Palavra ignorar

A Fala

Crianças! Quietos, todos!! A turma hoje está incontrolável. Valzinha, pare de falar. Val, eu já disse… Muito bem, você pediu. Meninos, amarrem a Val na cadeira e passem-lhe uma mordaça na boca. Assim… isso… Cuidado para não machucar. Bem. Aaahh… Não é melhor, um pouco de silêncio?

Já que tivemos problemas com a fala, nada mais justo que hoje a gente aproveite para lidar com a origem de algumas palavras ligadas à comunicação.

Por exemplo, “falar” vem do Latim fabulare, que vem de fabula, que quer dizer “rumor, diz-que-diz, conversa familiar, lenda, mito, conto”. Atualmente, se usa em Psiquiatria o termo fabulação, significando uma grande produção de palavras com pouco conteúdo. É um sintoma mais comum do que se pensa.

Quando uma pessoa fala, ela está se comunicando. Esta palavra vem do Latim communicare, “usar em comum, partilhar”. No caso, ela está partilhando – sejam de interesse ou não – informações.

E esta palavra vem também do Latim, de informare, “modelar, dar forma”, de in mais formare, “formar”. Daí surgiu a conotação de “formar uma idéia de algo”, que passou depois a “descrever” e mais tarde se generalizou em “contar algo a alguém sobre alguma coisa”. Às vezes a gente tem que ouvir cada coisa que não interessa sem poder fazer nada…

Hein? Não, senhores! Tudo o que eu digo aqui interessa muitíssimo a Vossas Senhorias! Talvez, quando vocês forem fazer o Vestibular, já se exija Etimologia como matéria básica para entrar em qualquer Faculdade. Se eu estiver viva até lá, ou seja, se vocês não me causarem um infarto em plena aulinha, ainda podem me encontrar num cursinho pré-vestibular ou fazendo as questões para a prova.. Portanto, é bom prestarem muita atenção.

Tá bom, tá bom, a Titia já está mais calma. Obrigada pelo copo dágua, Humbertinho.

Vamos continuar: às vezes, a gente comunica conhecimentos, tal como eu vivo me sacrificando para fazer com vocês, bando de ingratos.

Esta palavra vem de uma base Indoeuropéia gn-, que gerou, em Grego, gnosis, “conhecimento” e seus derivados. Gnóme significava “razão, entendimento”. Um sujeito chamado Paracelso mais tarde daria esse nome a entidades espirituais ligadas ao conhecimento, daí o nome dos gnomos, seres que andavam pela floresta assombrando as pessoas e provavelmente levando a culpa por malfeitorias bem humanas.

Temos mais derivados importantes dessa raiz. Um deles é diagnóstico, de dia, “através” e gignósko, “conhecer, saber”. O nome de uma doença é descoberto “através do conhecimento”, após avaliar os sinais e sintomas.

Usa-se muito também a palavra prognóstico. Esta vem de pro, “antes” mais gignósko. Significa “saber antes, prever”. Por exemplo, eu faço os prognósticos mais horrendos sobre o futuro de crianças que não querem estudar e nem sequer se comportam bem em aula. Tomem o exemplo do Soneca, ali: ele nunca estuda, mas em compensação dorme o tempo todo e não incomoda. O único problema é acordá-lo no fim do horário para ele poder ir dormir em casa.

Em Latim, essa raiz gerou noscere, “saber, conhecer” (mais para o lado de conhecer). Daí temos, por exemplo, cognição, “conhecimento, ato de saber”, coisa que faz falta a muito aluninho meu que não se aplica bem nos estudos.

Temos também incógnito, de in, partícula negativa, e cognito, conhecido. Uma pessoa incógnita é uma pessoa que passa despercebida. Tipo estrela de cinema que chega de óculos escuros e peruca numa baita limusine cercada de seguranças porque não quer ser reconhecida nem incomodada ao fazer suas compras.

Ignorar tem a mesma origem; quer dizer “não saber”. Coisa feia, uma criança não estudar direito e acabar sendo um adulto ignorante. E não esqueçam: não há prova mais concisa de ignorância do que xingar outra pessoa de inguinorante, como eu já vi acontecer.

Um desaforo que agora está fora de moda é néscio. Isso quer dizer “aquele que não sabe”, do Latim ne, “não” mais scio, de scire, que é mais propriamente “saber”. Ou seja, se algum dia eu chamar algum de vocês de néscio, podem chorar.

Às vezes, uma pessoa desfia uma conversa sem parar. Na verdade, ela não está conversando, está monologando. Conversari, em Latim, queria dizer “viver em companhia, freqüentar” – ou seja, exige um intercâmbio entre as pessoas. Já monologar vem do Grego monos, “um” e legein, “falar”. Indica uma única pessoa falando.

Muitas vezes se usa a comunicação para difundir idéias. Essa palavrinha vem do Latim di, “embora, para longe, afastado” e fundere, “derramar, verter”. A palavra transmite a idéia de espalhar um líquido. Este fundere, aliás, originou, por exemplo, fútil; originalmente, futilis significava “derramamento, gotejamento”. Acabou tendo o sentido de “leviano, vão”, provavelmente da noção de que apenas secar o chão quando se tem uma goteira em casa não resolve o problema.

Outro derivado de fundere é o uso da palavra fonte para os tipos de letra que a gente usa em tipografias ou no computador. Elas eram fundidas em metal, por isso receberam esse nome.

Transfusão também tem essa origem: vem do Latim trans, “através, cruzando, de um para outro lado” e fundere, isto é, “derramar de um para outro”.

E quando a Tia Odete conta essas coisas para os aluninhos que ela adora mas que gostaria de estrangular quando estão agitados, está usando uma palavra que vem do Latim computare. Por sua vez, ela é formada de com, “junto” e putare, “supor, imaginar, fazer estimativa”. QUIETOS!! Parem já com esses sorrisinhos tortos! Cabeças sujas! Indecentes! Parem de pular e deixem-me contar direito…

Por exemplo, existe o que se chama de legítima defesa putativa, alegada quando uma pessoa acha que vai ser agredida por outra e a agride antes. É uma defesa a uma agressão suposta. Ai, meu santo, por que é que fui entrar nessa! Desçam das mesas e das cadeiras!

Já vi que não adianta mais tentar por hoje. Vamos encerrar a aula. Mas antes, ajudem-me a desamarrar a Valzinha, que está toda roxa, coitadinha. E um de vocês acorde ali o Soneca, por favor. Da próxima vez, cada aluninho vai trazer um comprimidinho de Dienpax para que possamos ter uma aula tranqüila. Até lá.

Resposta:

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