– Santa Gertrude que me ajude! São Martinho, segurai aquele demoninho! São Benedito, evitai meu faniquito! Santa Prolegômena, acalmai aquela fenômena! Santos amados, perdoai os meus pecados! Santos queridos, aquietai estes bandidos!
Cri-an-ças! QUIETAS!
Nem vou perguntar por que vocês estão nessa agitação e gritaria, pois esse é o estado normal deste rebanho. Imagino o que os seus pais não passam em casa. Bem feito, quiseram ter filhos…
Ah, a briga toda foi porque a Ledinha viu a bonita camélia que está na minha mesa e disse que decerto ela se chama assim porque os camelos só se alimentam dela e aí alguém a chamou de burra porque camelo só come pedra e areia e aí ela se incomodou e puxou os cabelos mais próximos, que eram os da Valzinha, que estava contando umas coisas sobre a vizinha da frente e aí deu uma rasteira no Joãozinho, que andava fazendo coisas misteriosas com um espelhinho, e então ele empurrou o Arturzinho, que estava comendo bolo e caiu sobre a barriga do Soneca, que estava dormindo, para variar, e acordou emburrado e rasgou os escritos do Zorzinho, que deu um pontapé numa cadeira e com isso derrubou a Lúcia, que estava sentadinha com seu vestidinho branco, de pezinhos cruzados…
E foi aí então que começou a bagunça para valer. Certo.
Agora, enquanto me resta um último pingo de sanidade, vamos todos sentar aqui em roda – Joãozinho, do meu lado! – e eu vou explicar umas coisas sobre nomes de flores que vieram de nomes de gente.
Lembrei-me desse tema porque é o caso dessa flor. Ela vem do sobrenome de um jesuíta italiano, o Padre Camelli, que no século 17 levou mudas dessa flor do Oriente para a Europa. Foi uma bonita honraria, não?
E houve mais flores cujo nome foi dado desse jeito – como, Lucinha? Não, meu bem, nem todas receberam seus nomes no Jardim do Éden. Simplesmente não deu tempo para dar nomes aos bois antes que Adão e Eva arranjassem confusão por lá. Ou talvez não coubessem ali todas as espécies, pense bem…
Mas podemos citar a begônia, que se chama assim por causa do nome de uma autoridade da Ilha de São Domingos, no Caribe, Bégon. O botânico que escolheu o nome ou era seu admirador ou estava querendo alguma licença para explorar mais a ilha.
Esse mesmo botânico, Plumier, gostava de fazer isso, pois deu o nome de seu colega Pierre Magnol a outra flor, a magnólia.
Para não dizer que, em 1703, nomeou a fúcsia a partir do botânico alemão Leonard Fuchs. Este senhor havia morrido em 1566 mas Plumier o homenageou, provando que não era apenas um interesseiro.
A buganvília, essa árvore que dá flores tão escandalosamente vermelhas e bonitas, recebeu esse nome a partir do navegador francês Louis Antoine de Bouganville. Os franceses, com sua galanteria, sabiam agradar às pessoas.
Não, Ledinha, a hortênsia não se chama assim por causa de uma jogadora de basquete, não. É o contrário, até: deram à menina o nome da flor. O nome desta vem do Latim hortus, “jardim cercado, plantação”.
Temos a dália, que foi enviada pelo explorador Alexander von Humboldt do México para o Jardim Botânico de Madrid em 1789, onde recebeu o nome do botânico sueco Anders Dahl, que havia falecido naquele ano.
Existe a zínia, que homenageia o anatomista e botânico alemão Johann Gottfried Zinn, que foi o primeiro a publicar um livro com a descrição anatômica acurada da estrutura do olho humano.
Falando nisso, a gardênia – ah, lá pulou o Robertinho a dizer que esse nome vem de garden, “jardim” em Inglês. Olhem como ele está faceiro, achando-se esperto!
Pois não é isso, rapazinho, sinto muito. O nome vem do Dr. Alexander Garden, médico e botânico que viveu nos Estados Unidos, colecionando muitas plantas e animais. Ele mantinha intensa correpondência com naturalistas europeus, entre os quais Lineu. Este era o grande botânico sueco que se dedicou à classificação da matéria.
Parece que o Dr. Garden, desejoso de ser lembrado, pediu a Lineu que nomeasse uma flor com o seu nome e foi atendido com a gardênia, em 1760.
Ai, que lindas minhas crianças, paradinhas que nem flores em meu jardim prestando atenção…
Bem feito por boca grande. Quem me mandou falar? Agora elas se lembraram que estavam brigando há pouco e voltaram a trocar sopapos.
Quietos todos! Ou eu trago a minha tesoura de podar e corto as línguas de vocês!
Nada como um pouco de suave e refinada psicologia para contornar certas situações.
Mas, como eu ia dizer logo antes de falar besteira, não são apenas as flores que recebem nomes de gente, não. Sabem a sequóia, a árvore mais alta do mundo, que cresce na Califórnia? Ela recebeu o nome de um índio norteamericano que viveu entre 1770 e 1843, Sequoya. Ele era um pensador; chegou à conclusão de que o poder do homem branco vinha da sua capacidade de usar um idioma escrito. E provavelmente tinha razão.
Vai daí que Sequoya passou doze anos fazendo um alfabeto com 86 letras para representar os sons do idioma Cherokee. E que, aliás, foi um sucesso, pois em seguida se começou um jornal nesse idioma e foi feita uma Constituição para o seu povo.
Quem deu o seu nome à árvore foi o botânico húngaro S.L. Endlicher, em 1847. Grande homenagem, certamente.
Existe uma flor que um tal de van Gogh pintou num quadro belíssimo, a íris. O nomezinho dela vem da deusa Íris, que era uma mensageira de Juno, a Sra. de Júpiter. Esta deusa descia do céu pelo arcoíris para trazer as mensagens divinas para a humanidade. Devia ser gostoso, deslizar por sobre as cores, não?
Não, Deli, não se sabe como é que ela fazia para subir se aquilo era escorregadio e deixe de tirar a graça das coisas.
Falando em deusas, a palavra Flora, que designa o conjunto de plantas de um lugar, vem da deusa romana Flora, a quem eram dedicadas as flores, a juventude e a primavera. Em honra a ela eram comemoradas festas anuais, as floralia, onde acontecia cada coisa que vocês nem desconfiam e vamos passar adiante logo que o Joãozinho está com aquele brilho no olhar.
Já que citamos coisas antigas como essas deusas, sabem a eufórbia, que dá flores de um vermelho tão escandaloso? Pois se conta por aí que quem lhe deu esse nome foi o rei Juba II, da Mauritânia, no século I AC, em homenagem so seu médico pessoal, que se chamava Euphorbus.
E com isso chegou a hora de minhas florezinhas queridas irem se despedindo e indo embora, que o sacramento do batismo perdoe o meu cinismo.