X-8, o detetive das palavras, aguarda em seu escritório em preto e branco que cheguem as 20 horas. Ele é pontual e exige o mesmo dos outros.
Quando o velho relógio de pêndulo encostado à parede emite a oitava badalada, ele abre a porta que dá para o corredor.
Do lado de fora, o conhecido corredor atapetado de lixo que seria proibido pelas autoridades sanitárias em qualquer país do mundo. Encostados à sua parede, diversos vultos que aguardam em silêncio.
O bravo detetive dá um passo para trás e faz um sinal com a mão enluvada. Os vultos – suas palavras-clientes – vão entrando, recebendo um cumprimento silencioso da cabeça oculta pelo chapéu.
As palavras se acomodam nas cadeiras e bancos que estão arrumadas em frente à titânica escrivaninha do profissional.
Este tinha pegado emprestados uns assentos extras com a Pizzaria do Porco, poucas quadras adiante. Ele estava com certa pressa, pois o citado Porco, dono do estabelecimento, tinha dito que as cadeiras iam chegar de volta até às dez da noite.
Porco, quando queria, podia ser muito conciso e expressivo.
Assim, X-8 fechou a porta depois que a última cliente se acomodou e começou sem delongas:
– Muito bem, queridas palavras-clientes, aqui estamos na segunda edição de nosso festival “A Noite dos Parônimos”. Caso alguém ainda não saiba o que é isso, este termo
vem do Grego paronymos, “de nome semelhante”, formada por para-, “ao lado”, mais onymos, “nome”.
Trata-se de palavras que se assemelham na escrita e/ou na pronúncia, o que gera nelas muita tensão psicológica e não poucos problemas de personalidade, ao notarem que seus usuários muitas vezes se confundem.
Vamos então começar a ver os casos de cada dupla que veio aqui se informar mais sobre suas origens.
Começando aqui pela frente, vejo estático e extático. Vejam, a primeira vem do
Grego statikos, “o que leva algo a ficar em pé”, de histanai, “fazer ficar de pé”.
O sentido científico de “ramo da Mecânica que lida com corpos em repouso” iniciou em
1802. O de “eletricidade gerada pela fricção” é de 1839. E o de “ruído de fundo num receptor de rádio” nos vem de 1913. Logo se vê que é uma palavra de muito uso em
Ciência e Tecnologia.
A palavra corou e sorriu modestamente, encabulada.
– Ao seu lado temos extático, também do Grego; originalmente era ekstatikos e queria
dizer “instável, que não se mantém no lugar”, sendo formada por ex-, “fora”, mais o histanai que há pouco citamos.
Depois passou a significar “deslocamento, espanto, entrada em transe”, este sentido
derivando da ideia de “ser deslocado para fora da própria mente”. Uma parente é êxtase, muito usada por poetas de qualidade duvidosa.
Logo atrás vemos, portando um certo ar de culpa, a dupla imoral/amoral. Vamos, pessoal, vocês não precisam ter esse jeito envergonhado, o que vocês representam é feito pelos seres humanos, não por vocês.
Imoral vem do Latim immoralis, formada por in-, “não”, mais moralis, “conduta adequada de uma pessoa em sociedade”, literalmente “relativo aos modos, às
maneiras”, de mos, “disposição própria, tendência, maneiras”.
E sua parceira amoral vem também de moralis, mas com o prefixo grego negativo a-,
aqui com o sentido de “sem, desprovido de”. Refere-se a algo ou alguém ética ou moralmente neutro, sem definição nem positiva nem negativa.
Muitas pessoas se atrapalham um pouco ao lidar com essa dupla.
Tocando em assuntos mais materiais um pouco, saúdo aqui o par buxo/bucho. O primeiro designa certo gênero de árvores e arbustos muito usados para cercas-vivas e trabalhos ornamentais. Mas todos que se cuidem: suas folhas e flores contêm um alcaloide purgativo.
Sua origem é o Latim buxus, do Grego pyxos, o nome da planta.
E nosso conhecido bucho parece derivar do Latim musclu, de musculum, “músculo”. A ligação não está clara, talvez se deva a algum romano que queria dizer que aquela sua barriga de cerveja era puro músculo.
Agora, aquelas duas ali sim é que se prestam a confusão, pois a escrita delas é idêntica. Molho e molho… Qual das duas trabalha na cozinha?
Uma delas levantou a mão. A pergunta de X-8 era apenas retórica, pois a palavra portava um avental bastante manchado de tomate.
– Você vem de molhar, “encharcar”, originalmente “tornar macio o pão mergulhando-o em algum líquido”, do Latim mollis, “macio, suave, mole”.
E o outro molho, que se pronuncia com “Ó” aberto, vem do Latim manuclus, de manipulus, “feixe, conjunto de objetos que pode ser agarrado com a mão”, por sua vez de manus, “mão”, mais a raiz de plere, “encher”.
Recomendo aos usuários muito cuidado com a pronúncia, para não se botar o molho de chaves no macarrão e o molho à Carbonara no bolso.
E olhem ali: apresento uniforme e oniforme.
Esta vem do Latim omniformis, “aquilo que assume todas as formas”, formada por omni,
“todos”, mais forma, “molde, aspecto, aparência”.
E sua companheira vem de unus, “um”, mais forma. Ou seja, o que tem só uma forma,
um só aspecto. Já imaginaram se num exército os soldados resolvessem se vestir cada um de um jeito? Seria o caos.
Para terminar por hoje, já que tenho um compromisso dos mais sérios daqui a pouco com um conhecido empresário da praça, vamos analisar ali descrição e discrição.
A primeira vem do Latim descriptio, “representação de algo, cópia”, de describere,
“transcrever, contar, esboçar”, formada por de-, “para fora”, mais scribere, “escrever”. E discrição vem do Latim discretio, “discernimento, capacidade de fazer distinções”, de dis-, com a mesma função que de-, mais cernere, “distinguir, separar, peneirar”.
Prezadas clientes, é chegada a hora de cobrar pelos momentos de êxtase e sabedoria que minha presença lhes deu. Passem aqui pela minha escrivaninha e deixem meus
honorários, assim… obrigado, mais um pagamento aqui… obrigado… tome o troco…
Voltem sempre! Cuidem para não escorregar no lixo da escada.