Uma Tempestade [Edição 55]
Eu tinha ido visitar meu avô e cheguei à sua casa sob uma cobertura de nuvens bem escuras, num dia ventoso e frio. Percorri o pátio entre as folhas em revoada e entrei em seu gabinete.
Uma gostosura: madeira, couro, livros cuidadosamente arrumados por toda parte, um fogo aceso na pequena lareira. O velho se alegrou em me ver. O gato Ernesto Sábato, que estava em seu colo, miou e veio me fazer festa, bem no momento em que o vento uivou mais forte lá fora e a chuva começou a cair com força no telhado.
– Escapou da procela bem na hora, hein, meu neto?
– Sei que escapei da chuva, nisso aí nunca ouvi falar, Vô! – e me acomodei no banco macio onde eu costumava ficar horas perdidas ouvindo-o falar.
– Claro, na época atual os jovens que sabem mais de 500 palavras em nosso idioma são raros. Com sua idade eu já estava cansado de saber que essa palavra significa “tempestade”. Só levei algum tempo para descobrir que vinha direto do Latim procella.
– Quer dizer que há duas palavras para designar um tempo destes?
– Hum, mais que duas. Por exemplo, pode-se usar tormenta para o mesmo fim. Esta vem também do Latim, no qual tormentum designava uma máquina de guerra usada para arremessar pedras ou um instrumento de tortura.
– Ué, e o que tem a ver com tempo ruim?
– Tem que, naquelas épocas, as pessoas eram muito mais afetadas pelas variações climáticas: elas eram apanhadas no campo, suas plantações eram destruídas, seus parentes que trabalhavam em barcos muitas vezes não voltavam. Daí o sentido atual de tormento, de “sofrimento, dor moral”.
Por falar nisso, tempestade vem do Latim tempestas, relacionado com tempus, “tempo”, que inicialmente queria dizer “espaço transcorrido entre dois momentos” – e mantém esse significado – e depois passou a expressar “período de clima”.
Mas em Inglês há palavras separadas para isso: o tempo do relógio é time e o do clima é weather.
– Veja só. Mas como sopra o vento! Assim a gente se sente mais abrigado aqui dentro, não é?
– Verdade, e antes que você pergunte, vou dizer que ventania vem de ventus, “vento” mesmo, que não mudou muito com os séculos.
Um trovão soou e o gato se enfiou debaixo de uma mesa, orelhas para trás e pupilas dilatadas. O velho disse:
– Por mais que eu explique, esse gato não acredita que esse barulho não vai machucá-lo.
– Se o senhor tivesse orelhas que nem as dele aposto que não ia gostar de trovoada também.
– Tem razão, rapaz, tem razão… E sabe que trovão vem do Latim turbo, “turbilhão”?
E sabe que antigamente uma canhão podia ser chamado de trom, por derivação de trovão?
– E o furacão, Vô, é verdade que quando passa um deixa todos os cachorros com um buraco?
– Mais uma dessas e eu o jogo lá fora na borrasca, seu gracioso. Essa palavra vem, através do Espanhol huracán, do idioma Taino, do Caribe, onde essas tempestades complexas são comuns.
Existe também o tufão, que representa um caso muito curioso de origens totalmente diferentes com sons semelhantes e mesmo significado. Deriva tanto do Grego Typhon, um deus dos ventos, talvez relacionado a typhein, “fazer fumaça”, como do Cantonês tai fung, “grande vento”.
E não se esqueça que furacão acontece no Atlântico e que tufão ocorre nos mares asiáticos.
– Quando tiver meu iate transoceânico vou me lembrar disso, Vô. Mas o senhor disse que ia me jogar na borrasca. E esta, de onde vem?
– Parece vir do nome de outro deus grego dos ventos, um tal de Bóreas “o vento Norte”.
– Daí a “aurora boreal”?
– Muito bem, meu neto, eu sempre disse que você é mais inteligente do que parece. Perfeito, “boreal” é sinônimo de “setentrional”, de “relativo ao norte”.
Eu não sabia se me animava com aquele duvidoso elogio ou não, de modo que perguntei de onde vinha tornado.
– Essa vem de outra mistura; tanto do Latim tornare, “virar”, coisa que o vento faz com alta velocidade, como de tonare, “trovoar, fazer barulho”.
– E os ciclones ?
– Essa é do Grego kyklos, “o que se move em círculos”.
– Imagino os faunos e ninfas correndo de um ciclone naquelas épocas antigas…
– Pois pode parar, que essa palavra é moderna. Começou a ser usada em 1848, por obra de um funcionário inglês na Índia, ao descrever uma tempestade enorme que se formou lá.
– Enfim, e o toró?
– Essa parece ser de origem onomatopaica, ou seja, imitativa de um som.
Mas agora vamos ficar ouvindo a chuva e curtindo esse barulhinho gostoso, que muita Etimologia pode fazer mal para cabecinhas ocas.
E assim ficamos, olhando o fogo e ouvindo a chuva.