Palavra rival

Rios

Fui visitar meus avós paternos e encontrei o velho no pátio florido, regando as numerosas flores que a Vó tinha plantado cuidadosamente por tudo. Ernesto, o enorme gato cinzento, estava por perto ajudando e veio correndo me cumprimentar e se esfregar em mim.

Como sempre, meu avô estava rosnando por ter que cuidar do que os outros plantavam, mas eu sabia que ele apenas se achava obrigado a resmungar para manter sua fama de assustador.

– Falando em molhar, Vô, no outro dia eu andava querendo saber a origem da palavra rio. Será que, por um acaso, o senhor sabe? – eu disse, com meu ar mais inocente.

Ele respondeu, com uma brandura francamente ameaçadora:

– Por puro acaso, sei, meu caro e pouco confiante neto, por puro acaso. Ela vem do Latim rivus, “curso dágua, riacho, arroio”.

Daí veio a palavra rival.

– E o que é que tem que ver?

– Tem que, na Roma antiga, os cursos d’água eram canalizados e divididos entre vizinhos agricultores, podendo ser fechados ou abertos para irrigar as plantações. Isso naturalmente deu ocasião a que uns tentassem prejudicar os outros para aproveitar melhor a água em benefício próprio. Como resultado, não era raro se formarem verdadeiras inimizades, rivalidades.

– E as agüinhas menores, como arroio, córrego, riacho?

– O primeiro talvez venha do Latim arrugium, “galeria de mina”. O segundo também é relacionado à mineração, é do Latim corrugus, “vala com água para lavar metais”.

E riacho tá na cara que vem de rivus, tal como rio.

– Hum… e o mar, para onde os rios correm?

Essa palavra nos veio do Latim mare, “mar” mesmo. E oceano é do Latim oceanus, do Grego okeanos, o nome do rio que se julgava cercar toda a terra nas épocas em que esta era plana. Ele foi personalizado no deus de mesmo nome, filho do Céu e da Terra.

Só mais tarde é que este nome foi aplicado às grandes massas hídricas que envolvem o planeta.

– E essa história de rios serem influentes uns dos outros?

Ele riu:

– Ainda vou descobrir se você é muito engraçado ou um vasto ignorante. Você quer dizer afluentes.

O primeiro vem do Latim affluens, “o que corre para”, de ad-, “a”, mais fluere, “fluir, correr, deslizar”. Logo, é um rio que se junta a outro, que se soma a ele. Pode ser chamado também de tributário, “algo ou alguém que paga tributo”, como se ele estivesse doando todos os seus bens à Receita Federal.

– E a praia, Vô?

– Essa vem do Latim da Idade Média plagia, que derivou do Latim clássico plaga, “terra, extensão de espaço plano, terreno”.

– E a água onde a gente entra?

– Veio do Latim aqua. Não mudou quase nada nestes milhares de anos. E agora pare de matraquear e vá brincar com o gato que o está esperando para isso. Já estou com boca seca de tanto responder.

Resposta:

Os Desafetos

 

Para essa gentinha, nosso idioma tem uma série de epítetos que expressam nosso sentimento de desagrado.

Foi lá pelo século 14 que affectio passou de simples “disposição” para “disposição favorável,amorosa, em relação a alguém”.

Tal palavra se originou, parece, de bronco, “áspero, grosseiro, sem suavidade ou refinamento”, do Latim bruncus, “cepo”, que veio por sua vez de brocchus,”saliente, cheio de pontas”.

BRIGA – Muitas vezes a bronca leva a uma briga, verbal ou física. Esta vem do Italiano briga,”disputa, querela, luta”, do Celta briga,”força”.

Como se vê, briga,rixa e luta mudaram pouco nos últimos séculos. Talvez seja porque são palavras que andam tão ocupadas que não têm tempo para mudar.

ALTERCAÇÃO – quando estamos em posições opostas numa discussão, entramos numa altercação, que vem do Latim altercare,”discutir, disputar”, de alter, “outro, diferente, oposto”.

Não se esqueça: dê ouvidos aos seus olhos!

AVERSÃO – vem do Latim aversio,”desgosto por, aversão”, do verbo avertere,”virar para o outro lado”, formado por ad, “a, para”, mais vertere, “virar”, de uma raiz Indo-Européia wer -, “virar, dobrar”.

Seja pelo que for, isso as torna adversárias,do Latim adversarius,”oponente, rival”, derivado de adversus, literalmente “voltado contra alguém”, pois essa é a posição que se escolhe para lutar. Vem também do verbo avertere, como a palavra anterior.

RIVAL – por estranho que pareça, esta palavra vem de rivus, que queria dizer “pequeno curso dágua, riacho”, e que originou rio em Português.

É mais uma prova do caráter agrícola da antiga Roma e dos traços que isso deixou nos idiomas que daí derivaram.

CONCORRENTE -vem do Latim concurrere,”competir, disputar”, de com-,”junto, com”, mais currere, “correr, espalhar”. A noção é a de pessoas disputando uma corrida para ver quem chega primeiro.

COMPETIDOR- sinônimo da anterior, vem do verbo latino competere, “lutar, procurar ao mesmo tempo”, de com-,”junto”, mais petere,” disputar, procurar,inquirir”.

QUERELANTE – é uma forma mui chique de se chamar aquele cretino que tem uma posição oposta à da gente.

Resposta:

Limites

– Robertinho, desça de cima da mesa! Sidneizinho, deixe a roupa da Helô em paz! Miguelito, pare de comer lápis que isso dá prisão de ventre! Mariazinha, tire o nariz daí! Crianças, chega! Parem! Eu vou matar alguém hoje!

Hein? Ah, Humbertinho, pelo menos você se importa com uma pobre professora e me traz um copo dágua com açúcar. Se depender desses outros aí, vou até o limite e me arrebento.

Antes que isso aconteça, para tentarmos nos acalmar, nada como falar um pouco sobre Etimologia.

Vejamos: eu falei em limite. Esta palavrinha vem do Latim limes, “caminho entre dois campos, fronteira, sulco”. É mais uma daquelas que demonstram a origem camponesa do idioma romano.

Outra deste tipo que me vem à mente é rival. Ela deriva de rivus, “pequeno curso dágua, riacho”, que também originou o nosso rio. Como surgiam muitas diferenças, inimizades e roubos por causa da divisão das águas para irrigar as plantações, as pessoas que tinham que dividir a água de um rivus muitas vezes competiam entre si, ficando rivais.

Mas, voltando ao limes: se vocês não aprenderem a ter limites no seu comportamento, não me surpreenderia de ver todos vocês na prisão, lavando o piso com escova de dentes e comendo apenas minhoca crua com suco de morcego.

Calma! Não chorem! Não quer dizer que vá acontecer com todos! Está bem, na verdade, foi um certo exagero de minha parte. Eu estava meio zonza por causa daquela bagunça toda.

Como, Ledinha? Se a minhoca é lavada antes e se o suco tem açúcar? Deixe isso para lá, nem pense mais. Olha ali, o Robertinho quer fazer uma pergunta. Isso geralmente é sinal de besteira, mas vamos lá.

Não, não, meu filho. Uma liminar não é um ato da Justiça que ocorre quando a gente está no limite e não agüenta mais. Essa palavra vem de uma parente próxima de limes. Ela deriva de limen, “limiar, fim, fronteira”.

Esta, além de limiar em nosso idioma, nos trouxe eliminar, de e-, ex-, “fora, além” mais limen. Queria dizer “colocar porta afora”, já que a porta era a fronteira da casa. Depois veio a significar “livrar-se de”, coisa que infelizmente uma professora não pode fazer à sua vontade.

As professoras agora mal podem fazer propaganda subliminar, de sub, “abaixo” e limen, ou seja, “aquilo que está abaixo do limiar de percepção”. Se o mau comportamento de vocês todos me levar para o caixão, eu apareço de noite para puxar os pés de vocês nas caminhas, isso é uma promessa de agonizante!

Ah, vocês querem outro, digo, um exemplo de propaganda subliminar? Na década de 1950, os americanos se entusiasmaram com os resultados de se escrever uma palavra em apenas um dos quadros de um filme.

Isso porque descobriram que, embora aparecendo apenas na tela por 0,041 segundos e sem entrar para a consciência, as pessoas conseguiam entender mesmo sem perceber e reagir de acordo.

Lembro-me de um desses quadros que saiu numa revista quando eu era menina: aparecia só o rosto da mocinha com cara de horror, e acima dela estava escrito blood, “sangue”, antecipando o que ela estava vendo no defunto que acabava de encontrar.

Dizem que os resultados foram muito bons. E justamente por isso é que isso foi proibido.

Se bem que eu tenho minhas dúvidas. Tenho a sensação de que a maioria dos filmes atualmente traz escrito em alguns quadros: “Sejam burros!” “Aceitem qualquer porcaria!” “Não leiam!” “Livro faz mal!”. Isso explicaria muita coisa.

Ainda explorando nosso Latim, preliminar quer dizer “o que ocorre antes de ultrapassar o limite e entrar na verdadeira ação”.

Não, Sidneizinho cabeça suja, não me venha falar nesse tipo de preliminares. E fique quieto aí. Aliás, saia de perto da Helozinha, que é um amor mas é muito inocente. Sente-se ali do lado da Mariazinha, onde a coisa é outra.

Limen também significava a parte alta da abertura da porta, lintel, como dizem os arquitetos. Daí sublime, “o que ficava o mais alto possível” numa abertura.

Em Química temos sublimação, “algo elevado a um estado mais alto”, o que ocorre quando um sólido passa direto ao estado gasoso. Isso acontece com as bolinhas de naftalina que eu coloco no meu roupeiro contra as traças, por exemplo. Bem, ou isso ou as traças as comem, não posso garantir.

As traças de lá são famintas, já que há muito pouco o que comer no meu roupeiro. Fazer um esforço titânico para educar certas crianças não rende muito.

Em Psicologia também se usa sublimação. Mas há umas experiências que a gente não consegue sublimar, como por exemplo ter que lidar com um grupo de demônios agitados.

Se eu alguma vez na vida eu já tive que fazer isso, Ledinha? Já, minha filha, já. Mas vamos voltar à nossa conversa.

Quando eu estava um pouco alterada, minutos atrás, disse que não me surpreenderia de os ver na prisão. Vejam só, há uma forte relação entre essas duas palavras.

Surpresa vem do Latim prehendere, “pegar, levar adiante de si, capturar, segurar”. Foi formada de super, “sobre” mais prehendere. Significava “apanhar no ato, cair em cima”. Depois passou a significar a sensação causada por ser apanhado sem aviso.

Este prehendere também originou as palavras prender e prisão, para onde vão os que foram capturados, os que foram presos.

Dessa palavrinha também veio o Francês prendre, com particípio passado pris, “tomado, pegado”. O feminino prise é usado em certos meios para dizer uma dose de alguma coisa, nunca muito boa.

Os pais de vocês os colocaram aqui para aprender, o que vocês pouco fazem. Esse verbo vem justamente de ad, “junto” mais prehendere, com o sentido de “levar para junto de si, para junto da memória”.

Tecnicamente vocês são, portanto, aprendizes. Mas o que vocês aprendem de mau no recreio – principalmente com as revistinhas que o Sidneizinho traz – costuma ultrapassar o que uma pobre e dedicada professora no extremo de suas forças consegue. Isto é um fato.

Falando em fato, sabiam que esta palavrinha vem do Latim facere, “fazer”, uma avó latina que tem muitos e muitos netinhos trabalhando no nosso idioma?

Um deles é facção. Inicialmente, queria dizer “o ato de fazer”. Lá pelas tantas, esta palavra foi usada para designar um grupo de pessoas que trabalhavam para as corridas do Circo em Roma. Esse significado se estendeu para designar um partido ou grupo com interesses em comum, nem sempre muito limpos.

Não, Robertinho, Santa Paciência me proteja, facção nada tem a ver com ficção. Esta vem do Latim fingere, originalmente “covardia”. Como é comum que uma pessoa covarde, para obter o que deseja, simule algo que não sente ou que não é, esta palavra acabou designando o ato de “fingir”.

Aquilo que é fácil de fazer, como incomodar uma professora que é boazinha demais, era dito facilis. O contrário, como tentar ensinar umas letrinhas e numerozinhos ou conseguir um pouco de paz na aulinha, era difficilis, “difícil”, de dis, “mau” e facilis.

Satisfazer vem de satis, “bastante, suficiente, em quantidade adequada” mais facere: “fazer do modo desejado”. Ah, se meus desejos fossem satisfeitos, muitos conhecidinhos meus seriam mudos!

Benefício tem a mesma origem: de bene mais facere, “fazer bem, fazer certo”. Se a turminha continuar se comportando desse jeito, não terá benefício nenhum na vida, pois não vão aprender nada.

Este facere, transformado em sufixo (aquele pedacinho da palavrinha que fica no fim, quando ela é formada por mais de uma, que nem as que estamos vendo), virou -ficere ou -ficare. E gerou as nossas palavras que terminam por -ficação, como: clarificação, amplificação, liquidificação, ramificação e um monte de outras.

O que eu gostaria mesmo é que algum milagre conseguisse a pacificação deste grupo incontrolável. Mas acho que não existe santo tão forte!

Resposta:

Origem Da Palavra