Quem está a (des)serviço da variabilidade linguística?

Caros mestres!

Vejam que minhas perguntas não se limitam ao mero significado de palavras. Creio que os ilustres ainda têm muito a oferecer além do termo técnico do ramo.

Estava hoje me indagando sobre os rumos que a língua toma na história de nosso país. Quem define a parte dessa que sobreviverá diante desta? Explico a dúvida: na historiografia brasileira, encontramos diversos estudiosos que justificam o prevalecimento geral do português por influência do colonizador, explicada sobre pretextos pouco consolidados como “a natural homogeneização do imigrante”, que inevitavelmente trucida a cultura externa. Outrora, o modernismo vem e nos dá um bastão de meia luz, alertando para a miscigenação que o nosso país tem com a cultura europeia. As duas visões limitam a compreensão ao eurocentrismo, pois de toda forma nossa identidade advém de um fator externo.

Entretanto, receio que as duas alternativas estejam erradas. Primeiramente, se nossos censurados dialetos estivessem todos à beira do precipício por “uma tendência natural”, não teríamos mais conflitos na Espanha (afinal o catalão continua firme e forte) e a principal cidade do Canadá jamais faria a desfeita de manter o francês diante dos milhões de canadenses e estadunidenses por perto. Fato é que, pelas imposições que nos foram feitas pelos miseráveis ditadores da primeira república até a o Estado Novo, consolidou-se a cultura do desmerecimento do idioma do imigrante que construiu este país (peço vênia aos indígenas nesse momento, mas excluo os portugueses).

Há, todavia, de se explicar uma corrente estudada no Rio Grande do Sul: o imigrante italiano, chegado aqui após a fome decorrente da bancarrota da República de Veneza, transfigurou sua identidade de acordo com o que apresentara Paixão Cortês. De fato, a romantização da tradição gaúcha pouco remete ao verdadeiro índio gaucho, sendo, por linhas gerais, criada por um homem e seu círculo da elite pecuarista que muito agradou-se de suas ideias. Claro, ver o ex-veneziano muito afeito ao vinho com uma cuia de chimarrão na mão causa perplexidade, afinal chá era bebida para doente no pais original desse suposto vivente… Ao menos a grappa foi salva, até mesmo meu falecido avô deixou em seu legado um alambique muito bem construído.

Em segundo lugar, destaco o foco do quê realmente interessa aos colegas estudiosos: o controverso italiano da serra do RS. Trouxe sua língua, adaptou-a ao português no ainda existente dialeto “talian” e, pasmem, vestiu a roupinha do Paixão. O que aconteceu aqui, afinal? Parece-me que foi uma estratégia de sobrevivência da sua identidade linguística, afinal hoje, enquanto São Paulo abandonou quase na totalidade o idioma de seus antecessores, na serra riograndense a integração citada constitui ainda hoje um dialeto muito sólido, conhecido por algo entre 200 e 500 mil pessoas.
Indago, portanto, onde será possível encontrar um estudo sobre a construção do dialeto citado e de tantos outros, além de uma gramática sólida. Não sei até que ponto os colegas de vocês, caros amigos tão dedicados a responder a inúmeras dúvidas, têm influenciado nessa construção. Sim, posso incorrer no erro da acusação, mas ao menos aqui na região, nunca houve um linguista a explorar a diversidade idiomática dos habitantes. Ninguém nos bateu na porta, a Universidade Federal jamais realizou sequer uma palestra. Será essa então, a auto afirmada superioridade portuguesa se manifestando entre nossos estudiosos? Isso posto, destaco os professores do meu estado, que tão afeitos ao estudo de Camões (e mais tarde Alencar, Machado, Oswald), choram ao descrever a magnum opus de Graciliano Ramos, mas pouco se comovem com o esquecimento da própria história… Enfim, que o futuro poupe os acadêmicos, já que o passado muito os condena.

(Talvez eu os salve da crítica, já que estão abertos ao diálogo. O trabalho aqui construído paga muitos pecados).

Grato!

Resposta:

Folgamos em saber que teremos que passar menos tempo no Purgatório por causa de nosso trabalho.

Mas o caro amigo tem razão. O fato de haver poucos estudos na área nos espanta, ainda mais sabendo que todos os alunos dela precisam temas para apresentar em seus trabalhos.

Infelizmente não poderemos ajudar quanto às obras cuja falta você tão justamente aponta.

Mas continue com seu espírito indagador, um dia a gente acerta.

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