GÊMEOS [Edição 97]
Eu tinha dez anos quando entrei no gabinete do meu avô, sem poder aguentar mais uma curiosidade do mundo adulto:
– Vô, fiquei sabendo que a Tia Ana, nossa vizinha, teve trigêmeos e que eles estão doendo!
– Como assim, menino? Eu a vi na semana passada e ela não estava nem um pouco grávida, ainda mais de três crianças. E doendo?
– Foi o que ouvi a Mãe dizer há pouco, muito preocupada. Como eu vi que ela não estava com muita vontade de contar mais, vim aqui falar com o senhor.
– Espere um pouco. Vou dar um telefonema – disse o velho.
Fez a sua ligação, que foi breve. Dava para ver que estava se contendo para não rir:
– Pronto, seu trapalhão. Já descobri tudo. A vizinha de vocês está sofrendo de uma doença chamada neuralgia do trigêmeo. É uma dor muito intensa que acomete um nervo da face que atende por esse nome. Mas ela está atendida e já está passando melhor, felizmente.
– Também, Vô, escolhem cada nome!
– Esse foi escolhido para o nervo porque ele aparece na superfície da face em três pontos. Mas acomode-se que vou lhe falar na origem de gêmeos e coisas parecidas.
– Manda brasa, Vô.
– Vamos começar com gêmeo, que vem do Latim geminus, “dobrado, duplicado, igual”, do verbo geminare, “dobrar, repetir”. Possivelmente derive do Indo-Europeu yem-, “formar um par”.
– Já ouvi falar em gêmeo siamês, é coisa que só ocorre com certos tipos de gatos?
Ele riu:
– Você tem cada ideia! Não, o que aconteceu é que, na Tailândia, que então era chamada Sião, em 1811, nasceu um par de gêmeos unidos pelo peito. Eles têm uma história interessante, mas para efeitos de Etimologia o que conta é que eles foram chamados de siameses por causa de sua origem.
No entanto, lá no Sião eles eram conhecidos como “os gêmeos chineses” porque a mãe deles era dessa nacionalidade.
Eles fizeram carreira sendo apresentados em público. Naquela época essas coisas aconteciam. É por causa deles que ainda se usa o adjetivo siamês para seres que nasceram com partes do corpo unidas.
– Deve ter sido uma vida difícil, hein?
– Pois ainda assim eles se estabeleceram nos Estados Unidos, eram muito apreciados pelos vizinhos e deram um jeito de gerar 21 crianças após casarem com duas irmãs. Atualmente há cerca de 1500 descendentes deles no país.
– Que coisa!
– Para você ver. Mas isso me lembra também da palavra sósia, que quer dizer “pessoa muito parecida com outra, a ponto de poder ser confundida”. Esta vem do personagem de uma peça teatral romana, de mesmo nome. O deus Mercúrio assumiu a semelhança de Sósia para aprontar alguma e hoje o seu nome está virado num substantivo comum.
E há outra palavra que aposto que você nunca ouviu: menecma. É um sinônimo de sósia e também vem do nome de personagens de uma comédia romana, Menechmi, que tratava de um par de gêmeos.
– Esquisito, Vô.
– Até aqui estamos lidando com pessoas quase idênticas. Esta vem do Latim idem, “o mesmo”. Há gêmeos idênticos, aqueles que apenas os pais podem distinguir, e gêmeos fraternos, que são parecidos apenas como dois irmãos quaisquer.
Para isso podemos dizer também igual, do Latim aequalis, “idêntico, uniforme”, de aequus, “parelho, justo”.
– E o que não é idêntico, Vô?
– Aí é apenas parecido, do Latim parere, “fazer-se visível, chegar à frente”.
Uma outra palavra que pode se usar para denotar essa ideia é similar, do Latim similis, “tal qual, como, semelhante”, do Latim arcaico semol, “junto”. Símile e semelhante são suas variantes.
– E equivalente?
– Parabéns, eu já ia falar nisso. Seu vocabulário não está dos piores!
Fiquei contente, os elogios do velho eram raros. Aí ele acrescentou, entredentes:
– Claro que, na sua idade, o meu era muitíssimo maior…
E seguiu:
– Pois essa palavra vem do Latim aequivalens, “de mesmo poder, com a mesma capacidade”, formada por esse mesmo aequus, mais valens, particípio presente de valere, “ser forte, ser capaz”.
Isso traz à lembrança uma palavrinha curta, afim. Ela, para variar, veio do Latim: é de affinis, “vizinho, contíguo, amigo de”, de finis, “fronteira, limite, fim”.
E podemos falar noutra, análogo, do Grego analogon, “semelhante”, de ana-, “igual”, mais legein, “recolher”, donde “computar, enumerar, contar”.
Para terminar, vou-lhe ensinar outra palavra que aposto que você não conhece: pariforme.
– Conheço, sim, Vô. Não quer dizer “com forma de parede”?
O velho me olhou sério:
– Ainda não consegui descobrir se você demonstra uma sensacional burrice ou se é um digno descendente deste seu brilhante interlocutor.
As palavras diziam uma coisa, mas a suavidade em seus olhos mostrava o que ele pensava. Senti-me como se fosse um gato no colo de alguém.
– Como eu ia dizer antes que você interrompesse com semelhante besteira, pariforme vem do Latim par, “igual, semelhante, parelho”, e quer dizer “semelhante” mesmo.
E por hoje chega de igualdades e gemelaridades.