SINOS
Certa vez, quando eu tinha uns doze anos, perguntei ao meu avô:
– É verdade que a palavra sino vem de sina, porque o soar do instrumento servia para predizer o destino de quem ouvia?
– Mas que besteira, menino! De onde você tirou isso?
– Meu colega Zorzinho aprendeu do pai dele.
– Mais uma dessas e eu mando a Polícia Etimológica prender esse malvado. Sente-se aqui e escute:
– Sino vem do Latim signum, “sinal, marca, indicação, símbolo”, do Indo-Europeu sekw-, “seguir”. O nome se aplicou a um objeto de metal usado para apontar diversos momentos do dia em épocas remotas.
– E por que eles não olhavam o relógio, Vô?
– Porque não existiam relógios, meu ignorante menino. Falo em tempos de antes ainda da Idade Média, na Europa.
Um desses momentos eram as matinas. Estes eram os cânticos católicos do começo do ofício, entoados em algum momento entre meia-noite e o nascer do sol. Deriva do Latim matutina, “pertencente ao começo do dia”, derivado de Matuta, uma deusa que personificava a madrugada.
– Puxa, então ninguém podia dormir à vontade?
– Era meio atrapalhado para os insones. E isso que havia outras horas canônicas ao longo do dia, de modo que ninguém podia folgar muito sem ser acordado pelas badaladas do sino. Acho que vou comprar um sino para dar de presente aos pais de um certo neto meu, aliás.
– Não fale assim, Vô, eu até nem durmo tanto.
– Verdade, é apenas pelas dúvidas. E, já que falei em badalo, esta peça metálica que pende no interior do sino vem do Latim batuaculum, derivado de battuere, “bater”, que é a sua função.
– Sempre achei bonita a forma dos sinos. Quem foi que os inventou?
– Não se sabe, mas é certo que em três mil AC eles já existiam, feitos em argila. Mil anos depois eles já eram fundidos em bronze.
Mas o uso de sinos pelo cristianismo é atribuído a Paulino de Nola, que era bispo dessa cidade da Campânia, hoje na Itália, lá pelo século IV.
Consta que religiosos turcos proibiam o seu uso porque o som dele poderia perturbar as almas que vagavam pelo ar.
É interessante ver que esse instrumento tem nomes muito diversos nas diferentes línguas ocidentais. É bell em Inglês, campana em Espanhol e Italiano, (pelo visto derivado da região onde começou o seu uso), cloche em Francês, glock em Alemão…
– Campainha tem algo a ver?
– Mais uma vez devo dizer que este meu neto é mais esperto do que parece. Deduziu certo: campainha e campanário, a torre onde se coloca um sino, derivam de campana.
– Meu pai conta que ouviu um conjunto de sinos de vários tamanhos em uma de suas viagens.
– Sim, há vários desses conjuntos de sinos que são muito lindos; chamam-se carrilhão. Essa palavra vem do Francês carillon, antigo quarregnon, do Latim quaternion, que nomeava um conjunto de quatro sinos, de quattuor, “quatro”.
– E eles eram tocados só para avisar os momentos de oração?
– Nada disso. Serviam para diversos avisos. Um deles era tocar a rebate, que era um toque para avisar que a cidade estava por ser atacada pelo inimigo. Esta vem do Árabe ribat, “ataque, assalto súbito”.
– Oba, a coisa está ficando mais interessante!
– Claro, histórias de ação atraem mais, não é, seu espevitado? Também vou contar que os sinos davam o sinal que se chamava de couvre-feu em Francês e curfew em Inglês. Esta deriva da palavra francesa, que queria dizer “cobre-fogo”.
– E por que isso?
– Inicialmente esse toque queria dizer que todos, sem exceção, deviam apagar os fogos que tinham em casa quando soava o sinal. As residências eram na época iluminadas unicamente por velas e lareiras; dá para imaginar o risco de incêndio numa cidade com casas que tinham tecidos, paredes de madeira e muitas vezes telhados de palha.
Atualmente o sentido dessa expressão se ampliou e passou a significar que, após aquele sinal, as pessoas devem sair das ruas, por restrições impostas em certas conjunturas. Em nosso idioma se usa a expressão toque de recolher.
Nas grandes guerras do século passado, o cumprimento desse aviso era estritamente policiado para garantir que nenhuma luz estivesse saindo por alguma janela, para evitar que servisse de indicação para eventuais ataques aéreos.
– Comecei a respeitar os sinos.
– Deveria ter começado há tempos. Outro aviso que eles davam era o dobre a finados. Esse era o conjunto de toques duplos que uma igreja dava para informar à aldeia do enterro de uma pessoa.
Falando em pessoa, muitos sinos têm nome de gente. Todos conhecem o Big Ben em Londres, por exemplo. Mas nem todos sabem que esse é o nome exclusivamente do sino maior daquele campanário, não o da torre nem o do relógio. O sino maior da Nôtre-Dame em Paris se chama Emmanuel e foi escolhido pelo seu padrinho, o rei Luís XIV.
– Mas, na verdade, é um instrumento bem simples, não?
– Aparentemente. Ele é um instrumento idiófono, ou seja, ele produz sons a partir da vibração dele por inteiro. Não tem peças como palhetas, partes deslizantes, cravelhas para afinação, etc. Outros que se encaixam nessa categoria são os pratos e os triângulos, por exemplo.
Mas não pense que basta derramar metal num molde para fazer um sino, não. Um sino precisa ser muito bem afinado para emitir um som agradável aos ouvidos, de modo que depois de pronto ele é tocado para avaliação e um especialista vai limando-o e retirando material até ele se adequar ao propósito.
Muitos sinos apresentam inscrita a frase latina VIVOS VOCO, MORTUOS PLANGO, FULGURA FRANGO.
– Epa, traduza, Vô.
– Ela quer dizer “chamo os vivos”, “choro os mortos”, como você acaba de aprender.
– E o frango?
– Arre, impaciente. Isso quer dizer “parto os raios”. Isso porque se acreditava que os raios numa tempestade eram desfeitos pelo tocar dos sinos. É do verbo frangere, “partir, quebrar”.
E agora vá para casa antes que eu precise tocar um sino para avisar que estou sendo atacado em minha cidadela.