Palavra sapato

CALÇADOS

 

 

Boa tarde, crianças; o que é que vocês estão olhando com tanta atenção, reunidas assim? Ah, a Leonorzinha veio de botas novas e muito bonitas hoje. Muito bem, acho que quando você for grande vai ter uma coleção delas, já que gosta tanto desde esta idade.

E sabe de onde veio essa palavrinha? Veio do Francês botte, “bota”, que parece ter vindo de uma palavra antiga do Germânico, butta, “sem fio, embotado, diminuído” e que na terra francesa originou o nome de um calçado grosseiro.  

E botina, também vem do Francês, de bottine, “calçado com um cano curto”.

Não, crianças, não façam beicinho pensando que eu só achei bonito o calçado dela, não.

Antes de continuar, essa palavra vem do Latim calceatus, de calceare, “colocar os pés nos sapatos”, derivado de calx, “calcanhar”.

Por exemplo, a sandalinha ali da Maria Tereza está uma graça e deriva do Latim sandalium, do Grego sandaleon, “calçado de sola de madeira preso aos pés com tiras”.

Os sapatos que vocês usariam se fossem crianças de outras épocas têm sua origem no Árabe sabbat, “calçado”.

Nem preciso dizer que as sapatilhas que algumas das meninas ainda vão usar no ballet quando crescerem um pouco são um diminutivo de sapato.

Mas, sendo crianças modernas, o que vocês mais usam é o tênis, calçado que até certa época só se usava com fins esportivos. Por incrível que vocês achem, uma pessoa não saía à rua para caminhar ou trabalhar de tênis, até há poucas décadas.

E o nome dele vem do esporte assim chamado, claro. O qual deriva de uma palavra francesa usada a partir do século XIV, imaginem! Ao dar o saque, o jogador gritava o que em Francês moderno, seria Tenez!, ou seja, “Tome!”, e que acabou sendo pronunciado tennis em Inglês.

Certo, Zorzinho, não dá para imaginar um cavaleiro daquela época usando armadura e jogando tênis.

Mas, em primeiro lugar, eles não usavam armadura o tempo todo. Em segundo, o tênis ainda não existia e o tal grito era dado num outro esporte, o jeu de paume, no qual havia uma rede baixa também mas a bola era golpeada com a palma da mão.

De qualquer forma, o aviso foi mantido quando o tênis propriamente dito foi definido na Inglaterra, em 1873, e acabou dando nome ao esporte.

Isso porque tennis era uma palavra mais fácil de pronunciar do que nome que o inventor do jogo, o Major Walter Wingfield, queria: sphairistike.

Isso mesmo, eu vou escrever aqui no quadro, embora nenhum de vocês saiba ler ainda.

A idéia dele era basear o nome na expressão grega sphairistike tekhne, “habilidade em jogar bola”.  Era querer demais, não?

Sei que em casa vocês provavelmente usam chinelinhos, cujo nome vem do Latim planella, diminutivo de planus, “achatado”, o que descreve bem este calçado sem calcanhar nem salto.

E que muitos têm suas pantufas, derivadas do Francês pantoufle, que vem do Italiano pantofole, do Grego panta, “todo”, mais phellos, “cortiça”.

Sim, eles faziam calçados de cortiça, só não sei o quanto duravam.

Aqueles de vocês que entrarem nas Forças Armadas um dia vão usar coturnos, do Latim cothurnus, um tipo de bota de sola alta de madeira usada pelos atores numa tragédia, em Grego kóthornos.

As meninas daqui um dia, quando forem mocinhas, vão usar um sapatinho chamado escarpim. É um calçado bem aberto, cujo nome vem do Italiano scarpa, “sapato”.

Essa palavra foi para o Italiano do antigo Germânico scharpf, “agudo, com borda cortante, pontudo”; justifica-se porque esse sapato tem uma ponta aguda.

Aliás, a palavra escarpa, “altura íngreme de um terreno” também vem daí. Para subir num lugar assim a gente precisa de umas boas botinas.

Ou sapatos ferrados, que é o nome dado a calçados especiais para a prática do montanhismo, já que eles têm projeções agudas nas solas, para o pé poder se aferrar ao terreno. Estas palavras vêm de ferro, ferrum em Latim.

Talvez alguns de vocês, no futuro, venham a fazer Medicina e praticar cirurgia. Nesse caso, ao entrarem num bloco cirúrgico, vão colocar uma espécie de sapato de tecido sobre o que vocês estiverem usando para evitar a contaminação da rua. Eles se chamam propés e derivam da expressão “proteção para os pés”.

Antigamente, quando a Tia Odete aqui era viva, a gente usava uma coisa parecida, só que toda de borracha, sobre o calçado normal. Era para que estes não permitissem a passagem da água quando chovia, e se chamavam galochas.

A palavra nos veio do Francês galoche, parece que vindo do Latim gallicula solea, “sandália da Gália”, um calçado de sola alta de madeira para os dias de chuva. 

Bem, agora todos sabem a origem do nome do que estão calçando. Vão para casa e ensinem tudo aos seus pais!

Resposta:

A Roupa De Festa

Palavras: escuras , gravata , pente , sapato , suéter , terno

Tocou a campainha e eu fui abrir, aliviado por poder me afastar um pouco da briga. Mais aliviado ainda fiquei por ver que era meu avô paterno que vinha nos visitar.

Ele olhou para minha mãe e logo percebeu que havia algo errado por ali. Ela parecia arrepiada, como sempre que está braba. O velhote olhou para o monte de roupas sobre a mesa da sala e indagou:

– Ué, que confusão é esta? Vão abrir uma loja de roupas masculinas?

Minha mãe, incomodadíssima, informou:

– O seu neto aqui já sabia que nós vamos hoje ao casamento do tio dele, meu irmão. Quer ir, mas de bermuda e camiseta! Comprei camisas, meias, sapatos, consegui trajes e gravatas excelentes, emprestados dos filhos de umas amigas, e ele quer sair com roupa de skatista! – Ela bufava, e eu não me contive:

– Vô, não quero botar essa roupa de palhaço! Nunca usei, é desconfortável! Os meus primos aí da casa ao lado souberam e já estão rondando para rirem da minha cara! Olha, até banho já tomei, escolhi uma camiseta nova bem bonita, os tênis estão lavados…

O velho alto e magro, de olhos claros, barba e cabelo curtos e brancos, foi pegando algumas peças de roupa:

– Vamos levar as roupas para o seu quarto e dar uma olhada com mais calma na situação. Assim dá tempo para a sua mãe terminar de se arrumar e ficar bonita como sempre.

Quando ela começa com resmungos, é muito difícil de parar. Percebi que ela ia ainda fazer alguma reclamação ou ameaça, mas um olhar firme do velho a calou e ela subiu a escada.

No meu quarto, ele me fez ver que aquela situação era passageira e que seria uma homenagem minha aos noivos, de quem eu gostava muito. Explicou que, se aquilo implicasse num certo sacrifício, valia mais ainda. Mas ele garantia que não seria desagradável, se eu desse uma oportunidade para usar uma roupa que, afinal, eu nunca tinha experimentado.

De alguma forma, eu tinha essas noções dentro de mim. O que valia mais, no entanto, era que eu sentia que ele estava do meu lado, não contra mim. Aliviado pela doçura dele, topei provar as roupas.

Enquanto falava, ele foi escolhendo um conjunto de peças. Lembrou que, aos dezesseis anos, eu já devia ir me acostumando com “roupa de gente”.

– Vamos lá, comece com as calças. Você se lembra que uma vez eu lhe contei a origem dessa palavra, né? Esta calça não tem elástico como essas bermudas horrendas que você usa; para que ela não caia, coloque este cinto, que vem do Latim cingere, “apertar”. Mas deixe um espaço para caber a comida.

Agora os sapatos. Sei que você está acostumado só com tênis, por isso é que tem esse patão largo. Mas este couro é macio, vai-se dar bem com você.

Sapato vem do árabe sabbat. Sabe que, na Espanha, havia um calçado chamado zapatos papales, “sapatos papais”? Não, seu peste, não eram “sapatos para os Papais”, eram “sapatos do Papa”!

O nome vem do calçado que o Papa usava em certas cerimônias, e era uma espécie de sobre-sapato que o pessoal usava para andar em ruas enlameadas, coisa que não faltava naquela época. Era um antepassado da galocha, com certeza.

Meias escuras, escuras, rapaz! Guarde as brancas só para os tênis, por favor.

Chegou a vez da camisa. Aliás, o nome desta vem de uma época muito antiga, do Grego kámasos, que era uma túnica que os sacerdotes usavam nas cerimônias. Como você vai participar de uma cerimônia, nada mais adequado. Não, azul-escuro não! Que horror! Aprenda de uma vez por todas: colocando uma branca você nunca vai errar, seja qual for a cor do traje.

Agora, a parte mais atrapalhada de todas: abotoar o colarinho. Forcejou um pouco:

– Com tanto progresso, não sei por que ainda não inventaram um botão de colarinho eletrônico. Acho que é porque o pessoal que trabalha nisso não usa gravata. Agora passe a dita cuja – não, essa escandalosa não! Não interessa que seja engraçada e que tenha o Mickey. Aquela ali, a escura. Não se esqueça: numa festa, as damas é que podem chamar a atenção pelas roupas coloridas. Nós, cavalheiros, apenas compomos um pano de fundo discreto para que elas brilhem.

Colocou-se do meu lado, na frente do espelho, e começou a dar voltas misteriosas na gravata, já enfiada no colarinho.

Enquanto isso, contava que aquele nome vinha do Eslavo hravat, através do Alemão krawat, e queria dizer “natural da Croácia”:

– Este país forneceu mercenários para a França, aí por 1650. No começo, eram uma cavalaria ligeira que guardava uma das fronteiras francesas; mais tarde foram fazer a guarda pessoal do rei. Eles usavam uma tira de linho com um nó em volta do pescoço. Ela acabou recebendo o nome dos usuários e passando de croate a cravate em Francês e depois a gravata em Português.

Terminou de ajeitar a gravata:

– Agora o paletó, que vem do Francês paletot, que veio de uma peça que os ingleses chamavam de paltok. Como? Não, isto não é um terno. Essa palavra vem do Latim ternus, “o que é formado por três partes”, porque ter significava “três”. Terno é formado pela calça, pelo paletó e um colete. Nem todos os vendedores sabem disso.

– E o terno estofado, Vô? É para dias muito frios? – Ele riu.

– É um conjunto de sofá e duas poltronas, seu gracioso. Agora abotoe o casaco… Deixe sempre aberto o botão mais de baixo.

Ainda perguntei se não dava para ir com um pulôver leve em vez do casaco.

Ele disse um redondo não e aproveitou para explicar que esse nome vem do Inglês pull-over, “puxar por cima”. E que suéter é o Inglês sweater, “o que faz suar”.

Eu já estava esquecido do drama que estava vivendo até há pouco e quis provocá-lo Sabia que ele gostava disso. Era uma descoberta que eu tinha feito quando ainda estava aprendendo a ler.

– Que é que eu ganho se tirar um pulôver por baixo, Vô?

– Uma surra e um pulôver rasgado, seu bobo. Agora pare de palhaçada e use aquele objeto que os romanos chamavam de pecten e que virou pente em nossa língua. Sabe que, como tantas outras palavras, esta veio da atividade agrícola daquele povo? Originalmente significava “rastelo, ancinho” e servia para limpar o chão das folhas secas.

Penteei-me e fiquei espantado perante a minha imagem no espelho.

– Hum. Não está dos piores. – disse ele, fingindo pouco caso.

Pegou minha régua e me bateu rapidamente na barriga:

– Em pé, ande com o paletó sempre abotoado. Ao sentar, desabotoe.

Levantou o meu queixo, deu uma reguada entre meus ombros e outra na minha mão, que estava no pescoço.

– Cabeça erguida, ombros levantados. Não fique todo o tempo passando a mão no colarinho, na gravata e nos punhos. Qualquer elegância se desfaz se o sujeito está com consciência da sua roupa. Venha comigo, vamos até o pátio. Quero ver como estão os gatos e as frutas. A pitangueira está com frutas já?

E fomos ao pátio, onde caminhamos um bom tempo para lá e para cá e conversamos, com ele me corrigindo a reguaços até que eu esqueci que estava vestido de forma diferente.

Lá pelas tantas, minha mãe chamou da sala, já pronta. Quando entramos, ela arregalou os olhos de espanto e se derreteu toda em elogios. Abraçou o sogro e perguntou se ele já tinha visto neto mais bonito. Ele respondeu:

– Bonito, bonito, não sei, mas mais elegante nunca! – o orgulho no seu olhar desmentia o tom debochado de suas palavras.

– Ainda é cedo. Agora preciso que você me ajude com as compras na padaria, rapaz. Estou muito velho para carregar coisas.

E fomos à padaria, a meia quadra dali. Na ocasião, não entendi por que ele queria a minha ajuda, pois comprou pouca coisa.

Ao voltarmos, vi os meus três primos no jardim da casa ao lado, com duas
garotas da vizinhança. Eles me olhavam boquiabertos, com uma inveja mortal. As garotas, essas me abarcaram com uns olhos demorados e brilhantes que me deixaram para lá do Paraíso.

O velho percebeu isso tudo num instante e me disse, baixinho:

– Quando entrei na sua casa, vocês estavam numa vasta confusão. Pois esta palavra vem do Latim confundere, que significava “trazer desordem”. Agora vá e leve desordem aos que queriam fazer pouco de você. Não se esqueça que o principal deles era você mesmo.

E entrou no seu carro, após abanar para os meus primos.

A festa foi ótima. Por coincidência, várias das garotas presentes tropeçaram em mim, pediram desculpas e acabaram me dando seus telefones.

A partir daí, deixei as camisetas e as bermudas para uso só em casa, e não me arrependi.

Levei muito tempo para entender a frase solta da minha mãe, ao voltarmos da festa: – “Não sei como é que ele consegue!”

Resposta:

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