Palavra balcão

TIA ODETE NUM HOTEL

 

– Bom dia, cavalheiro de uniforme impecável  que está mui ereto e com olhar de superioridade à frente deste estabelecimento. Antes mesmo que me cumprimente de volta, como faz qualquer cidadão bem-educado, desde já vou informando que uniforme vem de unus, “um”, mais forma, “aspecto, aparência, molde”.

Ou seja, o que tem só uma forma, um só aspecto, o que evita que o senhor seja confundido, digamos, com um bombeiro ou um astronauta em serviço. Acrescento que impecável vem do Latim impeccabilis, “sem erro, sem falta ou pecado”, de in, negativo, mais peccabilis, “sujeito a errar, a cometer falta”, de peccatum, “crime, falta, delito”.

Desde já deduzo que o senhor é o porteiro deste Hotel, cuja origem é o Francês hostel, “estabelecimento que providencia acomodações”, que por sua vez veio do Latim hospes,  que tanto significava “hóspede” como “hospedeiro“. Esta palavra no começo se usava com o sentido de “residência grande” e depois com o  de “lugar que aluga dependências”, tal como agora.

Ah, ia-me esquecendo de que porteiro vem do Latim porta, que significava porta mesmo.

Bem, vou deixá-lo com este ar levemente apatetado devido à torrente de cultura que lhe derramei em cima para me dirigir a este senhor atrás do balcão, muito bem vestido também e que deduzo ser o Recepcionista, cargo cujo nome vem de receber, do Latim recipere, “tomar de volta, entrar em posse de”, de re-, “outra vez”, mais capere, “tomar, pegar, agarrar”, já que ele se encontra aqui para receber os hóspedes.

Colho a ocasião para lembrar que balcão vem do Lombardo balko, “estaca, trave, elemento atravessado”, através do Italiano balcone.

Bom dia, cavalheiro; eu sou Odete Sinclair, professora de Etimologia no Maternal e estou aqui para participar do Primeiro Congresso de Professores de Etimologia para Crianças Ainda Não- Alfabetizadas. Como o senhor pode calcular, somos poucos. Mas isso não me impedirá de apresentar um trabalho com base em minha larga experiência com crianças complicadas intitulado “Lecionando no Inferno”, do qual posso lhe passar uma cópia mais tarde.

Olhando para suas lapelas, posso ver que nelas não figura um emblema dourado com chaves cruzadas, o que é uma pena. Fosse esse o caso, eu saberia que estava na presença de alguém que faz parte de uma organização chamada Les Clefs d’Or, “As Chaves Douradas” em Francês.

Trata-se de pessoas altamente qualificadas, de credenciais impolutas, que passaram por uma exigente prova escrita, com domínio de mais de um idioma e que são capazes de lidar com as mais extravagantes situações sem perder a calma nem o sorriso encantador. Não devem passar de três mil no mundo atualmente e certamente trabalham em estabelecimentos de categoria mais elevada do que este.

Eles são conhecidos como concierges, palavra  Francesa que veio do Latim conservus, de com, “junto”, mais servus, “servidor, escravo”.

Mas tudo bem, tenho certeza de que isso não me impedirá de aproveitar as acomodações do local. Palavra esta que, aliás, vem do Latim accomodare, de commodus, “adequado, conveniente, satisfatório”, formada por ad, “a”, mais com, “junto”, mais modus, “medida, maneira, jeito”.

Feita a minha ficha de entrada, vejo que o senhor toca a campainha para chamar o rapazinho que me conduzirá aos meus aposentos e levará a minha bagagem, certamente de olho na magra gorjeta que eu poderei lhe dar, a menos que ele aceite lições de Etimologia em troca de seu esforço. Que não será grande, pois minha mala tem escasso conteúdo, já que meus estipêndios não são dos mais elevados e meu roupeiro bastante modesto.

Em todo caso, desde já vou adiantando que gorjeta vem do Latim gurguis, “garganta”, já que muitas vezes esse dinheiro servia para molhar a dita cuja com líquido desaconselhado para aves.

Colho a ocasião para dizer que, entre os povos de língua inglesa, a função deste moço é denominada bellboy, literalmente “rapaz do sino”. É verdade que ele atende ao chamado do sininho de mesa do recepcionista, mas saibam todos que esse nomezinho deriva mesmo é de uma atividade que iniciou na Marinha inglesa.

Na época da navegação a vela, os turnos de serviço a bordo eram cuidadosamente assinalados por toques de sino. O tempo era contado por meio de uma ampulheta, que devia ser virada a cada meia hora; essa porção de tempo era informada a todos os que estavam a bordo por meio de toques de sino. Daí a existência obrigatória de uma pessoa para ficar de olho na ampulheta e tocar o sino, ou as atividades da tripulação ficariam subvertidas.

Percebi, no olhar esgazeado do senhor recepcionista, um especial aspecto amortecido quando falei em ampulheta. É natural, atualmente as pessoas não sabem mais nem ver as horas num relógio digital, não se pode esperar que saibam do que falei. Esse antigo equipamento para mensurar a passagem do tempo tem seu nome derivado do Espanhol ampulleta, “ampola pequena”, já que ela continha areia que ia se escoando entre duas ampolas de vidro comunicadas entre si.

Muito bem, agora vou-me dirigir ao elevador, cujo nome vem evidentemente de elevar, do Latim elevare, “erguer”, formado por ex-, “fora”, mais levare, “tornar leve, fazer subir”, de levis, “leve, de pouco peso”. Por certo que o simpático bellboy aqui me acompanhará para me ensinar o adequado manejo deste moderno aparato.

Ah, eis-me aqui no quarto que me foi reservado. Esta palavra vem do Latim quattuor, “quatro”. Inicialmente teve a significação de “a quarta parte da casa”. Confesso que ignoro se em outras épocas as casas eram muito pequenas ou os quartos eram muito grandes.

Tome aqui uma modesta propininha, caro jovem… Ué, que estranho, ele largou a bagagem e saiu correndo. Deve ser algum hábito novo entre os jovens, vá saber.

Bem, tostão poupado é tostão ganho.

Resposta:

Tia Odete Vai Ao Banco

– Boa tarde, Senhor Vigilante, o senhor vai bem? Sabia que o nome dessa sua função deriva do Latim vigilare, “cuidar, vigiar”, de vigilis, “acordado, atento”, de uma fonte Indo-Européia weg-, “ser forte, ser ativo”?

Como? Preciso largar os objetos metálicos nesse guichê para passar pela porta giratória, ahn, está certo. Aliás, não me deixe esquecer de lhe dizer que guichê vem do Francês guichet, “janela para atendimento ao público”, diminutivo do antigo Escandinavo vik, “recuo, recesso, esconderijo”.

Então lá vai… as chaves, o alicate, o saquinho de moedas antigas – vá que elas retornem à circulação um dia, nunca se sabe – o canivete, o broche de minha avó, o celular que comprei há cinco anos e não tive tempo de aprender a usar, o radinho de pilha, as pilhas usadas para largar num lugar de descarte adequado, pilhas novas – três jogos, para nunca ficar na mão – garfo e faca de mesa para alguma emergência gastronômica, porcas e parafusos variados para o caso de alguém precisar, uma batedeira de ovos manual que eu tinha perdido, veja só!, um ímã potente para catar algum objeto de metal do chão, grampos para cabelo, clipes para papel, diversas correntes com medalhas de santos de minha devoção, que deles eu preciso muito em minha atividade…

Não, não terminei, meu senhor, tem mais ainda aqui na bolsa e … Ah, o Sr. Gerente ali libera minha passagem porque o povo está se aglomerando atrás de mim e protestando. Muito agradecida.

Sr. Gerente, em retribuição pela gentileza, vou-lhe contar que o estabelecimento que o senhor comanda se chama banco porque na Itália banca queria dizer “mesa”, o móvel sobre o qual se faziam os negócios, inicialmente com moedas metálicas.

Sim, e quando o profissional fazia algum mau negócio que o colocava fora da atividade, ele quebrava a mesa, assim entrando literalmente em bancarrota, o que queria dizer “mesa quebrada”. Ou talvez a mesa fosse quebrada pelos clientes que tivessem saído prejudicados pela situação, não sei dizer com certeza. Tampouco posso garantir pela integridade do crânio daqueles comerciantes.

Mas eu preciso chegar ali ao balcão, palavra que vem do Italiano balcone, “parte alta de uma mureta”, do Germânico balko, “trave, elemento atravessado”. Quero fazer umas perguntas à moça do caixa, palavra esta que veio do Italiano cassa, do Latim capsa, que era o nome dado às caixas cilíndricas onde os cidadãos de Roma guardavam os seus livros.

Não, não pense que estou doida falando em caixas cilíndricas para livros, não; é que os livros que eles usavam eram cilíndricos mesmo, o Sr. já deve ter visto nos filmes os senadores lidando com os rolos de papiro que se usava naquele tempo. Não dava para ler comendo cachorro-quente, pois o molho e a mostarda iriam prejudicar seriamente o texto.

Enfim, dessa capsa veio a nossa caixa em geral, e também a palavra inglesa cash, que agora em bom Português quer dizer “dinheiro”.

Hein? Ah, estão chamando-o com urgência ali para um assunto inadiável, pois não, está bem. Vou acertar minhas coisas aqui e depois passarei pela sua sala, pois eu o achei um jovem muito afável e merecedor de conhecer mais sobre Etimologia.

Ah, posso passar para a fila dos idosos? Eu pensava que este meu corpinho disfarçava bem, mas vou aceitar porque ela está mais curta, só por isso.

Idoso, embora haja controvérsias, deriva do Latim aetas, “idade, era, época”.

Falando nisso, senhoras e senhores que estão também aguardando a vez de serem atendidos neste simpático estabelecimento, saibam que fila vem do Francês fil, “corda, fio”, do Latim filum, com mesmo significado. Uma fila também é alongada e fina, como um pedaço de fio.

Aqueles que aguardam para receber seus proventos provavelmente sabem que esta palavra é do Latim proventum, “colheita, resultado, produção, lucro” do verbo provenire, “vir à frente”, formado por pro-, “à frente”, mais venire, “vir”. Se não sabem deveriam envergonhar-se.

… Pronto! Agora que recebi meu dinheirinho, palavrinha que vem do Latim denarius, originalmente o nome de uma moeda feita em prata, subdividida em dez “asses” de cobre, derivado de decem, “dez”, posso retirar-me, mas não sem antes passar para falar com o Sr. Gerente deste local para… ah, uma de suas tias faleceu e ele teve que sair correndo? Mas que fato lamentável! Bem, deixemos a coisa correr então.

Mas avisem-no que na semana que vem virei aqui para consolá-lo com minha conversa.

Até lá.

Resposta:

Móveis Domésticos

Todos nós crescemos entre móveis, em maior ou menor quantidade, mais refinados ou não. De qualquer maneira, eles são uma característica que acompanha os seres humanos desde as primeiras casas. Todos eles têm nomes, e estes nomes naturalmente têm suas origens. Agora vamos passear entre elas.

MESA – do Latim mensa, “mesa”.

Para todos aqueles que dão mesadas para os filhos: esta palavra vem do Latim mens, “mês”, e não de mensa.

Nas eleições, aqueles que se colocam atrás das mesas para controlar os procedimentos são os mesários.

CADEIRA – vem do Latim cathedra, “cadeira de braços”. Era um assento especial, dedicado às autoridades, aos professores e , mais tarde, às autoridades eclesiásticas.

Ainda hoje um catedrático é uma categoria de professor dentro das universidades. A matéria que ele ensina, por isso, se chama cátedra ou cadeira.

As cadeiras, aquela parte do corpo logo abaixo da cintura, levam esse nome porque são a parte que se acomoda ao sentarmos.

BANCO – do Germânico banka, mais exatamente “mesa”. Talvez porque uma mesa pequena destas servia também para sentar, adquiriu para nós o sentido de “assento sem encosto”. Banqueta é um diminutivo, não implicando em grande diferença na prática.

Na Idade Média e mesmo antes, os negociantes de câmbio e empréstimos se colocavam atrás de uma mesa para efetuar seu comércio. Daí veio o nome banco para “instituição financeira”. Se acontecia de eles irem mal nos negócios e ficarem sem condições de trabalhar, a mesa deles era quebrada, de onde nos veio o nome bancarrota, “banca quebrada” em Italiano.

ESCABELO – poucos conhecem esta palavra atualmente. Trata-se de um banquinho bem baixo ou de um apoio para os pés, do Latim scamnum, “estrado”. Mas ele fez parte de muitos romances medievais, onde era o móvel em que o jovem e belo menestrel se sentava para tocar o alaúde para a bela princesa. Conforme o sucesso que fazia, isso podia separar definitivamente a cabeça do pescoço dele, por ordem do rei.

CAMA – do Latim cama, “cama estreita”, provavelmente de origem ibérica.

Um aviso: camaleão nada tem a ver com este assunto. Vem do Grego kamailéon, “pequeno leão”. Camarada tampouco; esta era uma pessoa em quem se podia confiar, tanto que dava para ficar no mesmo aposento que ela (do Grego kamara, “arco” e depois “peça sob teto arqueado, quarto”).

CABIDE – é sempre bom ter um destes para não acabar espalhando a roupa sobre os móveis da casa inteira. Esta palavra vem do Árabe qabda, “garra, gancho”, o que dá uma boa idéia da sua forma e função.

Mas galinha de cabidela não é uma galinha pendurada num cabide pequeno, não. Trata-se de uma galinha preparada com os seus miúdos, também do Árabe kabid, “fígado”.

Há um nome agora pouco usado para “cabide, suporte”, que é mancebo. Esta palavra vem do Latim mancipius, de manu captus, “agarrado à força”. Nas guerras que impuseram o domínio romano à Europa, os jovens mais capazes e mais fortes eram preferidos para escravos.

Trabalhando nas cidades dos seus captores, muitas vezes eles se transformavam em “suporte” da casa pelas suas habilidades e pelo vigor da sua juventude. Daí essa palavra ser aplicada ao móvel, bem como ao homem jovem.

Quando o marido militar saía para suas guerras, para fazer mais escravos, o mancipius às vezes prestava outro tipo de serviços caseiros, mas isto é uma publicação de Etimologia e não de fofocas, razão pela qual nos calaremos.

ARMÁRIO – antigamente era o móvel onde eram guardadas as armas. Mais tarde esse nome se generalizou para móveis com portas onde se guardava todo gênero de objetos.

GAVETA – uma das coisas que é bom um armário ter são gavetas. Este nome vem, estranhamente, de um prato de madeira usado para comida nas embarcações da Idade Média, do Latim gabata. Chegou ao nosso idioma através do Italiano gavetta.

ESTANTE – outra coisa de que um armário precisa são estantes. Tal palavra deriva do Latim stare, “estar, ficar de pé, ficar firme”. Se uma estante não está firme e cai, é porque ela se encontrava instável, de in-, negativo, mais o mesmo stare, ou seja, “não ficava firme, não se mantinha em pé”.

PRATELEIRA – é um sinônimo da palavra anterior. Há duas versões para a sua origem. A primeira, que por mais simples parece ser a mais provável, é de que vem de prato, já que estes eram guardados sobre estas divisórias horizontais.

A outra diz que vem de pratel, “utensílio de metal branco”, que viria de prata.

APARADOR – vem do verbo latino aparare, “dispor, preparar”. É um móvel que “apara”, isto é, “sustenta” coisas. É o mesmo que a seguinte.

BUFFET – esta palavra, que quase só conhecemos de um restaurante com certo tipo de serviço, é o nome do móvel onde são colocados os alimentos que a casa coloca à disposição da clientela.

É uma palavra francesa, com origem indeterminada. Tentou-se aportuguesá-la para bufete, mas ao que parece a idéia não vingou.

BALCÃO – do Lombardo balko, “estaca, trave”, através do Italiano balcone. Em Espanhol se usa para nomear o que por aqui chamamos de “sacada”.

BAR – é praticamente o mesmo móvel acima, só que é o sonho do pessoal que gosta de beber. Vem do Francês antigo barre, “obstáculo, barreira”. Recebeu esse nome porque era um móvel longo que separava os atendentes dos clientes das tavernas, servindo para colocar sobre ele o que a casa oferecia.

Em Inglês, bar também significa “o exercício do Direito”, em alusão ao estrado com mesa que separa o juiz do resto do tribunal.

ROUPEIRO – é o lugar onde se guarda a roupa, evidentemente. E a palavra roupa vem do Germânico raupjan, “despojar, retirar as vestimentas”. É mais uma das palavras ligadas a ações guerreiras que herdamos desse povo.

ESCRIVANINHA – é um móvel para escrever, de scribanus, “aquele que escreve, escrivão” em Latim. É mais um móvel que tende a desaparecer, substituído pela mesinha do computador. Pode ser chamada também de birô.

BIRÔ – é um aportuguesamento do Francês bureau. E esta palavra vem de burel, o tecido grosseiro de lã que era usado para cobrir as mesas dos escriturários após o trabalho. O nome do tecido vem do Latim burrus, “avermelhado”, ligado ao Grego pyros, “fogo”.

SOFÁ – vem do Árabe çuffa, pelo Francês sofa. Originalmente, era usado para designar uma almofada grande sobre estrados de madeira. Mais tarde esse arranjo foi transformado num móvel inteiriço.

POLTRONA – do Italiano poltro, “cama”. Gradualmente o nome acabou aplicado a uma espécie de sofá para uma só pessoa.

Como o sujeito que gostava de passar o dia deitado no poltro o fazia por não gostar de muita atividade,a palavra poltrone acabou sendo usada para designar um preguiçoso, um folgado. E como uma pessoa com estas características não costuma ser das mais bravas em combate, a palavra poltrão hoje em dia designa um indivíduo covarde.

CLOSET – é uma palavra estrangeira, mas quem a colocou em uso não se importou com esse fato, e agora ela é bastante usada. Vem do Inglês close, que por sua vez vem do Latim claudere, “fechar”. Closet ficou como diminutivo de “local fechado”, que é como se apresenta hoje esta pe
quena peça para guardar roupas e se vestir.

CRIADO-MUDO – parece ser uma tradução direta do Inglês dumb-waiter, “pequena mesa portátil ou elevador para alimentos”, onde dumb tinha o significado de “estúpido, incapaz de iniciativa” e waiter, de “criado”.

A idéia era a de comparar o móvel a um criado que não ouviria ou entenderia o que os patrões dissessem, o que era difícil numa época em que eles se encontravam em todas as partes da casa.

“Mudo” vem do Latim MUTUS, o que não fala”.

TAPETE – sem ser um móvel propriamente, o tapete pode ser de muito uso numa residência. A palavra vem do Latim tappetum, do Grego tapes, “coberta, tapete”.

Resposta:

Origem Da Palavra