Palavra zíper

MATERIAL DE COSTURA

 

Hoje temos reunião no Sindicato das Palavras. Elas estão nervosas, aprestando a Sala de Conferências. Correm para lá e para cá, limpam o chão, colocam cadeiras velhas no lugar, tiram o pó da mesa do conferencista, limpam o quadro-negro que fica por trás dela; atrapalham-se, chocam-se no meio da sala, recomeçam a limpeza. Estão muito assanhadas.

Para elas é tudo novidade. Para começar pelo fato de que hoje o famosíssimo Detetive Etimológico X-8, o único do bairro, estava com palestra marcada ali; palavras dão um dedo por saber de suas origens.

Fora isso, porque aquela não era propriamente uma Sala de Conferências e sim uma peça grande que se usava para jogar pingue-pongue e olhar TV, tendo recebido esse nome pomposo para a ocasião.

Aliás, a mesa do conferencista é verde, tem linhas marcadas em branco e lembra em tudo uma mesa dedicada ao tal esporte.

Mas, psiu! Aqui chega o  nosso personagem. Baixinho, enfiado em enorme gabardine cor-de-areia, chapéu caído para impedir qualquer vislumbre do rosto… Apesar de ele não gostar de chamar a atenção, todos no bairro o conhecem.

Todos os anos ele é cogitado para receber o título Intelectual do Ano pelo Jornal do Bairro, uma publicação eventual dedicada basicamente aos anúncios.  Só não o recebeu ainda porque se recusa a pagar a taxa que a publicação quer cobrar.

As palavras, ansiosas, se dão cotoveladas.

O palestrante se acomoda em pé por trás da mesa, depois de olhar para ela atentamente e se dirige à platéia com seu jeito brusco de detetive calejado de tanto lidar com o submundo das palavras:

– Boas noites, caras Palavras. Tive a honra de ser convidado (aqui ele se lembrou da dura negociação que teve com Vlad, O Preguiça, administrador do Sindicato, que pedia um grande desconto nos honorários de X-8 porque as possibilidades de se apresentar para um público seleto eram grandes) para palestrar para as distintas palavras pertencentes à categoria Material de Costura.

Sou um palestrante informal, que gosta de contato com o público, de modo que vou ir chamando as presentes palavras uma a uma e tecer comentários sobre sua origem. Já que o que eu sei é completo e definitivo, não se gastem com perguntas.

Podemos começar ali com costura. Você deriva do Latim cosutura ou consutura, por sua vez formado por com, “junto”, mais sutura, que veio do verbo suere, “costurar, unir peças por meio de um fio”.

Em Roma, o nome sutor, daí derivado, designava inicialmente “aquele que trabalha com cordas e fios”.

E, claro, você sabe que é prima daquilo que os cirurgiões costumam fazer, a sutura.

Vejo que há uma dupla bastante saliente aqui na primeira fila. Para aliviar o seu assanhamento e obter uma certa paz para nós todos, vou contar que você, agulha, deriva do Latim acus, “agulha, alfinete”, um derivado de acutum, “agudo, pontudo, aguçado”, de acuere, “fazer ponta em”.

E sua inseparável companheira a seu lado vem do Latim linea, “corda, linha, fio de linho”, de linum, “linho”.

O sentido primitivo era o de “corda fina” mesmo; mais adiante ele passou a ser usado para designar um traço ou marca estreita e alongada como um fio, desenhado sobre papel ou algum outro meio.

Assim, você passou das mãos das costureiras para as dos desenhistas ao longo dos séculos.

A palavra fez um ar de modéstia, sem conseguir disfarçar um grande sorriso.

E você junto delas, dedal? Seu nome vem de dedo, como é fácil deduzir. E este veio do Latim digitus, “dedo”. Você é pequenininho mas salva muita gente de ser espetada.

Agulha ficou vermelha. O detetive passou adiante rapidamente:

– Como vai, tecido? Grande parte  desta turma está aqui por sua causa. Sua origem é o Latim texere, “tecer, tramar”. Você tem um parente próximo que é texto, pois um escrito é composto ou tramado como um tecido.

Todas as palavras estavam pendentes do controle de X-8. Ele percebeu isso e pensou seriamente em começar a fazer palestras motivacionais, imaginando que uma empresa pagaria mais para suas conferências. Como bom profissional, não se deixou distrair pelo pensamento de ganhar mais e falou para  tesoura:

– Você com as duas lâminas, sabia que vem do Latim tonsorius, “o que serve para cortar”, do verbo tondere, “cortar, tirar o pelo”?

alfinete, ali, tem origem num idioma diferente: veio do Árabe al-filed, “alfinete”, com provável interferência da palavra “fino”.

E vejam ali, a agulha de tricô. Este tipo de trabalho vem do Francês tricot, “pequeno bastão, varinha”.

E a agulha de crochê? Veio-nos também do Francês crochet, “ganchinho”, de uma palavra escandinava krokr, “gancho”.

Quanto a botão, que nos olha ali maravilhado, podemos contar que vem também do Francês bouton, antigamente boton, de boter, “empurrar”. Um botão é algo que se empurra pela casa da peça de roupa, não é?

Com função similar em termos de roupa, vemos ali o zíper, derivado do Inglês zipper, de zip, “movimento rápido”, onomatopaico. Foi depois usado pelo fabricante que chamou o produto de zipper.

Outro nome que ele usa é fecho éclair, que quer dizer “fecho-relâmpago” em Francês porque permite fechar uma roupa ou calçado rapidamente. Éclair vem do Latim ex, “fora”, mais clarus, “claro”. Querem coisa mais clara do que um relâmpago?

Ali no fundo se encontra uma palavra conhecida por poucos. É sartório, o nome de um músculo que se situa na face anterior da coxa. Ele leva esse nome porque era sobre ele que os alfaiates, costureiras e sapateiros costuravam, quando eles trabalhavam com uma perna apoiada na coxa. Ele se originou do Latim sartorius, de sartor, “remendão, aquele que costura ou emenda”, de sarcire, “costurar”.

Ao seu lado temos alfaiate, do Árabe al-hayatt, “alfaiate, o que costura”.

Bem caras palavras, por hoje terminamos. Podem aplaudir à vontade antes que eu me retire pela noite escura para enfrentar perigos desconhecidos, sempre em defesa das clientes que pagam adiantado.

Resposta:

Rosa, rosinha!

Ameeeei o tom rosa! Sabia que um dia acataria minha proposta!
Acho que em breve receberei um troféu em forma de interrogação pelas minhas inúmeras palavras de origem incerta. Espero que se façam presentes nesta homenagem. Foi a tia Odete quem me confidenciou isso…
Pra não perder o costume: MUAMBA, TACO, TASCAR, ESTARDALHAÇO e ZÍPER.
Ontem referia-me às origens dos 5 significados de COTA. Mas se não quiser…
Só mais uma coisinha: eu não tinha pedido para NÃO publicar? Seria PIRRAÇA? Boa ideia! Aceito trocar COTA por PIRRAÇA.

Abraços pirracentos!

Resposta:

Bem, as fotos estão aí para o pessoal ver. Sabia que são todas tiradas pela nossa equipe? Até a Tia Odete se apresentou com a sua Leica para bater fotos.

Não sei se será exatamente um troféu ou uma ordem de prisão que v. receberá. Pelas dúvidas, melhor se  cuidar.

1) Do Quimbundo MUHAMBA, “cesto alongado para levar roupas”, mas não aposte nisso.

2) Controversa. Ai!

3) Do Espanhol TASCA, “instrumento de madeira para bater o linho.

4) Talvez onomatopaica.

5) Do Inglês ZIP, “movimento rápido”, onomatopaico. Foi depois usado pelo fabricante que chamou o produto de ZIPPER.

Pare de arranjar confusão, credo. Tá “pirraça” tem origem obscura, bem feito.

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