Palavra cordial

Cor

Meu avô me recebeu em seu gabinete cheio de livros, estofados em couro e conhecimentos. Da altura dos meus doze anos, eu estava indignado com as exigências do estudo:

– Eles tiveram a coragem de exigir que eu aprenda umas coisas de cor! Onde já se viu?

O cavalheiro magro e com curta barba branca riu e me disse que isso fazia parte do estudo, que sempre haveria algo a saber de memória, e continuou:

– Sua primeira e emburrada frase, por exemplo, me fez lembrar de algo. Sabe a origem da expressão de cor?

– Não, mas tenho a impressão que isso vai terminar já-já  –  e me sentei no banco de couro onde eu aprendia tanto com o velho.

– Pois vem do Latim cor, “coração”. Em épocas antigas, ele era considerado, entre outras coisas, a sede do conhecimento no corpo humano.

– Que burros, Vô! Eles não tinham descoberto o cérebro ainda?

– Há muito tempo, desde que pela primeira vez ocorreu a um homem das cavernas abrir o crânio de outro para ver o que tinha dentro. Mas não sabiam para que servia aquele material cinzento e desestruturado, além de dar dor de cabeça.

Essa noção era tão forte que ficou também no Inglês, onde to know by heart, literalmente “saber pelo coração”, equivale ao nosso “de cor”.

– Daí o verbo “decorar” também, Vô?

– Sim. Eu sempre disse que você é mais inteligente do que parece.  Mas achei graça em perceber que, naquela sua frase, apareceu outra palavra com a mesma origem: coragem.

Ela vem de coraticum, derivado de cor, também pela noção de que o órgão era a sede desta qualidade menos comum do que se pensa.

– Agora me lembro de ter visto um filme com aquele Ricardo Coração de Leão.

– Isso mesmo, seu apelido vinha de sua bravura. Mas parece que, fora isso, ele não tinha muito mais que prestasse, pois era conhecido por se esquecer das promessas e tratos.

Mas do Latim cor também veio a palavra cordial, significando “referente ao coração, ao afeto”. Assim, a cordialidade é algo que deve reinar entre as pessoas numa reunião, embora nem sempre aconteça.

Agora se usa pouco em nosso idioma, mas cordial também tem outro sentido: o de “alimento ou bebida usado para estimular o coração”.

Farmacologicamente isso não tem fundo de verdade; na realidade, era apenas uma desculpa para tomar um trago de álcool fingindo que não era por prazer e sim por imposição da saúde.

– Meio sem-vergonhas, não? Dando desculpas médicas para isso…

– Sem dúvida.

– Deixe ver… E o que corda tem que ver com o assunto?

– Ah, meu neto que deseja ser esperto e não sabe quanta palavra há de rolar pelos seus olhos para ele ter alguma noção mais sólida! Essa palavra nada tem a ver, deriva do Grego khorde, “tripa de animal, corda”.

– Mas não me diga que acordar, aquilo que a gente tem que fazer todos os dias para ir ao colégio tem parentesco!

– Pois tem mesmo. Esse verbo vem de cordatus, “prudente”, que vem de cor. É muito prudente acordar a tempo para ir à aula, ouviu? Ou podem ocorrer danos irreparáveis nas orelhas do aluno teimoso.

E aprenda que o verbo acordar também tem o significado de “combinar, tratar”, provavelmente de ad-, “a, junto”, mais cor.

Outra palavra que vem de cor é, por exemplo, concordar. Forma-se de com-, “junto”, mais cor.

– Ou seja, as pessoas que concordam em algo estão com os “corações juntos” naquele assunto, é isso?

– Perfeito. E as que discordam estão com os corações dis-, isto é, “afastados, fora”.

– Bonito, Vô!

– Eu sei, por isso é que aprendi tanto sobre esse assunto das palavras. Quando a gente aprecia o que está estudando, absorver os conhecimentos fica fácil.

Aprenda de cor essa lição, rapaz. Agora crie coragem e volte a decorar o que for necessário.

Resposta:

Outras Bebidas

Na edição passada, trabalhamos com palavras relacionadas à bebida alcoólica, principalmente o vinho. Agora vamos trazer à baila os nomes de outras bebidas, antes que os seus apreciadores se ponham a reclamar. Escolham eles os nomes das suas favoritas e decorem, para terem assunto no bar enquanto ainda estiverem conscientes.

CERVEJA – vem do Latim cerevisia, de uma fonte gaulesa. Mas parece que a palavra teve sucesso mesmo foi na Península Ibérica (cerveza, em Espanhol), pois os outros países preferem usar um derivado germânico do Latim biber, “bebida”: beer em Inglês, bier em Alemão, bière em Francês, birra em Italiano.

CHOPE/CHOPP – ora, este é o nome que os alemães dão à cerveja não-pasteurizada, isso qualquer freqüentador de bar sabe! A Alemanha está cheia de cartazes enormes anunciando Chopp!

Não é verdade. Naquele idioma, schopp é apenas o nome de uma medida de volume (300ml). Por incrível que pareça,lá ninguém toma chopp.

Com o tempo o nome da medida, em nosso país, acabou passando para esse tipo de cerveja.

SCHNAPPS – já que falamos em bebidas e em Alemanha, esta espécie de gim holandês vem do Alemão schnaps, “gole, bocado”, do Baixo Alemão snappen, “corte ou mordida brusca”.

UÍSQUE – vem do Gaélico Escocês uisge beatha, “água da vida”. Deve ter sido apropriado do Latim aqua vitae, usado para bebidas de forte teor alcoólico desde o século 14.

Nos países escandinavos se usa uma bebida aromatizada com ervas chamada akvavit, com o mesmo significado.

O uísque americano feito com milho recebeu o nome de bourbon porque foi feito primeiro no condado de Bourbon, no estado de Kentucky.

RUM – esta bebida feita da cana de açúcar parece ter recebido o seu nome do Inglês rumbullion, que viria do Francês bouillon, “bebida forte”, do Latim bullire, “ferver”.

Este rumbullion originou a palavra inglesa rambunctious, “agitado, exuberante”, estado inicial comum naqueles que se dedicam ao consumo da bebida.

VERMUTE – do Inglês vermouth,que veio do Alemão wermut, “losna”, planta extremamente amarga (Artemisia absinthium), que é usada para dar gosto (?) à bebida.

VODCA – vem do Russo voda, diminutivo de “água”. Mais exatamente aquela que as aves pequenas se recusam a ingerir.

HIDROMEL – era muito usada pelos heróis das sagas antigas. Pelo menos era o que os escritores diziam.

Consistia de uma mistura fermentada de água e mel, como o nome derivado do Grego diz: hydromeli, de hydor, “água”, mais meli, “mel”.

CACHAÇA – tão comum em nosso país, a origem do seu nome não é clara. Dizem uns que veio do Latim catulus, aplicado a animais pequenos, que teria vindo nomear, depois de muitas voltas, o porco velho, o cachaço.

Sendo a carne deste dura para se comer, ela precisa ser amolecida com bebida alcoólica para ficar comestível. Desta operação toda, o nome do dono da carne teria passado à bebida.

Complicado, não?

Outros afirmam que a palavra vem do Latim coquere, “amadurecer, cozinhar, cozer”, referente aos procesos de preparação da bebida.

O sinônimo, pinga, deriva de pingar, que veio do Latim pendicare, de mesmo sentido. É claro que todas as bebidas pingam; porque é que especificamente esta pegou tal nome é um mistério.

Seja como for, ele originou o adjetivo pinguço, de pinga mais o sufixo pejorativo -uço.

Quando se fala em cachaça, ocorre-nos a palavra talagada, “quantidade de bebida que se engole de um trago só”. Esta palavra aparenta vir de taleigada, a quantidade que cabe numa taleiga, antiga medida de volume para azeite ou grãos.

LICOR – do Latim liquor, “líquido, fluido essencial de algo, líquido corporal”. Da mesma raiz que originou liquidus, “derretido, fundido”.

Existe um fluido nas cavidades do nosso cérebro que se chama liquor. Não se deve deixar o licor chegar onde está o liquor.

GIM – deriva de genebra, o nome da bebida em Holandês. Quando os soldados ingleses estiveram envolvidos em guerras nos Países Baixos, levaram de volta consigo esta bebida, feita com os frutos do zimbro ou junípero. Esta planta era chamada assim por seu apelido latino, juvenes pares, “a que traz a juventude”. Era muito usada para perfumes e bebidas, bem como para ornamentação.

A bebida fez sucesso na Inglaterra, onde depois passou a ser feita mesmo sem o zimbro. O seu consumo chegou a constituir um sério problema social.

SIDRA – o Hebraico shekar, “bebida forte”, passou para o Grego como sikera e daí para o Latim sicera. Em Italiano se firmou como sidro, de onde nos veio o nome que foi aplicado a esse vinho espumante feito com maçã.

A origem explica esse “S” inicial, que parece tão deslocado aí. A cidra, com “C”, é o fruto da cidreira.

PONCHE – vem do Inglês punch. E este deriva do Hindustani panch, “cinco”. Isso porque na composição da bebida entravam cinco ingredientes: álcool, água, limão, açúcar e especiarias.

Notem a semelhança de panch com o Grego penta: não há engano, ambos têm a mesma origem e significado.

TODDY – os fãs deste achocolatado de nossa infância que nos perdoem, mas esta palavra também tem lugar aqui, neste grupo de bebidas alcoólicas preparadas como uma mistura.

Ela é uma alteração de taddy, “bebida feita do suco fermentado da palmeira”, que vem do Hindi tari, “suco de palmeira”, de tar, “palmeira”. Mais tarde passou a designar uma bebida alcoólica com água quente, açúcar e especiarias.

CORDIAL – é uma palavra encontrada mais na literatura da época vitoriana. Nomeava qualquer remédio, comida ou bebida que fosse considerada estimulante para o coração pela medicina da época.

A desculpa era boa: – “Não estou me sentindo bem… Fulana, prepare-me uma boa taça de cordial!”

BLOODY MARY – é de 1956, usando o apelido de Mary Tudor, rainha da Inglaterra entre 1553 e 1558, responsável pela perseguição que deu morte a muitos protestantes.

A associação é apenas pela cor, pois essa bebida leva suco de tomate.

MARGARITA – é uma bebida com tequila, inventada em 1965, usando o nome de uma conhecida do barman, não se sabe se a namorada ou a mãe dela.

WALLBANGER – aparece em histórias americanas de detetives, tomado em bares ao rés-do-chão de Nova Iorque, enquanto o detetive de gabardine espera a sua bela e misteriosa cliente.

Essa palavra literalmente quer dizer “aquele que bate na parede” e faz alusão às dificuldades locomotoras que se apoderam de quem bebe essa mistura de vodca, gim e suco de laranja, inventada em 1970.

PIÑA COLADA – é de 1975 e significa literalmente “abacaxi coado”.

LEMBRETE – este site adverte: beber pode ser prejudicial tanto à sua saúde como ao seu bolso.

Resposta:

Origem Da Palavra