No escritório empoeirado do detetive etimológico X-8, esta é mais uma noite comum de trabalho. Ele está se dando muito bem com o atendimento de grupos de palavras com sentidos semelhantes para lhes mostrar as origens.
Elas guardam seus trocados para ficar sabendo de onde vieram, e isto o grande profissional lhes dá.
Claro que ele cobra a sua taxa de serviço, mais adicionais por pesquisa em becos escuros do vernáculo, risco de vida enfrentando a máfia da etimologia popular, gastos com transporte entre sites e bibliotecas, essas coisas todas.
Mas, enfim, quem quer um bom serviço há de pagar por isso.
Esta noite sua clientela é composta por palavras que expressam a incômoda ideia de devedores.
É um grupo de palavras que olha para os lados, com desconfiança, temerosas de que um credor lhes salte em cima a qualquer momento.
Percebendo isso, X-8 trata de ser breve, para aliviar aquela sensação de inquietude que paira como nuvem de fumaça no seu escritório.
– Boa noite às minhas prezadas clientes. Desde já dou por iniciados os nossos trabalhos em prol da cultura, dando a origem aqui de dívida. Ela vem do Latim debita, “quantias devidas em dinheiro”, de debere, “dever, ter uma quantia a pagar”, originalmente “manter algo afastado de outra pessoa”, de de, “para fora”, mais habere, “ter”. Ou seja, quando se deve alguma quantia, ela deve ser considerada como já não estando com o dono.
Pelo menos essa é a teoria. Ah, antes que eu me esqueça, débito tem a mesma origem e significado.
Mais ali no fundo, olhando para todos os lados, temos calote. Na realidade não há certeza sobre sua origem, cara palavra. Uma hipótese aventada é que venha do Francês culotte, com o sentido de “pedra que sobra na mão do jogador no jogo de dominó”, “perda de pontos obtidos dentro de um jogo”.
Sumida entre minhas clientes se encontra crédito, que é o que sai pela janela quando a inadimplência entra pela porta. Ela vem do Latim creditum, “algo emprestado, objeto passado em confiança a outrem”, particípio passado de credere, “acreditar, confiar”.
Ou seja, ao emprestar alguma coisa se deve ter confiança na outra pessoa. Muitas vezes isso acaba não dando certo.
Logo aqui junto à minha humilde pessoa se vê pindaíba, palavra que hoje em dia expressa uma situação muito comum.
Estar na pindaíba é “estar sem recursos, estar na miséria”. Deriva do Tupi, do nome de uma planta que era usada para fazer varas de pesca, a pinda′iwa, formada por pi′nda, “anzol”, mais iwa, “haste”. A razão exata dessa associação de sentidos não é bem clara; dizem uns que viria do fato de que, quando a pessoa está reduzida a viver só do que consegue pescar, é porque está feio o seu lado financeiro.
É uma explicação razoável. Mas, quanto à prezada cliente moratória, temos certeza da origem: vem do Latim moratorius, “o que tende a atrasar”, de morari, “atrasar, retardar”, de mora, “atraso”, que veio do Indo-Europeu mere-, “atrasar”.
Falando em atrasar, podemos informar que esta vem de “atrás”, do Latim trans, “além, para lá de”. Expressa a certeza de que uma dívida está pelo menos momentaneamente inatingível para o credor.
Já a reputação é quem fica atingida quando ocorrem os problemas que estamos citando hoje. Ela derivou do Latim reputatio, “consideração”, de reputare, “refletir sobre, estimar, calcular”, de re-, “de novo”, mais putare, “pensar, supor, calcular”, originalmente “podar”.
Falando nisso, também temos conosco hoje conta, que nomeia aquele papelzinho tão assustador de se receber quando atrasamos algum pagamento. Vem do Latim computare , “estimar, presumir uma quantidade”, formada por com, “junto”, mais putare.
Não costumamos atender a consultas sobre a origem das expressões, mas não conseguimos resistir ao olhar pidão de a pau e corda, ali na esquerda, que se infiltrou espertamente no grupo.
Ela vem de épocas em que as cargas eram levadas por seres vivos, não caminhões. Quem tinha mais posses arranjava uma carroça, um carro de boi, um conjunto de muares. Mas quem estava mal de grana mesmo tinha que se arranjar com o auxílio de gente, que pendurava os objetos numa vara, amarrados com cordas.
Épocas duras!
E as finanças, que são as prejudicadas quando as dívidas pesam? Eis uma palavra que veio do Francês medieval finance, “término de uma dívida, quitação”, que veio do Latim finis, “fronteira, limite, fim”. A relação é com o significado de “fim da dívida”.
E quando uma dívida finalmente é encerrada, dizemos que ela foi quitada. Esta vem do Latim quietus, “sereno, calmo”. Pode-se pensar que com esse ato ela deixa de ser um motivo de agitação, de preocupação.
Tudo isso são agitações da economia pessoal. Esta palavra deriva Latim oeconomia, do Grego oikonomia, “administração de uma casa”, de oikos, “casa”, mais nomein, “gerenciar, colocar em ordem”, de nomos, “lei”.
Em termos de dívida pesada, aqui encontramos hipoteca. Sua origem é o Grego hypotheke, “depósito, garantia, hipoteca”, de hypo, “abaixo”, mais theke, “caixa, depósito”.
Olhando-nos com certo ar de superioridade, está aqui o tão conhecido déficit, do Latim deficit, “aquilo a que falta algo”, de deficere, “revoltar-se, faltar, falhar”, de de-, “para fora”, mais facere, “fazer, realizar”.
E inadimplência ali, tão pomposa, deriva do Latim in-, negativo, mais ad, “a, em”, mais implere, “encher”. Ou seja, descreve a situação em que alguém deixou de honrar, de completar uma dívida.
Bem, percebo que as palavras presentes estão meio ansiosas por sair para o ar fresco lá de fora e já lhes passei um razoável panorama sobre suas origens. Assim, despedimo-nos aqui e lhes desejo uma boa noite.
Cuidem-se, que o bairro é perigoso.