Palavra muralha

CASTELO

 

Uma vez, quando eu era menino,  perguntei ao meu avô:

– O que são ameias num castelo, Vô? É onde os cavaleiros penduravam para secar
as meias de lata que usavam por baixo da armadura?

Ele me olhou de alto a baixo, tentando esconder seu ar divertido:

– Impressionante. O funcionamento do seu cérebro cada vez mais me faz pensar que você foi comprado como refugo em alguma feira de bebês, e não que faça parte do meu brilhante conjunto genético.

Mas, já que você está com os olhos brilhantes de quem quer saber mais, acomode-se aqui que eu vou lhe contar a origem de algumas palavras relativas a castelo.

Começando por esta, naturalmente. Castelo vem do Latim castellum, “vila fortificada”, de castrum, “acampamento militar”.

Muitos locais onde as legiões romanas erguiam suas tendas acabavam atraindo os comerciantes das vizinhanças, que se instalavam por ali e acabavam fazendo crescer uma aldeia mesmo depois de os guerreiros terem ido embora.

Mais tarde algum senhor local podia erguer uma fortaleza-morada no lugar e assim surgia o que hoje conhecemos como castelo.

– Tá, mas e as ameias?

– Arre, apressado! Essa palavra se originou do Latim minae, que queria dizer “peitoril, projeção” e se situa entre os merlões.

– E isso o que é?

– Sabia que ia pegá-lo com os merlões. Assim eram chamados os espaços elevados que ficavam entre as ameias; nestas os soldados se apoiavam para olhar e disparar projéteis contra o inimigo e os merlões eram a parte elevada, intercalada, que completava a proteção.

Vem do Latim merlo, o nome de certa ave, por comparação feita com quando elas
estavam pousadas numa beirada de prédio.

– Não devia ser difícil ficar lá dentro do castelo, quietinho, durante um cerco, com aqueles muros fortes ao redor…

– Nada disso. Muitas vezes os sitiados eram vencidos e podiam ser passados pela espada junto com a população inteira.

Os muros ou muralhas eram fortes, é verdade. Essas palavras derivam do Latim murus, “parede, muro, cerca”. Mas nem sempre precisavam ser derrubados. Já vi,
num castelo de verdade, o que se chamava “porta da traição”.

– O que era isso, Vô?

– Exatamente o que o nome diz: uma porta escondidinha que permitia a algum enviado sair e discutir ou os termos de uma rendição ou dizer ao inimigo como ele poderia entrar na cidade, em troca de dinheiro ou da vida.

– Que feio, Vô!

– Hum, a humanidade não mudou lá muito até agora. Mas deixe-me contar que as imagens dos castelos que vemos sendo alvo de batalhas, nos filmes, não dão uma grande ideia do que eles eram.

Assim que se tinha notícia de uma expedição inimiga, os defensores erguiam prontamente os manteletes, proteções de madeira colocadas ao longo das muralhas para diminuir os efeitos dos projéteis, desaforos e impropérios que viriam a ser lançados. Deriva do Francês mantelet, “pequeno manto”, do Latim mantus¸“capa, manto”.

– E a tal de ponte lavadiça, era para poderem lavar as armaduras?

Entre risadas, o velho explicou que a palavra era levadiça e que vinha de
“levar” com o sentido de “levantar, erguer”, do Latim levare, “erguer, sustentar,
elevar”, derivado de levis, “de pouco peso, leve, fácil de erguer”.

E seguiu dizendo, tentando controlar o riso,:

– A ponte se erguia sobre o fosso, “afundado na terra, canal, escavação”, do Latim fossus, que servia para atrapalhar mais o inimigo que tentasse se aproximar das muralhas.

– É verdade que eles enchiam o fosso de jacarés e tubarões para comer os inimigos?

– Você está impossível hoje. Claro que não faziam isso! Não por piedade, mas porque não contavam com esses animais à disposição.

Entre as defesas, havia seteiras no muros. Elas eram aberturas estreitas por onde ficava fácil disparar uma flecha e por onde era difícil penetrar um projétil inimigo. Esse nome vem do Latim sagitta, “flecha, seta”.

Havia sempre pelo menos uma torre ou torreão, do Latim turris, “estrutura elevada”, que normalmente tinha uma escada em helicoidal com determinada característica: ela virava para o lado direito de quem subia.

– Por que?

– Para atrapalhar o uso de armas dos atacantes com a mão direita, permitindo que os que estavam acima, defendendo o local, usassem as suas com desenvoltura.

– Aí os atacantes começaram a contratar soldados canhotos para isso…

– Não chegaram a esse ponto, mas teria sido uma boa ideia.

Falando nas torres, a principal delas era a chamada torre de menagem, que vem do Francês mansion, “morada, vivenda”, do Latim manere, “ficar, permanecer”. Ali moravam o senhor e sua família e esse era o último lugar a cair, em caso de luta.

– E esta sua biblioteca serve de castelo para o senhor, Vô?

Ele me olhou longamente e depois disse, com doçura:

– Às vezes penso que sim, meu menino esperto. Mas as portas dele sempre estarão abertas para você.

Saí dali tão contente…

Resposta:

Tia Odete Pede Socorro

– Pelas barbas de todos os profetas e mais alguns! A destruição da espécie humana tinha que começar pela minha cidade e, mais especificamente na minha aulinha, na minha presença!

Cri-an-ças!! Aquietem-se! Parem de destruir a sala, a minha paciência e uns aos outros! Ai, ai, vou ter que apelar para os meus santos de novo.

São Januário que me dê santuário! São Rodrigo que me arranje abrigo! São Duarte que me faça um baluarte, São Sebastião me erga um bastião, Santa Amália que levante uma muralha, perdoando a má rima! Santa Graziela, levai-me para vossa cidadela! São Cirilo, dai-me asilo! Santo Antão, fornecei-me proteção!

Aninha e Tiago, desçam da mesa; Valzinha, pare de falar; Patty, pare de sacudir tudo ao seu redor; Vera, pare de procurar confusão; Claudia, você é nova aqui, não aprenda nada com os seus coleguinhas; Lúcia, pare de ser tão comportada senão você vai ser beatificada ainda em vida.

Larguem tudo e reúnam-se aqui, que quando vocês estão assim só hipnotizando-os com Etimologia.

Estas palavras que bradei em meu desespero ao ver cenas de selvageria explícita que ferem meus delicados sentidos se referem a lugares de defesa contra coisas desagradáveis.

Para começar, falei em santuário, que vem do Latim sanctuarium, “local sagrado, altar”, de sanctus, “santo, sagrado, abençoado”. Na Idade Média, na Europa, um fugitivo ou devedor que entrasse numa igreja não podia ser preso.

Não sei se tiveram a idéia de fazer algo no estilo pelas pobres professoras. Bem que podiam começar.

Depois falei em abrigo, que vem do verbo latino apricare, que queria dizer “tomar sol, defender-se do frio estirando-se ao sol” e, por extensão, “defesa, cuidados”.

Como é, Valzinha? Ahn, uma vizinha lá do seu conjunto gosta muito de tomar sol na sacada do apartamento? Ora, e daí? Ah, sem vestir nada… Bem, decerto ela é muito friorenta e – não, não quero saber o que foi que o marido dela fez quando voltou antes da hora para casa e encontrou um vizinho passando filtro solar nela.

Vamos mudar de assunto e falar em baluarte, originado do Provençal baloart, “muralha”, que veio do Holandês bolwerc, “muro de uma fortificação”, formado por bole, “tronco de árvore”, mais werc, “trabalho, preparação”. Se eu tivesse um baluarte para me proteger de certas condutas alheias seria muito bom.

Um sinônimo pode ser muralha, que vem do Latim murus, “muro de cidade”. Elas eram erguidas para manter os bárbaros do lado de fora, ai que linda idéia!

Mas ainda não inventaram as muralhas portáteis, de modo que eu vou lhes dizer que cidadela quer dizer “fortaleza que defende uma cidade” e veio do Italiano cittadela, “pequena cidade”, de città, “cidade”, do Latim civitas, “cidade”. Naturalmente, as pessoas que habitavam uma cidade eram os cidadãos.

Uma palavra com o mesmo significado de cidadela, aplicada especialmente à cidade de Atenas, é acrópole, de akropolis, formada por akros, “mais alto”, e polis, “cidade”. Esse conjunto de templos ainda existe lá sobre um morro, em ruínas, mas ainda espantando pela sua beleza. Gostaria muito que vocês todos fossem lá passear.

Agora, neste instante, aliás.

Por sua vez, bastião vem do Italiano bastione, aumentativo de bastia, “fortaleza”, que vem de bastare, “ser suficiente, suportar, bastar”, do Grebo bastazein, “erguer um fardo”. Eu bastazo todos os dias de trabalho… E ainda tenho pesadelos em casa!

Olha aí, até Grego estou falando. E vou colher o ensejo de dizer que asilo, que eu gostaria tanto que a ONU me concedesse, vem do Grego asylon, “refúgio”, de asylos, “inviolável” – não, Robertinho, não tem nada que ver com violetas – que se forma de a-, “não”, mais syle, “direito de prender”.

E já que falei em refúgio, essa palavrinha vem do Latim refugere, “fugir” formado por re-, intensificativo, mais fugere, “fugir”. E proteção vem do Latim protegere, “defender, proteger”, formado por pro, “à frente”, mais tegere, “cobrir”, de tegula, “telha”.

Olha, está tocando o sinal para que vocês se retirem, graças aos meus bons santos. Antes de sair, quero informar que retiro, coisa que eu deveria fazer por um bom tempo, vem do Latim retirare, “puxar, tirar”, formado por re-, “para trás”, mais tirare, “puxar”.

Agora retirem-se todos para que eu possa ter meu infarto em paz.

Resposta:

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