TIA ODETE VAI À BIBLIOTECA
– Bom dia, caro senhor que ostenta tão garboso uniforme, eu gostaria de consultar… Ah, o senhor é da Segurança, para consultas devo falar com o pessoal do Atendimento, lá dentro? Agradecida pela gentileza.
– Bom dia, senhorinha que fica atrás do balcão, preciso fazer consulta a uns livros; será aqui? É? Que bom! Eu gostaria de ver uns livros sobre…
Ah, preciso dar meu nome antes? Muito bem, vamos lá. Meu prenome é Odete, um derivado feminino de Odon ou Oton, do Germânico Otto, que vem de auda, “propriedade, riqueza”.
E o sobrenome é Sinclair. Odete Sinclair. Está certo, não é meu sobrenome de nascimento, mas afinal cada um tem o direito de fazer certas escolhas na vida, ainda mais quando já se passou dos trinta e cinco há algum tempo e se é professora de um grupo de crianças que enlouqueceriam qualquer santo, que dirá uma simples mortal.
Oh, céus, pela expressão da senhorinha vejo que me esqueci de algo fundamental, que é explicar a origem do sobrenome que escolhi, que vem de Saint Clair, um santo cujo nome vem do Latim clarus, com o significado de “brilhante, distinto”.
Mas, enfim, hoje vim aqui a esta Biblioteca, palavra que vem do Grego byblion, “papel, rolo com escrita”, de Byblos, “papiro”.
Mas preste atenção, que este era na verdade apenas o nome do porto de onde era enviado esse material. Esse lugar fica na antiga Fenícia, hoje Líbano, e é considerado a cidade mais antiga em habitação contínua do planeta.
Dali era exportado para a Grécia e arredores o material de escrita chamado papiro, feito a partir da planta do mesmo nome, uma espécie de caniço.
Essa palavra acabou virando o nosso papel.
E com este são feitos os livros, do Latim liber, “livro, papel, pergaminho”, originalmente “parte interna da casca das árvores”, do Indo-Europeu leubh-, “descascar, retirar uma camada”. Deles se originou a palavra livraria, “local onde se vendem livros”.
Estes objetos não têm agora tanto uso como antigamente. Como a minha simpática e um pouco espantada interlocutora sabe, são guardados em estantes, que derivam do Latim stans, “o que está, que fica de pé”, de stare, “estar, ficar de pé”. Uma estante deitada não teria muito uso, não lhe parece?
E são protegidos por capas. Elas se chamam assim por causa do Latim capa, de caput, “cabeça”; o capuz das roupas para o frio recebeu este nome porque recobre a cabeça. A relação entre proteção do corpo e do livro é óbvia, mesmo para pessoas mal-preparadas.
A parte de trás da capa se chama contracapa, de óbvio significado.
Eles apresentam também uma lombada, que une as folhas, do Latim lumbus, “costas, espinha dorsal, espinhaço”.
Já que falamos em folhas, estas vêm do Latim folium, que designava inicialmente as folhas das plantas e depois as de papel, devido à espessura.
As folhas são presas por uma borda dobrada à lombada por meio de cola, do Grego kolla, “grude, goma, cola”.
E não nos esqueçamos que borda vem do Germânico bord, “lado, extremidade, limite”.
Os pequenos caderninhos formados pelas folhas são presos entre si por uma costura, do Latim consuere, “coser”.
Num livro podemos encontrar, como meio de facilitar a leitura, partes relacionadas ente si que se chamam capítulos. Esta é outra palavra que vem de caput e quer dizer “cabecinha”, acho eu que por iniciar ou encabeçar uma nova divisão de um livro.
Se um livro é muito grande, pode ser repartido em volumes, do Latim volumen, do verbo volvere, “ato de fazer rodar” que acabou se aplicando aos livros da época de Roma antiga, aqueles que eram de papiro e a gente precisava fazer girar na mão para ler.
Seja como for, meu escopo neste momento é fazer um consulta, que vem do Latim consultare, “receber o conselho de”, relacionado a consulere, “aceitar um conselho, considerar maduramente”, originalmente “chamar junto”, de com-, “junto”, mais selere, “reunir”.
Essa consulta é fundamental para os estudos a que estou me dedicando como consequência de minha atividade. Essa palavra vem do Latim studiare, de studium, “estudo, aplicação”, originalmente “ansioso por fazer algo, sério”, de studere, “ser diligente”.
Gostaria de saber, enfim, se entre os títulos desta notável biblioteca existem algo sobre temas como “Aplicação de Corretivos”, “Palmatória”, “O Método de Fazer Ajoelhar Sobre Grãos de Milho”, “Da Solitária como Veículo para a Volta à Razão”, “Uso de Máscaras Assustadoras para Garantir o Futuro das Crianças” e outros assuntos correlatos, pois pretendo fazer a obra definitiva sobre a área.
Gentil Senhorinha? Ué, ela saiu correndo.
Deve estar passando meio mal, a coitadinha. Foi-se embora sem nem conseguir agradecer por tanta coisa que lhe ensinei.
Bem, meu tempo escasseia, preciso corrigir os Trabalhos de Conclusão de Curso de meus aluninhos do Maternal. Voltarei outro dia para ser atendida pela Gentil Senhorinha.