Palavra cobrador

Tia Odete A Caminho Da Aula

– Com licença, com licença! Epa, desculpe, meu senhor, pisei no seu pé. Desculpe, minha senhora, bati com a minha bolsa na sua cabeça. Desculpe, meu rapaz, pelo joelhaço. Claro que, se não estivessem tão esparramados, isso não teria acontecido, mas tudo bem, eu sou bem-educada.

Bom dia, Senhor Cobrador. Deposito em suas mãos o valor pecuniário de minha passagem. Hum, o senhor me está parecendo tão entediado que vou aproveitar para lhe contar a origem do nome de sua função.

Cobrador vem de cobrar, evidentemente. E cobrar não tem nada a ver com cobra, não, como poderia aventar algum candidato a etimologista menos avisado. O nome do ofídio vem do Latim colubra, “cobra, serpente”, e o verbo de que falamos vem de recobrar, que vem do Latim recuperare, “obter de volta, recuperar”.

Vou-me sentar logo aqui perto do senhor, só para continuar animando-o. Olhe só a catraca que gira a cada passageiro. Que bonita! Imagino que o senhor saiba que o nome dela é uma palavra onomatopaica, ou seja, que imita som que ela faz.

Ela também é chamada de roleta, pela semelhança com esse aparelho que gira para tirar o dinheiro alheio. Roleta vem do Francês roulette, do Latim rotella, diminutivo de rota, “roda”.

Outro nome dado a ela (por que será que gastaram tantas palavras com isso?) foi borboleta, pelo aspecto das “asas” da catraca. A origem desta parece meio controversa, mas parece que veio do Latim papillio, “borboleta”.

Mas eu me esquecia de lhe explicar que estamos dentro de um ônibus, palavra que em Latim quer dizer “para todos”.

Hoje isso pode parecer um pouco estranho, mas inicialmente queria dizer “para todas as classes sociais”, o que foi uma mudança importante nos costumes, já que até então o camponês não podia viajar com o fidalgo.

A palavra foi aplicada ao primeiro veículo de transporte público na França, em 1828. Não preciso dizer que, obviamente, ele era puxado a cavalo. No ano seguinte, o nome foi adotado por uma linha de transporte em Londres e a palavra seguiu seu trajeto de sucesso.

Não podemos esquecer a origem do nome do cargo do moço que tão bravamente nos leva aos nossos destinos, o motorista. Ei, o senhor aí, ao guidom, está ouvindo? O nome do seu cargo deriva do Latim motor, “o que confere movimento”, do verbo movere, “deslocar, mover”.

Esse senhor pode também ser chamado de chofer, do Francês chauffeur, “operador de máquina a vapor – e, por extensão, de outras máquinas”. E isto vem de chafer, “aquecer”, que vem do Latim calefare, “aquecer as mãos esfregando-as”. A origem deste verbo é calefacere, de calere, “estar quente” mais facere, “fazer, tornar”.

Assim, senhor chofer, a sua atividade se liga a um romano, há muito tempo, sentindo frio nas mãos num dia de inverno.

Mas, já que falei em guidom, saiba que esta palavrinha vem do Francês guidon, de guider, “guiar, liderar, conduzir”. Ela não vem do Latim e sim do Frâncico witan, “mostrar o caminho”, do Germânico antigo wit, “saber”.

Para guiar este portentoso veículo, senhor motorista, vejo que o senhor manobra também essa alavanca das mudanças. Informo que alavanca parece vir de “alar”, no sentido de “erguer”, mais uma palavra derivada do Lombardo panka, “tronco, madeira”, que também originou banco, seja este aqui onde pousamos nosso traseiros cansados ou onde guardamos nossos dinheiros suados.

Certamente não podemos nos esquecer dos senhores passageiros: são os que passam, que vão a algum lugar, do Latim passus, “passo”, que é o particípio passado de pandere, “esticar (as pernas)”. Este verbo vem do Indo-Europeu pete-, “espalhar, alargar”.

Este veículo, senhoras e senhores – aproveitando o ensejo, informo que tal palavra vem do Latim vehiculum, “meio de transporte, veículo”, de vehere, “levar, carregar”, do Indo-Europeu wegh-, “ir, carregar”.

Como eu dizia, este veículo nos leva por um trajeto predeterminado. Este substantivo vem do Latim trajectus, “atirado, lançado sobre”, particípio passado de trajicere, “atirar sobre, por cima de algo”. Este verbo é formado por trans-, “através, sobre” e jacere, “lançar, atirar”.

Pode-se dizer também que o ônibus tem uma rota definida. Rota vem do Latim rumpere, “quebrar, romper” e se aplicou no particípio passado, ruptus, a um caminho rompido, aberto com golpes.

Nossa rota passa por avenidas, que vêm do Francês avenue, feminino de avenu, particípio passado de avenir, “chegar”. Inicialmente a palavra era usada na linguagem militar, com o sentido de “meio, via de acesso”.

Além das avenidas, passamos pelas ruas. Tal palavra vem do Latim ruga, “ruga, dobra, sulco”. Isso porque, nas épocas do início de Roma, as ruas todas tinham profundos sulcos, deixados pelas rodas das carroças, o que lhes dava um aspecto de enrugadas, sulcadas.

Isso me lembra algumas colegas que, quando se sentem sulcadas pelas carroças do Tempo, vão correndo ao cirurgião plástico e acabam tão expressivas quanto o piso de um estacionamento vazio. Qui, qui, qui!

Não vou dizer que caminho vem do Celta kamm, “vir”, porque imagino que todos saibam.

E olhem ali a sinaleira no cruzamento! Que bonita, que colorida! Tal nome vem do Latim signum, “sinal”, pois é ela quem nos dá sinais para que o tráfego seja ordenado. É por isso que ela é chamada também de semáforo, do Grego semaphoros, “o que leva um sinal”, de sema-, “sinal”, mais phoros, “portador”, do verbo pherein, “levar”.

Já que eu falei no cruzamento das ruas, ele tem que ver com a palavra crucial, que anda na moda ultimamente. Crucial como “crítico, decisivo”, vem de um termo de Lógica, Instantia Crucis, referente às tabuletas existentes nos cruzamentos das estradas. Elas se situavam em cruz e levavam o viajante a tomar uma decisão, escolhendo um caminho ou o outro.

E as ruas não são formadas só pelas vias para veículos; existem partes delas que são só para os pedestres, as calçadas. Elas se chamam assim porque, em Latim, calcare era “pisotear, bater com pés, calcar”. Esta palavra originou também calcanhar e decalco.

Mas, senhores passageiros, senhor cobrador, senhor motorista, eis que chega o momento da minha descida, com o que vou ter que interromper esta nossa tão animada conversa. O senhor cobrador está com um ar bem diferente de quando entrei, embora eu não o possa definir muito bem.

Dirijo-me agora ao meu local de trabalho, que consiste em tentar controlar um pequeno grupo de demônios com forma de gente. Na verdade, tenho certeza de isso eles não são; acredito que os cientistas do governo tenham feito experiências genéticas com primatas, do qual resultaram aqueles seres que colocaram na minha classe mas que de humanos pouco têm.

Que se vai fazer? Nem todos podemos escolher nosso meios de sobrevivência. Até logo, bondosos e interessados companheiros de viagem!

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