Palavra marquês

Nobres

Senhor, guardai-me dos meus arroubos de entusiasmo! Por que é que eu fui propor um dia para fazer uma corte medieval de fantasia aqui na aulinha, para passar noções de História?

Agora olha aí, ninguém quer ser menos que ser rei e rainha. Alguns vieram antecipadamente com as fantasias.

Dez minutos depois de começar a aulinha, nenhuma estava inteira. Ou porque a pestinha estava correndo e tropeçando em tudo ou porque os outros rasgaram. Resultado: choradeiras intermináveis.

A da Bebel a Patty rasgou; a da Patty, a Sheila arrancou; a da Sheila, a Bebel e a Deli descosturaram, tudo de inveja.

Outras foram rasgadas não por inveja mas por safadeza, pelo Joãozinho. Só a Maria Tereza, naturalmente, está sentadinha no canto, insuportavelmente bem-comportada, mas o resto corre e pula como se os demônios estivessem aqui. Ai, quem dera!

Crianças, crianças! Sentem-se em roda agora que a Tia Odete vai contar umas coisas sobre os títulos antigos de nobreza. Isso se a Valzinha tiver a bondade de parar de falar um pouco para que a gente possa pensar.

Quando se fala em cortes antigas, não se imagina que essa palavra se originou do lado de fora dos palácios. Ela vem do Latim cors (antigamente cohors), “pátio cercado”, denominação que se estendeu para as pessoas ali reunidas e depois passou para “os que se reúnem em torno da autoridade”.

E essa palavra se formava por com, “junto”, mais a base hort-, relacionada com hortus, “jardim, lugar plantado”.

Os lugares onde moravam as autoridades tinham que ser especiais; assim que pôde, a humanidade começou a fazer palácios para elas viverem.

Esta palavra vem do Latim palatium, “morada oficial de um soberano”, que era o nome da residência de César Augusto, por ter sido erguida no Mons Palatinus, “Monte Palatino”, uma das sete colinas de Roma antiga.

Por sua vez, a colina recebeu este nome da palavra palus, “estaca”, dando a noção de um lugar cercado.

Pois bem. Então já localizamos a corte, em sua maioria composta por um bando de puxa-sacos, dentro do seu palácio.

Hein? Se eles poderiam estar também num castelo? Muito bem, poderiam, sim. A diferença é que este nome se aplica a um prédio defendido com muralhas. Ele vem do Latim castellum, “vila fortificada”, diminutivo de castrum, “acampamento militar romano, forte”.

Mas, dizia eu, estamos vendo uma reunião da nobreza. O título mais alto na nobreza européia foi o de imperador.

Esta palavra vem do Latim imperator, “chefe, comandante”, um título inicialmente dado a um general romano vitorioso, do verbo imperare, “comandar”, formado por im-, “em”, mais parare, “ordenar, preparar”.

Houve muito mais reis que imperadores, no entanto. Tal palavra vem do Latim rex, “rei”, derivada do Indo-Europeu reg-, “mover-se em linha reta”, daí “dirigir, guiar, comandar”.

Essa raiz gerou também a palavra rajá, “soberano hindu”.

Sim, Valzinha? Você quer saber como era rainha em Latim? Era regina, por quê?

Aann, você vai passar a chamar assim a filha da síndica porque a sua mãe diz que ela é a rainha da sem-vergonhice? Talvez sua mãe esteja enganada… Hum, sempre anda com roupas de grife e não trabalha, só sai com um senhor diferente a cada noite? Está certo, problema delas, mas isso não é assunto para a gente aqui.

Passando muito rapidamente para outra palavra, temos soberano, que vem do Latim superanus, “chefe, comandante”, derivado de super, “acima”. Ele era o que “ficava acima” dos outros.

Há uma palavra que só se usa em relação aos senhores feudais, suserano, “chefe, soberano”. Ela vem do Francês suzerain, derivado do Latim sursum, “sobre, para cima”, contração de subversum, “de baixo para cima”, formado por sub, “abaixo, sob”, mais versum, “virado”.

Tá, Ledinha, eu já ia chegar lá. Quando o rei e a rainha casavam podiam não ser felizes para todo o sempre como nas histórias de fadas, mas que se enchiam de principezinhos e princesinhas, se enchiam.

Essa palavra vem do Latim princeps, “o primeiro, o que vai à frente”, de primus mais a raiz de capere, “tomar, pegar”. Era “o que ia à frente” nas campanhas militares. Pelo menos em tese…

Em Espanha e Portugal há só um príncipe de cada vez, ao contrário dos outros países europeus, onde eles abundavam. Na Península Ibérica, este título estava reservado ao herdeiro do trono. Seus irmãos eram infantes, do Latim in-, “não”, mais fari, “falar”.

Não, Valzinha, não chore por eles. Não quer dizer que eles fossem proibidos de falar (que horror para algumas pessoas, não?), apenas o título era esse porque, em relação ao trono, eles eram desprovidos de poder como se fossem crianças.

Sim, Zorzinho, claro está que o sonho de muito infante era que o príncipe sumisse do caminho. Antes que você possa inventar muita história, vou responder a outra pergunta ali. Hein?

Calma, Danielzinho, já vou explicar a origem dos nomes dos outros cargos.

Para começar, o mais elevado deles depois do rei era o duque. Este nomezinho vem do Latim dux, “o que guia, líder”, que veio do Indo-Europeu deuk-, “guiar”.

Abaixo dele vem o marquês. Essa palavra vem do Francês arcaico marchi, “comandante de uma área de fronteira”, do Latim marca, “fronteira, território delimitante”. Inicialmente era o cargo de alguém que chefiava áreas de terra junto a outros países, coisa sempre mais complicada que no interior. Depois passou a ser apenas um título de nobreza.

Agora vem o conde, do Latim comes, “servidor, companheiro”, formado por com-, “junto, com”, mais ire, “ir”. Ou seja, era o que “ia junto” com o chefe. E que muitas vezes descolava um titulozinho, porque sabia agradar ou porque era verdadeiramente útil.

Depois dele está o visconde, de vicecomes, que começa por vice, “o que está no lugar de”. Era uma pessoa de confiança do Sr. Conde, inicialmente.

E aí vem o barão, do Frâncico baro, “homem livre”.

E, claro, não poderiam faltar os cavaleiros, cujo nome vem de caballus, “cavalo”, o simpático quadrúpede que os levava à batalha.

Os guerreiros montados sempre foram uma força de ataque especialmente temida, pela sua velocidade e força. Nas suas hostes havia mais possibilidade de um soldado se destacar por feitos brilhantes.

Equipar-se para ir à guerra montado também era consideravelmente mais caro, numa época em que nem isso os soberanos providenciavam; portanto, eles pertenciam a famílias de posses.

Sim, meninas, pode ser que um cavaleiro de armadura brilhante chegue para levar vocês dos seus palácios para instalar uma criação de lindos principezinhos; mas, se quiserem um conselho, estudem e parem de pensar em babaquices do estilo. Viu, Bebel?

Podem guardar seus materiais e sair. Façam o favor de avisar em casa que o “Dia da Fantasia de Nobreza” está suspenso porque recém hoje me lembrei que já foi proclamada a República neste país.

Resposta:

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