Palavra capas

UM TEXTO

– Passe para cá estes papéis, me-ni-no! Coisa inacreditável, este Zorzinho tem tamanha vontade de escrever que vive enchendo resmas de papel com rabiscos, mesmo sem saber o que faz. Que ele sirva de exemplo para os outros: com essa vontade de ser escritor, ele há de conseguir um bom emprego algum dia.

Parem de chorar de inveja uns, de debochar outros e de não entender o que está acontecendo outros ainda.

E parem de pular e gritar, todos! Vamos nos reunir aqui no meio da salinha de aula para aprender alguma coisa sobre palavras que usamos para descrever as características de um texto.

Certo, Lilice, já digo de onde vem resma. Ela vem do Árabe rizma, “pacote, conjunto de coisas embrulhadas”, do verbo razam, “enrolar, embrulhar, envolver”. Atualmente designa um conjunto de quinhentas folhas de papel.

Olhem só como brilharam os olhos do Zorzinho. Imaginem ele com tanto papel à disposição! Quanto rabisquinho, quanta besteirinha!

– Sim, Lúcia? Ah, você já ouviu falar em parágrafo, muito bem. Essa palavra indica um recuo na linha ou o conjunto de linhas entre dois recuos. Vem do Latim paragraphus, “sinal para começar nova parte de um discurso”, que era uma marquinha que parecia a letra “P” maiúscula virada.

Passou para o Latim a partir do Grego paragraphos, “sinal na margem do papel para indicar uma mudança de sentido do texto”. O sentido literal era “escrito ao lado”, já que se formava de para-, “ao lado”, mais graphein, “escrever”.

– Está certo, Ledinha, você esteve na semana passada na margem de um rio e não viu nenhum papel ali. Acalme-se, não precisava haver mesmo.

É que essa palavra vem do Latim margo, “beira, limite”, e não se aplica somente ao papel. Aliás, foi inventada muito antes de existir o papel, pois vem do Indo-Europeu mereg-, “beira, limite”.

– Como é, Valzinha? Sua mãe chama de “marginais” uns vizinhos de vocês? Bem, decerto eles são escritores e precisam cuidar muito das margens… Ahn, eles vivem sendo presos e fugindo da cadeia?

Bem, deixe seus vizinhos para lá, que não estamos aqui para furungar na vida alheia. Só posso garantir que o uso da palavra marginal é do século 16 e primeiro queria dizer “escrito à margem de um papel”, de onde passou a significar “sem importância, de pouco valor”.

Mais tarde passou ao sentido de “pessoa na periferia, à margem da sociedade”.

– Sim , Joãozinho? Ai, que gracinha, quer declamar uns versinhos para as meninas? Pois não vai fazer isso coisa nenhuma, que eu já conheço o teor das suas artes.

Fique aí sem dar um pio e aprenda que verso vem do Latim versus, “linha de escrita”, particípio passado do verbo vertere, “dobrar, virar”, de uma fonte Indo-Européia wer-, “virar”.

Aqui se faz uma bonita metáfora sobre o caminho que o arado faz até o limite de um campo e o ponto onde ele vira para começar uma linha paralela à anterior.

É mais um indicativo da sociedade agricultora que era a romana quando se estabeleceu.

Pare de protestar, menino. Essa palavra acabou se aplicando ao sentido de “composição de poesia com métrica” – isto é, ritmo – lá pelo ano de 1300. Isso porque esses poemas apresentavam as linhas bem delimitadas para que o leitor pudesse acompanhar o ritmo ao declamar.

Ainda com relação a versus, esta palavra se usa hoje tal como era no Latim para indicar “oposição”, como em “time A versus time B”, pela noção de “virar-se contra, enfrentar”.

E linha vem do Latim linea, “fio, cordel”, pela semelhança com um objeto comprido. A palavra se fez a partir de lineus, “feito de linho”, um tecido muito usado à época.

Tudo isso faz parte de um texto, que nos traz mais uma bonita metáfora.

Textus, que queria dizer “narrativa escrita”, originalmente tinha o significado de “material tecido”, do verbo texere, “tecer”.

Não é bonita essa comparação do que escrevemos com uma trama tecida, com cada fio urdido em seu lugar, para formar algo que transcende o material inicial?

Aninha, eu sabia que você ia gostar, mas isso não é pretexto para pular, gritar e fazer bagunça.

Notaram a semelhança entre as palavras? Isso mesmo, pretexto vem de praetextus, “disfarce, cobertura”, formado por prae-, “à frente”, mais textus. A imagem é a de se atirar um pano sobre algo para poder agir debaixo dele, às escondidas, coisa que certos aluninhos vivem querendo fazer.

– Hein? Não, Ledinha, o seu caderno novo não é de “aspiral”, não. Essa palavra não existe em nosso idioma, é uma deformação de “espiral“, que veio do Grego speira, “guirlanda, algo torcido, volteado”.

Mesmo dizendo espiral não estaremos dizendo a palavra certa no caso do caderno. A espiral é uma figura geométrica plana; as voltas em três dimensões que esse aramezinho que parece uma mola dá formam o que se chama corretamente de helicoidal.

Olhem só quem acordou ali. Não, Soneca, não estamos falando em helicópteros, embora a raiz seja a mesma.

Estas palavras vêm do Grego helix, do verbo heilein, “virar, torcer, enrolar”, que acabou nomeando também as hélices dos aviões.

Certo, Deli, esta molinhas seguram as folhas e também as capas dos cadernos. Esta palavra vem do Latim cappa, originalmente uma peça de roupa que cobria também a cabeça, caput.

Enfim, quando você aprenderem a escrever vão poder fazer melhor os seus textos.

Por enquanto, fiquem nos rabiscos. Está na hora de sair, amanhã tem mais.

Resposta:

Livros

Eu estava com meus dez anos e já me dava muito bem com meu avô. Era o único neto que não tinha medo do carrancudo velho de barba branca bem curta e olhos azuis penetrantes.

Carrancudo para quem não sabia lidar com ele, pois a doçura que ele mostrava ao conversar comigo e me revelar seus conhecimentos ficou para sempre gravada em meu peito.

Nesse dia eu o via tirar o escasso pó das suas prateleiras enormes, cheias de livros.

Sentei-me no banquinho forrado de couro e perguntei:

– Vô, meus primos disseram que você tem livros com a data de mil e quinhentos Antes de Cristo e que você não mostra prá ninguém, é verdade?

Ele me olhou, deu uma batida final com o pano numa lombada, largou tudo e veio sentar na sua cadeira de balanço, à minha frente.

– Seus primos são umas figuras estranhas. Só porque têm medo de livros, não precisavam inventar tamanha besteira. E você, acho que já deveria saber o suficiente para perceber o que pode ser verdade ou não nessa área.

Hoje vou-lhe falar sobre uns termos relacionados com o livro, mas antes vou contar um fato verdadeiro que aconteceu com uma amiga muito querida.

De certa feita, ela estava fazendo uma mudança. Um dos rapazes da empresa ergueu aos ombros uma das muitas caixas de livros dela e resmungou para o companheiro: “- Odeio livros!”. O companheiro respondeu, de imediato: “- Por isso é que você está aí tendo que carregá-los!”.

Nunca se esqueça, menino, esse é um risco que se corre por não ler.

– Ora, Vô, o senhor sabe que eu gosto de ler!

– Sei, e isso me alegra. Seu primeiro livro fui eu que dei e há muitos outros esperando pela sua atenção aqui em minhas estantes.

Mas deixe-me contar a origem, por exemplo, da própria palavra livro. Ela vem do Latim liber, que designava a camada de tecido logo abaixo da casca das árvores, por onde corre a seiva. Era nesse material que se escrevia antes da descoberta de um outro, feito com o caule do papiro, uma planta quática.

E liber vem do Indo-Europeu leub-, “arrancar, descascar”, que era o que se fazia para obter tal tecido.

– Esses antigos sabiam que estavam construindo um idioma, Vô?

– Não tinham a menor noção. Mas elaboraram sistemas de comunicação extraordinariamente eficientes.

– E a capa do livro, eles faziam então com a casca das árvores? Devia ficar bonito!

– Não, nada disso. Por muito tempo esses materiais, incluindo o feito com papiro, que era muito melhor, eram usados em rolos que nem esses que a gente vê em filmes da época de Roma. Portanto, não existiam capas. Essa montagem que agora conhecemos como livro era chamada de códice, que vem do Latim codex, inicialmente “tabuinha com escrita, registro”.

– Devia ser complicado para os alunos da época colocar todos os rolos nas mochilas, né? Aposto que foi por causa deles que se trocou um tipo pelo outro.

– O ensino não era como agora e eles não levavam o material em mochilas. Realmente, era necessária certa prática para desenrolar um cilindro com uma mão e enrolar com a outra, sem deixar uma tripa de papiro arrastando pelo chão. O pior era achar uma determinada parte dentro de um rolo daqueles. O códice ou livro era bem mais prático nesse sentido e se desenvolveu a partir do cristianismo, com os registros eclesiásticos e a Bíblia.

Você falou em capa. Essa palavra vem do Latim capa, “roupa com cobertura para a cabeça”, derivada de caput, “cabeça”. Serve para proteger o conteúdo do livro, que era um objeto muito caro nos seus primórdios, pois era feito à mão. Um livro tem duas capas, unidas pela lombada. Esta vem do Latim lumbus, “dorso, rins, lombo”, pois faz pensar nas costas de um animal.

As capas podem não ser duras; é o caso das brochuras, com capa de papel mesmo e, por conseqüência, mais baratas. Essa palavra vem do Francês brochure, “junção costurada entre folhas de um livro”, do verbo brocher, “fincar, espetar”, de broche, “instrumento perfurante”.

– E as folhas? Eram feitas de folhas verdes mesmo? Não secavam depois?

– Você está me saindo ou muito gracioso ou muito burrinho, não sei ainda bem o quê. Estou de olho em sua figura.

Mas essa palavra vem mesmo das folhas das árvores, porque a Sibila, aquela dos oráculos, escrevia suas predições em folhas de palmeira. Esse nome depois se aplicou aos pedaços de papel que compõem um livro.

– Ainda tenho colegas que fazem uma confusão bárbara entre folha e página.

– Esta última vem do Latim pagina, “retângulo formado pelos galhos da parreira”. Os romanos compararam uma latada de vinhas à folha do livro e a própria planta seriam as palavras.

Eles eram inicialmente um povo agrícola e formaram muitas de suas palavras a partir dessa área, como o provam folha, livro e página.

Aliás, há mais coisa ainda com essa inspiração: uma linha escrita se chama verso, sabia?

– Ué, eu achava que verso eram aquelas coisas que a gente era obrigado a recitar bem no começo do primário!

– Acabou sendo, mas o sentido original é “linha”, por comparação com o o sulco do arado. Este escavava em linha reta e, nos limites do campo, virava para recomeçar, paralelo ao anterior. Essa virada era o versum, do verbo vertere, “virar”, que acabou designando a linha traçada.

Aliás, linha também vem do Latim, de linea, “fio, corda, linha”, derivado de lineum, “linho”, do qual eram feitos tecidos e fios. A comparação é pelo predomínio do comprimento sobre a largura.

– No outro dia o Pai me pediu para baixar um pouco o volume da música e perguntou se alguém tinha visto o segundo volume de um certo livro. Que confusão é essa?

– A pergunta é boa. Ocorre que os romanos chamavam cada um dos seus rolos de escritos de volumen, do verbo volvere, “virar, fazer girar, enrolar”, pois esse ato tinha que ser feito durante a leitura. Por analogia, cada livro de uma obra ou coleção recebeu esse nome também.

– E o da música?

– A palavra volume acabou sendo aplicada a “massa, quantidade” a partir do espaço ocupado por um livro. Aplicou-se mais tarde a “intensidade”, inclusive sonora, seja para música de verdade, seja para pagode.

– O Pai estava elogiando a fonte em que era escrito aquele livro. Também achei as letras bem bonitas, mas por que esse nome?

– Essa palavra vem do Latim fundere, “derreter, derramar, verter”, porque os tipos de letras eram fundidos, isto é, derretidos, nas tipografias, a partir de uma liga de chumbo.

Mas está na hora de você voltar para casa e fazer os seus temas, rapazinho. Nunca se esqueça: é mais fácil carregar livros dentro da cabeça do que às costas.

Até à próxima.

Resposta:

Origem Da Palavra