– Boa tarde, prezada senhorinha que vende as entradas, hoje resolvi vir ao cinema para me distrair um pouco, coisa que eu não fazia há uns vinte e cinco anos.
Enquanto eu abro a minha bolsa e remexo nela à procura da carteira, sabe como é, a gente nunca encontra o que quer numa bolsa de mulher, quiquiqui, até rimou, ih, ih, ih, colherei a ocasião para lhe explicar que essa palavra vem do Francês cinéma, encurtamento de cinématographe, nome dado à sua invenção ao redor de 1890 pelos irmãos Lumière, a partir do Grego kinema, “movimento”, de kinein, “mexer, deslocar, movimentar”.
É daí que temos a palavra cinéfilo, de cinema ou cine, mais philos, “amigo, o que gosta de”.
Bem, senhorinha, agora que a iluminei um pouco vou ficar esperando aqui nesta sala tão grande e bonita. Sei que ainda falta meia hora para começar a sessão, mas eu gosto de chegar cedo para garantir lugar. Vou até aquele balcão tão cheiroso ali adiante.
– Boa tarde, senhorinha que vende as pipocas em baldes enormes, que aparentam ser feitos para alimentação de muares e não de seres humanos. Sabia que o nome desses floquinhos de milho estourados que você vende vem do Tupi pi’poka, de pira, “pele”, mais pok, “estourar, arrebentar”?
E que o refrigerante vendido aqui em quantidades astronômicas deriva do Latim refrigerans, “aquilo que refresca, que esfria”, de refrigerare, “esfriar, refrescar”, formado por re-, intensificativo, mais frigerare, “esfriar” propriamente, derivado de frigus, “frio”?
Ficou espantada, não? Vou aproveitar um pouco do seu tempo para afastá-la um pouco das trevas da ignorância e contar que a origem da palavra filme, que é o que vim ver, é o Germânico fellom, “pele de animal”, aparentado com o Latim pellis, “pele”?
Sei que o filme que passa agora nos cinemas costuma ser uma tira de triacetato de celulose e que não é extraída dos animais, mas a Etimologia tem dessas.
Já que falei nisso, posso explicar que a tela onde é projetada a imagem vem do Latim tela, “tecido”. Os primeiros filmes eram mostrados sobre um pano branco. Mas não na Roma antiga, veja bem!
E projeção vem do Latim projicere, formado por pro-, “à frente”, mais jacere, “lançar, atirar”. Não, não se atira nenhuma pedra, não, o que se lança aqui é apenas a imagem.
Já que falta bastante para começar a sessão, vou contar que ela nos chegou do Latim sessio, “ato de se sentar” de sedere, “sentar”. Uma “sessão”, seja parlamentar, de cinema, de reunião de condomínio ou o que seja, normalmente é feita com as pessoas sentadas.
Vejo que a distinta senhorinha está com o ar um pouco zonzo, não será pelas emanações da pipocas? Com o intuito de fazê-la sentir-se melhor, vou comentar que a origem de metragem, que se aplica à duração dos filmes, é o Grego metron, “medida”. Sim, isso mesmo, o mesmo metro que as costureiras usavam na gente para fazer as roupas antes que todas elas viessem prontas da China.
Vi no cartaz de uma propaganda ali fora que mais adiante vai passar um filme em 3D. Já lhe ocorreu perguntar de onde vem mais uma sigla neste mar de siglas em que vivemos? Ela vem do Inglês third dimension, “terceira dimensão“. Ou seja, trata-se de uma imagem que dá a sensação de profundidade além das outras duas de largura e altura.
Por incrível que pareça, filmes em 3D foram tentados pouco antes de 1900. Mas exigiam um equipamento tão complicado que não podiam ser exibidos em salas comuns. Houve outras tentativas depois, mas elas deslancharam tecnicamente mesmo foi na década de 1950.
Já que você quer saber a origem da palavra sala, que acabo de citar, vou contar que esta não vem do Latim e sim do Germânico sal, “prédio de um compartimento apenas, reservado para hospedagem”.
Quando eu era jovem – sim, eu já fui jovem, por incrível que pareça – existia em todo cinema a figura do lanterninha, um moço que levava os retardatários para tomarem assento sem tropeçarem na sala às escuras. Ele usava para esse fim uma lanterna, como você pode desconfiar.
O nome desse aparelho tão útil veio do Latim lanterna, “equipamento para iluminar”, vindo do Grego lampter, “tocha”, do verbo lampein, “trazer a luz, iluminar”.
Creio que não preciso lhe contar que as da época romana não funcionavam com pilhas e sim com alguma fonte de fogo em seu interior.
Alguns dos filmes que vemos são documentários, derivado do Latim documentum, “demonstração, prova, lição”, mais tarde “instrumento oficial escrito”, de docere, “ensinar, mostrar”. Quando bem feito, um documentário pode ser um valioso auxiliar da difícil arte de ensinar.
Posso lhe ensinar ainda…
Pois não, cavalheiro que pede licença para interromper nossa tão elucidativa conversa? Ah, o senhor é o gerente do cinema? Muito prazer Odete Sinclair, professora de Etimologia do Maternal, em que posso servi-lo?
Não diga, mas que horror! A empresa proprietária deste cinema acaba de fechar fraudulentamente e a Polícia Federal está se encaminhando para cá, para prender todos os presentes, principalmente os inocentes que nem eu? E o senhor gentilmente se oferece para pagar o dobro do que eu despendi em minha entrada? Ah, e preciso me cuidar para não regressar jamais por aqui, porque provavelmente vão estar vigiando por muito tempo?
É muita cortesia, avisar-me de tão momentosa situação e ainda me dar dinheiro. Seguirei o seu conselho, pois se vê que o senhor é pessoa preparada e que sabe o que diz. Vou saindo de fininho já-já.
Olhe, a delicada senhorinha que vende as pipocas e que já passava mal enquanto eu lhe trazia preciosa iluminação etimológica desmaiou, deve ter ficado impressionada com a situação. Cuide bem dela e até loguinho!