Eu tinha doze anos e a curiosidade pela origem das coisas fervia em minha cabeça. Numa das visitas que eu fazia à casa dos meus avós como que por puro acaso, entrei devagar no gabinete do Avô, cumprimentei-o e me sentei sobre o banquinho que morava à frente da sua cadeira de balanço revestida de couro fofo e liso, gasto pelos anos de leitura do dono.
O velho cavalheiro, esbelto, barba branca curta e cuidada, olhos azuis que podiam ser terríveis ou meigos, percebeu que eu estava querendo falar sobre Etimologia e se sentou à minha frente, com um olhar divertido e curioso.
– Vô, por que é que eu chamo o senhor assim?
– Basicamente porque sou o pai do seu pai, rapaz. Mas já sei o que você quer: qual é a origem dessa palavra, certo?
– Isso! – aplaudi eu.
– Aqui há material para bastante conversa. Avô vem do Latim avus , “pai do pai ou da mãe”, do Indo-Europeu awo- , “avô ou outro parente masculino que não seja o pai”.
– Meio esquisito, né?
– As relações de parentesco como eram descritas antes nos parecem estranhas hoje, talvez porque as pessoas não vivessem muito tempo, sei lá. Por exemplo, o irmão da mãe da gente era chamado, em Roma, avunculus , literalmente “avozinho”. Aliás, foi daí que derivou oncle e uncle , “tio” em Francês e Inglês.
– E mãe e pai , de onde vêm?
– Mãe é do Latim mater , pai é idem idem pater. E no idioma Indo-Europeu, de onde vieram tantos outros, as formas eram praticamente iguais a essas. Logo, essas palavras andam por aí há milênios. Você as entenderia se encontrasse um menino das cavernas assustado, chamando pelos seus parentes próximos.
– Que coisa!
– Pois é, esta matéria traz informações que nos deixam meio bobos. Por exemplo, a palavra irmão vem do Latim germanus, que quer dizer “verdadeiro”. Eles diziam frater germanus para “irmão propriamente dito”, filho do mesmo pai e da mesma mãe”.
Mais tarde frater , “irmão”, acabou sendo reservado para uso eclesiástico e em Português e Espanhol surgiram “irmão” e “hermano”.
– Mas então quem eram os irmãos não-verdadeiros?
– Os primos, por exemplo. Esta palavra vem do Latim consobrinus primus, “primeiro consobrinho”. Num grupo de irmãos que tivessem tido filhos, a gurizada era os consobrinhos, os “sobrinhos juntos”. Os de primeiro grau eram os primos .
– E os tios?
– Esses vêm do Grego thios , “irmão do pai ou da mãe”. Mas, no Latim, prevaleceu por um tempo uma situação que nos parece estranha. Havia um nome para cada tipo de tios.
O irmão da mãe era chamado avunculus, como já citei antes. A irmã dela era a matertera. O irmão do pai era o patrius e a irmã do pai se dizia amita .
– Nossa!
– Mas depois parece que eles também acharam complicado e usaram um derivado do Grego, thius , para designar essa turma toda.
– Ei, e os filhos ?
– Dizia-se filius em Latim. Parece ter vindo do Indo-Europeu dhei- , “mamar”, hábito muito difundido entre crianças pequenas. E até entre as grandes, às vezes.
– E os filhos dos filhos, os netos?
– Esses vêm do Latim nepos , inicialmente “filho da irmã, neto, descendente”. Mais tarde essa palavra adquiriu o sentido de “sobrinho”. Veio do Indo-Europeu nepot- , “neto, descendente outro que não o filho”.
– Ué, eu estou conhecendo essa palavra!
– Sim, foi ela que originou nepotismo . Esta palavra passou a se usar em 1662, na época em que nem todos os Papas se distinguiam pela santidade. Alguns tinham filhos naturais, que chamavam de nipoti , “sobrinhos”, e que eram beneficiados com cargos e outras vantagens.
Mas até aqui lidamos com os chamados parentescos de sangue. Existem também os chamados parentescos políticos, gerados pelos casamentos.
Por exemplo, um deles é o cunhado. O estranho é que cognatus inicialmente queria dizer “parente de sangue”, em oposição a affis , “parente por aliança, por casamento”. Depois o sentido acabou mudando, como não é raro acontecer.
Pode-se pensar também no afilhado , de ad filiatum , “tido como filho”.
– E padrinho deve ter que ver com pai , né?
– Sim, vem de patrinus , derivado de pater . Temos também padrasto , de patraster , e madrasta , de matrasta . Os filhos das uniões anteriores são chamados de enteados , de ante natus , “nascido antes” da união atual.
– E o tataravô?
– É uma palavra errada que todos usam. Na realidade deve-se dizer tetravô , o pai do trisavô, de tetra , “quatro”.
– E a gente quando casa tem que agüentar tudo isso, Vô?
– A família é uma grande instituição, rapaz. As pessoas é que a estragam, muitas vezes. Mas agora chega de falar nessas coisas que já estou me sentindo envelhecer. Vamos para o jardim brincar com o gato.