Palavra grado

GRADUS

Um escritório empoeirado e com aspecto desleixado. Móveis com pelo menos cinqüenta anos, muito mal conservados, arranhados e com teias de aranha.  Um sujeito usando chapéu desabado e gabardine enorme, sentado atrás de uma escrivaninha sobre a qual daria para jogar futebol.

Ele luta para ocultar sua emoção, que demonstrá-la para as palavras clientes pega mal. Mas se sente realmente tocado pela presença de mais uma cliente antiga, vinda diretamente da época em que o idioma falado em Roma dominava o mundo ocidental conhecido.

A nobre cliente, elegantemente sentada num antigo banco de churrascaria é a palavra Gradus, a quem o corajosíssimo detetive etimológico explica:

– Sim, minha senhora, sua descendência é das mais fartas em nosso idioma e em vários outros europeus. Sua influência se faz sentir nas mais diversas áreas.

Para começar, vamos lembrar que seu significado em Latim é “passo, deslocamento numa série, ponto numa escala”, relacionado com o verbo gradi, “caminhar, dar um passo, ir”, derivado do Indo-Europeu ghredh-.

Falando aleatoriamente dos seus netos cito, para começar, grau. Esta palavrinha tão curta pode significar “uma das divisões do ensino oficial” (como: este aluno é do segundo grau) ; “intensidade de uma situação” (o grau de corrupção está insuportável); “divisões de uma escala” (fazia vinte graus Celsius – ou centígrados – naquele dia); e muitas outras que não vou citar agora para não tornar demasiado cara sua consulta.

Um pequeno acréscimo a esta já forma a palavra degrau, que vem do Latim degradus, “diferentes níveis de uma escada”.

Falando nisto, uma palavra muito parecida mas com outro significado é degradar, de dis-, “fora, para baixo”, mais gradus; quando uma pessoa desce de nível numa hierarquia, ela foi degradada. Pode-se dizer o mesmo de uma situação que desandou ou de uma cidade muito maltratada.

Há também um uso mais técnico com a palavra gradiente, “variação de uma grandeza”, muito usado em Física e Química.

Quando alguma coisa varia de modo regular, sem grandes saltos, dizemos que ela mudou gradualmente.

Ao fazermos uma receita, precisamos saber antes quais os ingredientes necessários. Ora, essa designação vem de ingrediens, “o que caminha para a frente”, daí “o que entra, o que faz parte”.

Veja, além dos laboratórios, suas descendentes habitam as nossas cozinhas também!

Já que falamos em “para a frente”, podemos citar anterógrado e retrógrado, respectivamente “o que anda para a frente”, de ante-, “para adiante”, e “o que vai para trás”, de retro-, “para trás”. Elas têm bastante uso em Biologia e Medicina.

Quando uma pessoa sai de uma faculdade, de um grupo, de uma cadeia, diz-se que ela é uma egressa dali. Sua formação é o Latim ex-, “fora”, mais o verbo gradi.

Mas, se essa pessoa quiser voltar a esse ponto do qual se afastou, diz-se que ela regressou: de re-, “para trás, de volta”, mais gradi.

Se ela estiver brava por alguma razão e partir para o enfrentamento verbal ou físico, diz-se que ela agrediu alguém, palavra que se forma por ad-, “a, junto, para perto”, mais o antigo verbo que significa que ela “andou para”, ou seja, aproximou-se  –  infelizmente com más intenções.

Se algum professor anda com dificuldades em manter o foco de suas palestras, diz-se que ele está tendo digressões, palavra que se formou começando por dis-, “fora, afastado”: ele se distancia da parte do assunto que interessa.

Em Zoologia temos categorias de animais como digitígrado, “o que anda sobre os dedos” – como é o caso do gato e do cão – e plantígrado, “o que caminha sobre a planta dos pés”, como o urso e o ser humano.

Graduado é, nas Forças Armadas, um sargento ou subtenente; na vida civil também é aquele que concluiu um curso universitário. Este, no último ano do curso, pode ser chamado também de graduando.

E grado é uma medida de ângulo, onde se considera que a circunferência tem quatrocentas divisões em vez dos trezentos e sessenta graus (mais uma netinha sua aí) geralmente usados em Geometria.

Por ora é o que me ocorre para lhe dizer, minha senhora. Se quiser acertar meus humildes honorários antes de sair, sentir-me-ei muito honrado.

Uma das coisas que X-8 sabe fazer é cobrar pelos seus serviços. Graças a isso, sua poupança está em boa forma e ele já planeja fazer uma viagem à Europa para catar novas palavras e novas aventuras.

Ele está contente com a entrevista desta noite. Falar com uma palavra de tanta importância é para poucos.

O momento pede um bom copo de uísque e um cigarro lançando lentamente sua fumaça azulada no ar.

Mas ele não bebe nem fuma. O que é uma desvantagem para um detetive.

Resposta:

Elogios

Cheguei à porta do escritório de meu avô e vi o velho de barba branca curta e olhos claros atrás de sua escrivaninha. Para variar, estava lidando com papéis e livros.

Depois de trocarmos um abraço afetuoso, passei-lhe a dúvida do dia:

– Vô, o Pai recebeu uma carta em cujo envelope ele era tratado de “Excelentíssimo Senhor”. Eu acho que ele  até que é bem razoável para um pai, mas excelentíssimo?

O velhote riu muito:

– E olha que a sua opinião sobre ele é bem melhor do que a da maioria dos filhos, inclusive a que ele tinha sobre mim quando era adolescente que nem você…

Essa carta usou uma forma de tratamento que vem do Latim excellens, de excellere, “subir, ultrapassar, ser eminente”, verbo formado por ex-, “fora”, mais cellere, “subir alto”, relacionado a celsus, “alto, grande”, do Indo-Europeu kel-, “elevar-se, subir”.

– Quer dizer que o meu colega Celso Roque é alto e grande?

– Pode até não ser, mas quem fez esse nome pensava assim.

Há um outro elogio que também virou nome: augusto, que veio de augere, “aumentar, elevar”.

Há diversas outras palavras que são usadas para elogiar pessoas em discursos e correspondências, mesmo sem serem sinceras.

Por exemplo, insigne, que vem do Latim insignis, “aquele que porta uma marca distintiva, o que se destaca”, formado por in-, “em”, mais signum, “marca, indicação, símbolo”.

Ao dizer que um sujeito sabe muito, pode-se usar douto, do Latim doctus, “instruído, o que aprendeu”, de docere, “mostrar, ensinar”.

– Isso tem a ver com doutor?

– Certo, meu neto que hoje até que está esperto e parece um douto. Essa palavra vem de doctor, “aquele que ensina”.

Posso ensinar outro elogio desses: probo, derivado do Latim probus, “de valor, testado, provado”. A origem mais remota é o Indo-Europeu pro-bhwo-, “estar à frente, de pro-, “à frente”, e bhu-, “estar”.

Falando nisso, ocorre-me a palavra grado, que tem uma origem interessante. Vem do Latim. granatus, “cheio de grãos”, portanto “importante, significativo”.

– Uma espiga de milho é cheia de grãos. Os antigos romanos a achavam importante assim?

– Aqueles romanos não conheceram o milho, rapaz! Ele veio das Américas. Mas conheciam muito bem o trigo e outras plantas que produziam grãos. As plantas em si não eram ditas lá tão grandes, mas os proprietários delas, sim.

– Hum… e ilustre, Vô? Lá em casa há vários ilustres pendurados no teto para iluminar…

Ele lançou um olhar assassino em minha direção:

– Essa palavra, engraçadinho, vem do Latim illustris, “brilhante, distinto, famoso”, de illustrare, “embelezar, distinguir”, formado por in, “em”, mais lustrare, “iluminar, clarear”.

Um elogio muito distinto é chamar alguém de paradigma. Já esta palavra vem do Grego paradeigma, “padrão, exemplo, modelo”, de paradeiknynai, “mostrar, representar”, literalmente “mostrar lado a lado”, formado por para-, “ao lado”, mais deiknynai, “mostrar, apresentar”.

– E o exemplo que o senhor recém citou, vem de onde?

– Do Latim exemplum, “uma amostra”, literalmente “o que é retirado”, do verbo eximere, “tirar, remover”, de ex-, “fora”, mais emere, originalmente “tirar”.

– E o tal modelo?

– Do Latim modulus, “medida, padrão”, de modus, “modo, jeito, medida”.

Ao se puxar o saco de alguém, principalmente em Política, pode-se usar prócer, que vem do Latim procer e quer dizer “extremidade saliente de uma viga” e, por extensão, “pessoa que se destaca”.

E ao citar a Política já perdi a vontade de continuar falando. Vamos para o pátio ver o que é que o gato está aprontando.

Resposta:

Origem Da Palavra