mais joint, “articulação, espaço entre superfícies”.
A pronúncia em Francês de serre-joint é muito parecida com a de sergent, “sargento”.
E agora, se Vossa Senhoria me permitir, informarei que morsa ou “torno de bancada”, aquele artefato que fica preso a uma mesa de trabalho e se usa também para apertar uma peça contra outra ou para firmá-la enquanto se trabalha nela, vem do Latim morso, particípio passado de mordere. Tanto é assim que as duas peças que se aproximam entre si para firmar um objeto se chamam mordentes.
Acrescento que o mamífero marinho das beiras do Ártico, com aquelas enormes presas, também se chama morsa, mas seu nome tem origem diferente. Vem do Francês Morse, do Russo morju.
– E o torno do qual o senhor falou?
– Esse veio do Latim tornus, particípio passado de tornare, “fazer girar, fazer dar voltas”. A função dele é fazer girar uma peça de madeira ou metal para que ela possa ser desbastada.
– E como se chama aquela coisa que se usa para desbastar e alisar um pedaço de madeira?
– Plaina. Seu nome vem do Latim planea, derivado de planum, “liso, plano”, que é como deve ficar a madeira com ela trabalhada. Se o trabalho for bem feito, claro.
– Muito bem, e a broca que usa para fazer furos?
– Essa que veio do Latim broccus, “o que tem a boca ou os dentes para a frente”, dando a ideia geral de “pontudo, saliente”.
– E os brócolis? – disse eu, rindo.
– Acha que é muito gracioso, é? Pois essa palavra vem de broccus mesmo, pelo sentido de “fazer saliência ao nascer, brotar”. Quá! Por essa você não esperava.
– Não esperava mesmo, Vô. Mas agora já sei, e continuo torcendo que não me sirvam isso na comida.
– Estou com você. E isso me lembra que não há só esse vegetal com o nome derivado daquela palavra.
Existem vários animais também chamados de broca pelo seu mau hábito de perfurar coisas que interessam à nossa espécie, como cascos de navio feitos em madeira ou plantas úteis, como o café.
– Falando em café, o senhor podia falar em ferramentas para agricultura?
– Como não. Podemos começar com a pá, do Latim pala. Eles tinham também outro nome para ela, sappa. Até hoje existe a palavra sapador para designar aquele que faz certos trabalhos de engenharia militar.
Até pelo menos a Idade Média, estes eram importantíssimos nos trabalhos de cerco a cidades: faziam escavações por baixo das muralhas e enchiam o espaço assim aberto de lenha e acendiam fogo, para enfraquecer as fundações delas.
– Legal! Então era só chamá-los que a cidade estava tomada?
– Nada disso. O pessoal de dentro também tinha os seus sapadores, que faziam túneis para descobrir os dos atacantes e muitas vezes ocorriam lutas das mais horrendas debaixo da terra.
– Espertos, eles.
– Ah, para matar a humanidade sempre foi muito criativa. Mas voltando a atividades mais produtivas, podemos pensar na enxada, que veio do Latim asciata, o nome da ferramenta.
– E aquele instrumento que a Morte usa para suas colheitas?
– Que imagens! Você deve estar se referindo à foice.
Essa palavra veio do Latim falx, “foice”. E agora me ocorre também o rastelo, que se usa para juntar folhas caídas, que veio do Latim rastellum, ligado a rastrum, “rastro, marca no chão”, já que ele sempre deixa seus sinais onde é usado.
Um utensílio mais ou menos com a mesma função é o ancinho, do Latim uncinus, “gancho”, diminutivo de uncus, “gancho, bastão recurvo”.
– E a picareta?
– Essa vem de “picar” mesmo, pois é para isso que serve, ao bater na terra e soltar seus fragmentos para serem retirados. E esse verbo deriva de uma base onomatopaica, isto é, da imitação do som de uma batida seca, “pic”.
– Então o pica-pau vem daí?
– Exatamente, que neto esperto eu tenho! Quem diria…
O velho tinha um jeito de não demonstrar com palavras o seu carinho, mas a mim não enganava.
– E agora, caro descendente, vamos parar que essa conversa toda sobre material de trabalho me deixou cansado. Vamos ouvir uma boa música e falar alguma besteira, para variar.