Palavra núpcias

CHUVA

Atravessei o pátio de meu avô correndo na chuva fria, com o gato Ernesto abrigado no colo.

Entrei em seu gabinete iluminado pela lareira e ele me recebeu com um abraço:

– Que é isso, rapaz? Tele-entrega de gato? O que é que você faz por aqui num dia aquoso destes?

– Tive vontade de lhe dar um alô e não ia ser uma chuvinha que me ia impedir, Vô. Ao passar pela cozinha achei que o seu gato estava querendo estar com o senhor também.

– Ah, gestos assim não têm preço. Tire seu casaco molhado, coloque este aqui, sente-se mais perto do fogo. Que tempo, hein?

– Falando nele, de onde veio a palavra chuva?

– Ah, estava demorando para entrarmos em nosso assunto predileto. Pois chuva não apresenta grande complicação: veio do Latim pluvia, “chuva” mesmo. Deriva de uma fonte Indo-Europeia pleu-, “agitar a água”.

Em linguagem atual ela também gerou pluvial, “referente à chuva”.

– E quando ela é fraquinha, daquelas que apresentam umas gotinhas pequenas e escassas?

– Nesse caso temos a garoa. Sua origem é discutida, mas predominam os que dizem que ela vem do idioma Quéchua, através do Espanhol garúa.

– Bem; e quando ela, em vez de ser fraquinha, fica dura e pesada e até machuca, como é o caso do granizo?

– Esta vem do Espanhol granizo, de grano, “grão”, do Latim granum, “grão”. Está de acordo, pois as pedras de granizo parecem ser uns grãos duros e mal-intencionados. Muitas vezes eles fazem enormes estragos numa plantação.

Outra coisa que pode fazer o mesmo é também conseqüência de chuvas, como uma inundação.

– Que vem de…?

– Do Latim inundare, “encher de água”, formado por in-, “em”, mais unda, “onda”.  Um sinônimo é enchente, de encher, que veio do Latim implere, “completar, encher muito”, formado por in, “em”, mais plenus, “cheio”, do Grego pléos, “cheio”. Enfim, trata-se de encher demais de água uma região.

– E a chuva, de onde vem?

– Vem das nuvens, do Latim nubes.

– E as núpcias, vai me dizer quer têm algo a ver?

– Pois têm, espertinho. Essa palavra também deriva de nubes; como a noiva na antiga Roma usava um véu sobre o rosto, que aparentava ser uma nuvem, surgiu o verbo nubere, “casar, contrair matrimônio”, do qual vêm as núpcias.

– E eu que achei que ia atrapalhar o senhor… Então me diga de onde vem a palavra guarda-chuva.

– Não mesmo. Se você não é capaz de descobrir isso sozinho, desisto e vou ensinar Etimologia para o gato.

Mas, falando nisso, sombrinha  deriva de sombra, do Latim umbra, “sombra”. Por um certo tempo as mulheres usavam a sombrinha em grande parte como proteção contra o sol, já que não era de bom tom elas se mostrarem bronzeadas como as trabalhadoras do campo.

– Tá bem, Vô. Conte-me sobre outro objeto que nos protege da chuva, como o impermeável, então.

– Essa é do Latim impermeabilis, ” o que não se molha”, de in, “não”, mais permeabilis, de permeare, “passar através de”, por sua vez formada por per, “através”, mais meatus, “canal, curso”, de meare,  “ir, estender-se, ter um caminho a percorrer”.

– Essa foi longa, hein?

– Às vezes uma palavra é feita por outras que são formadas por outras e assim vai. Mas isso não é novidade para você.

– E qual a origem daquela peça de abrigo contra a chuva que o senhor conta que usava para ir à escola?

– Ah, a capa. Ela vem do Latim caput, “cabeça”; o capuz das roupas para o frio recebeu este nome porque recobre a cabeça. A própria capa vem daí: originalmente, era um abrigo que também cobria a cabeça. A capota dos automóveis também. Interessante é ver que em Inglês ela se chama hood, exatamente a palavra para capuz.

– Eu  me lembro das botinhas de borracha que o senhor me deu quando comecei a ir à escola. Eram amarelas e eu adorava pisar nos charcos com elas.

– Eu estava muito orgulhoso de ver meu neto na escola. E o nome desse calçado vem do Francês botte, “bota”, que parece ter vindo de uma palavra antiga do Germânico, butta, “sem fio, embotado, diminuído”.

– E aquela outra coisa que o senhor usava nos pés?

– As galochas? Saudosa lembrança. Eram uma espécie de sapato de borracha fina e elástica que se colocava sobre os sapatos normais em dias muito molhados. Derivam também do Francês galoche, parece que vindo do Latim gallicula solea, “sandália da Gália”, um calçado de sola alta de madeira para os dias de chuva. Como se vê, os franceses nomearam muitas peças de vestuário.

Mas agora chega. Vamos pegar um guarda-chuva e ir os três bem espremidinhos para ver se sua avó fez alguns bolinhos de chuva para nos alimentar depois de tanto aprendizado.

Peguei o gato bem firme no colo e fomos.

Engraçado, tive a impressão de que nós os três estávamos ronronando.

Resposta:

Nascimentos

Em edições anteriores, falamos sobre palavras relacionadas com nossa partida deste mundo. Para fazer um contraponto, agora falaremos nas palavras que são usadas quando a gente chega a ele. NAMORO – quando a coisa é planejada pelo casal, tudo começa por ele, não é mesmo? E esta palavra, tão agradável, vem da expressão Espanhola estar en amor, que acabou formando o verbo enamorar, que originou o nosso namoro. NOIVADO – é o passo seguinte. A palavra vem do Latim novus, nova, “novo, nova”, pois designava a pessoa jovem, em idade de casar. Em Espanhol esta palavra passou a novio, novia e em Português a noivo, noiva. Há lugares onde ainda se diz “moça nova” querendo dizer “casadoura”, “em idade de casar”. Em contraposição, usa-se a expressão paradoxal “moça velha”, quando essa idade já passou. Coisas de outras épocas, já que agora felizmente as uniões vêm sendo feitas independentemente de idade. CASAMENTO – aí vem mais um passo. Esta palavra reflete o mais que conhecido ditado “quem casa quer casa”, já que casamentum, em Latim, significava “terreno com casa”, isto é, uma área com uma edificação sobre ela. ANEL – noivado e casamento costumam ser marcados pelo uso do anel. Esta palavra vem do Latim annulus, “anel”, de uma base Indo-Européia ano-, “anel”. O anel de noivado e casamento é colocado sempre no quarto dedo, o chamado anular. Isso ocorre porque antigamente se acreditava que esse dedo era ligado por um nervo diretamente ao coração. ALIANÇAS – os anéis citados acima são chamados alianças. Este nome vem do Latim alligare, de ad-, “junto”, mais ligare, “unir, atar”. São assim chamados porque representam uma união que se deseja forte e duradoura. MARIDO – no casamento, a dupla é declarada “marido e mulher”. Marido vem do Latim maritus, que deriva de mas, “macho”. É por isso que não existe marida. O correspondente feminino de marido é mulher mesmo. Deveres maritais são os deveres do marido. ESPOSOS – esta palavra vem do Latim spondere, “ligar-se, prometer solenemente”. Na Roma antiga, sponsa era “a noiva, a prometida”. A origem no Indo-Europeu é spend, “fazer uma oferta, realizar um rito”. Não querendo fazer alusões mordazes, esposas em Espanhol quer dizer “algemas”, e tem a mesma origem. Esponsais significam casamento. NÚPCIAS – também é sinônimo de casamento. A palavra vem do Latim nuptiae, “casamento”, de nupta, particípio passado de nubere, “tomar como marido”. Há relação com o Grego nymphé, “noiva”, que vem do Indo-Europeu sneubho-, “casar”. Nubentes são aqueles que vão casar. ENXOVAL – quando duas pessoas vão casar ou estão esperando filho, faz-se o enxoval, o que dá ocasião a festas e piadas. É uma maneira muito interessante de se providenciar uma ajuda da sociedade para quem está iniciando uma etapa tão diferente da vida. A palavra deriva do Árabe as-suuar, “dote”. No Espanhol atual, ajuar, derivado daí, é “o conjunto de móveis, roupas e jóias que a mulher aporta ao casamento”. DOTE – já que falamos nele… O dote são os bens que acompanham a noiva no casamento e passam a pertencer também ao marido; nem sempre usado hoje, antanho ele era às vezes a única possibilidade de uma moça conseguir casamento. Se o futuro sogro tinha posses, os pretendentes nutriam súbitas e intensas paixões pela filha dele, mesmo que ela não fosse das mais atraentes. Assim como era o jeito de a moça desencalhar, era muitas vezes o jeito de um homem viver sem trabalhar, nas épocas em que esta atividade não era muito bem vista. Um sistema baseado neste tipo de interesses não podia dar certo. A palavra dote vem do Latim donare, “dar”, de donum, “presente, dom”. O sentido de dom como uma capacidade especial vem do fato de que certos talentos e qualidades eram considerados um presente dos deuses. Falando em dar, a frase “É dando que se recebe”, há tempo imortalizada na política de um certo país, se diz em Latim “Do, ut des”. Ou, literalmente “Dou, para que dês”. Idioma conciso, não? PARAFERNÁLIA – esta palavra com cheiro de anos setenta parece deslocada aqui, mas é só impressão. Todos os que viveram aqueles anos a ouviram e muitas vezes ficaram sem saber exatamente o que era. Hoje a imprensa gosta de a usar em expressões como “parafernália eletrônica”. Pois esta palavra faz parte de uma expressão latina, bona paraphernalia, “bens parafernais”. Estes são os bens de uma noiva além do dote; este era repartido com o marido; o paraferno não, continuava pertencendo a ela. A palavra se origina do Grego para-, “além”, e pherna, “dote”, de pherein, “levar”, pois o dote era o que a noiva “levava” para a propriedade comum. Seu sentido leigo atual passou para “tudo o que é necessário para exercer uma determinada atividade”. GESTAÇÃO – mais um passo neste ciclo tão conhecido. A palavra vem do Latim gerere, “gerar”, parente do Grego gígnomai, “nascer, gerar”. “Gestante” é aquela que gera, gestans em Latim. GRAVIDEZ – sinônimo da anterior; vem do Latim gravis, “pesado”, pois é assim que uma gestante normalmente se apresenta. PARTO – do Latim parere, “trazer, dar à luz”. Daí a palavra parens, “aquele que traz”, que gerou a nossa palavra parente, e que em Latim designava “pai, mãe ou ancestrais”. Em Inglês se usa parent/parents como “pai e/ou mãe”. Em Português dizemos os pais/pai e mãe para este sentido. Ultimamente se vê o uso de parental em textos sobre Psiquiatria, geralmente por má tradução do Inglês. Seja como for, é uma palavra que faz falta e provavelmente vai “pegar” e ser anexada ao acervo do nosso vernáculo. A palavra mais remota ligada a estas é o Pré-Indo-Europeu per-, “trazer à frente”. MAMÃE – reduplicação de ma-, é um som de presença quase universal nas palavras relacionadas com maternidade nos idiomas, crê-se que por imitação do ruído de mamar. Em Grego, “mãe” é méter. Desta palavra foram feitos derivados cultos para “útero”, tais como metrorragia, de méter, “útero” e rheon, “o que corre, o que flui”, querendo dizer “sangramento uterino”. O útero era antigamente chamado de “mãe do corpo”. PAI – onde há uma mãe, há um pai, enquanto as técnicas da Genética não se difundirem muito. Este em Latim era pater, em Grego patér. Em Sânscrito se dizia pitar. Também se atribui a origem desta palavra aos balbucios infantis. Zeus era chamado Diós Páter, “Pai dos Deuses”, na mitologia grega, não por os ter gerado, mas por ser o que os chefiava. FILHOS – onde há pai e mãe, deve haver filhos. A palavra que os designa era, em Latim, filius, filia. Vem do Indo-Europeu dhe-, “sugar, mamar”. Afilhado deriva daí, assim como padrinho e madrinha derivam de “pai” e mãe”. CRIANÇA – esta palavra vem do Latim creatus, particípio passado de creare, “fazer, produzir, criar”, relacionado com crescere, “crescer”. Da noção de um infante sem pais ser acolhido numa casa e passar a vida dedicado
a servir aquelas pessoas ou do filho de escravos que crescia trabalhando na casa veio a palavra criado com o sentido de “serviçal”. “COUVADE” – é uma palavra francesa para nomear uma situação que existia em certas regiões da França e que parece subsistir ainda em certas tribos sul-americanas. Por ocasião do parto, quem faz o resguardo, ficando de cama, gemendo, sendo visitado e recebendo do bom e do melhor é o pai. A mãe, essa está muito ocupada com os afazeres da casa e da criança nova para poder desfrutar de algum descanso. Fica aí a idéia de um costume milenar que pode ser revivido. Consultem entre si o futuro papai e a futura mamãe. MADRUGADA – quando os filhos chegam, os pais começam a passar esta parte do dia em atividades pouco interessantes. A palavra vem do Latim maturus, “o que se dá em momento bom”, parente de matutinus, “cedo, ligado à manhã”. FRALDAS – justamente a troca de fraldas é uma das atividades que são feitas pela madrugada. O nome desta peça de tecido ou de material descartável vem do Espanhol falda, “colo, regaço, parte de uma peça de roupa”. Mais remotamente, vem do Frâncico falda, “dobra”. MINGAU – quando os filhos crescem um pouco, chega a hora do alimento nesta forma, cujo nome vem do Tupi mingá-u, de mingá, “pastoso, não sólido” e u, “comida”. VIDEOGAME – depois de tanto trabalho para os pais, tudo o que os filhos querem é jogar isto!!

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