Palavra xadrez

EM CANA

 

Se vocês continuarem se comportando desse jeito, só posso adivinhar um futuro negro à sua frente. É fácil imaginar todos com roupas listradas de presidiários, com bolas de ferro acorrentadas aos pés, magros e sujos, dormindo no chão duro sem terem nada mais que ratos para os aquecerem nas madrugadas terríveis da prisão.

Agora que obtive a atenção generalizada  –  para não dizer o horror geral, refletido nas bocas abertas e olhos arregalados –  vou esperar que a turminha fique quieta enquanto eu explico as origens de palavras que descrevem coisas que podem acontecer às crianças que desobedecem às suas queridas professoras.

Por exemplo, a prisão. Esta vem do Latim prensio, encurtamento de prehensio, do verbo prehendere, “agarrar, prender”.  Ele gerou várias palavras mais tranquilizantes
e desejadas, como apreender, compreeender, surpreeender.

Ele em si se origina em prae-, “à frente”, mais hendere, relacionado a hedera, “hera”, já que essa planta trepadeira se agarra, se prende às paredes para poder crescer.

Esse tipo de estabelecimento tem muitos nomes, como cadeia, que vem do Latim
catena, “cadeia, corrente”, acessório que era muitas vezes usado para garantir que um prisioneiro não pudesse voltar para casa a seu bel-prazer.

O xadrez tem origem no padrão formado pelas grades que abundam em qualquer local onde se proíba a saída de gente ou material.

Deriva do Espanhol ajedrez, que veio do Árabe chatranj, do Persa chatrang, por sua vez do Sânscrito chaturanga, de chatur, “quatro”, mais anga, que era o nome de cada uma das divisões do exército indiano de outras épocas.

Não, Aninha, os soldados indianos não usavam saiotes escoceses com aqueles padrões bonitos. É que o jogo do xadrez foi feito para representar uma batalha, com seus movimentos e derrubada final do rei.

Como falei em grades, informo que essa palavra vem do Latim crates, “grade feita de canas entrelaçadas”. Que, aliás, também é a origem da gíria “estar em cana”; vem do Latim canna, “caule de certas gramíneas, caniço”.

E, por sua forma, originou também a expressão “ver o sol nascer quadrado”, pois se as grades da janela são apertadas o formato arredondado do astro-rei pode se apresentar diferente.

“Astro-rei”, quem diria, hein? Estou poética hoje.

O cárcere, com um jeito mais pomposo e literário (quem é que diz “foi para o cárcere”, fora o narrador de algum livro?) deriva do Latim carcer, literalmente “lugar onde são guardados os carros, lugar de onde eles partem”, de carrum, “veículo de rodas”, do Gaulês karros.

Já que falamos em idiomas de outros países, um dos nomes usados para “prisão” em Inglês é jail, que tem a mesma origem que a nossa jaula; veio do Francês antig geôle, do Latim caveola, “lugar para guardar animais”, diminutivo de cavea, “local fechado”.

Cito isto para chamar a atenção de que um sinônimo de jail é gaol, que se pronuncia exatamente da mesma forma. É uma das poucas palavras inglesas escritas com “G” e pronunciadas com “J”.

Sei por que, sim, Lary, sua abelhuda. Isso é devido à invasão normanda da Inglaterra, que instalou o idioma francês lá por um bom tempo, e essa pronúncia veio do Sul do Canal da Mancha.

Ocorreu-me agora a custódia, do Latim custodia, “ato de guardar, de vigiar”, de custos, “guardião, vigilante”. É mais uma palavra que está em grande uso devido aos tradutores de filmes. As pessoas vivem ficando “sob custódia” em vez de “serem presas”.

Há uma conhecida frase em Latim que é Quis custodiet ipsos custodes? Ela quer
dizer “Quem vigia os próprios guardas?”, mostrando que, se há necessidade
de alguém para evitar algo proibido, esse alguém pode fazer o mesmo.

Mas não se esqueçam nunca que as crianças mal-comportadas podem acabar também numa masmorra, do Árabe matmura, “caverna, prisão”.

E penitenciária vem do Latim penitentiarius, “relativo à pena, ao castigo”, de poena,
“castigo, penitência, condenação”.

Ou seja, é um lugar onde a gente recebe o castigo por ter maltratado outras pessoas, tal como as pobres e esquecidas professoras.

Ei, calma, parem de chorar! Eu disse aquilo por piada, não quer dizer que você vão sair daqui para a cadeia.

Pelo menos por hoje  –   mas vamos ver alguma palavrinha mais, não pensem mais nisso.

Sou muito boba, não posso ver crianças chorando que nem gente grande perto de mim.

Já o presídio vem do Latim praesidium, “posto militar, guarnição, conjunto para guarda ou defesa”, de praesidere, literalmente “estar à frente”, de prae-, “à frente”, mais a raiz de sedere, “sentar”.

Certo, não gritem, muito bem. Esse verbo latino também originou a palavra presidente, que é “o que está à frente” da Nação. Mas um posto militar avançado também é algo que se considera “estar à frente”, e se ali são colocados prisioneiros temos o nosso presídio.

Uma palavra pouco conhecida usada nestaárea é a enxovia, que designa uma
prisão abaixo do nível do solo: viria do Árabe al-jub, “cisterna, poço, prisão subterrânea”.

Outra menos conhecida ainda é o ergástulo. Essa sim é difícil de ver num texto em nossos dias! Ela designa um local de trabalho onde as pessoas ficavam acorrentadas, do Latim ergastulum, do Grego ergasterion, derivado de ergon, “trabalho”. Até me lembra o que acontece com certas sacrificadas professoras que…

Deixem pra lá; de qualquer modo, sou da opinião que os estudantes deveriam ficar acorrentados ás suas mesas até terminarem seus trabalhos e demonstrarem que aprenderam tudo o que tinham que aprender.

Mas, enfim, sou da época em que os dinossauros andavam pelas ruas, derrubando coisas com seus enormes rabos…

Bem, agora que estão todos quietinhos e bem-comportados, podem pegar suas coisinhas e ir saindo.

Quando forem dormir pensem bem no que aprenderam hoje aqui e tentem tomar jeito.

Resposta:

Quatro

O detetive das palavras, X-8, está à espera da sua palavra-cliente desta noite. Ela havia marcado uma sessão antecipadamente, de modo que o detetive havia feito as devidas pesquisas nos seus alfarrábios e estava com o resultado delas devidamente datilografado num papel meio amassado com uma máquina de escrever antiga.

Datilografar à moda da Idade da Pedra era a parte do trabalho que não agradava a X-8: ele estava acostumado a lidar com o seu atualizadíssimo computador, que se escondia na sala ao lado da sala de atendimento.

Essa sala era bem diferente desta em que ele se encontrava: em vez de se mostrar suja, com teias de aranha cuidadosamente colocadas e frestas na madeira feitas com toda a atenção, a sala do computador apresentava prateleiras limpas, uma estação de trabalho potente e bem cuidada, luz bem clara, móveis modernos.

A sala para a clientela era um esforço de marketing de X-8, que sabia que palavras são românticas incuráveis e que quando saem à procura de suas origens se sentem o máximo se estiverem num ambiente sórdido dos Anos Cinquenta.

Não era diferente neste caso: a palavra-cliente era Quatro, e olhava ao seu redor com o ar de quem queria decorar o ambiente para contar depois às suas amigas.

– Pois é, cara cliente – o detetive começou a desenrolar o discurso que, com pequenas modificações, fazia para todas – consegui, depois de muito trabalho e perigos, desencavar a verdade que se esconde por trás de suas origens, bem como localizar algumas parentas suas que atualmente se encontram em uso. Saiba que muitas clientes minhas acabaram fazendo clubes de parentesco a partir de minhas informações.

– Que perigos eu corri? – a voz do intrépido detetive soou mais gelada por trás da capa levantada da gabardine – não, não falarei nisso, para sua própria segurança. Vamos apenas dizer que, se alguns malfeitores se encontram agora sete palmos abaixo da terra, foi porque eles mereceram.

Isso sempre dava certo; palavras são muito crédulas, por isso se faz o que se quiser com elas.

Agora o detetive entrava no assunto:

– Sua origem é o Latim quattuor, do Indo-Europeu qwettuor, “quatro”. E daí surgiu uma enormidade de primas suas, como por exemplo quadrúmano, “o que tem quatro mãos”, feito em conjunto com o Latim manus, “mão”; quadrifólio, “o que tem quatro folhas”, com o Latim folia, “folha”.

Também está o quadro, que assim se chama por ter quatro lados, o mesmo acontecendo com o quadrado e as quadras da cidade por onde andamos.

E a quadrilha, que agora pode ter qualquer número de pessoas, mas que começou como um grupo de quatro malfeitores. Confesso que não sei se é porque eles achavam uma trinca muito pouca gente para os atos malvados e uma quintilha gente demais para repartir os lucros, sei lá.

Mas, falando em coisas mais elevadas, um quarteto, em música, é uma composição feita para apenas quatro executantes, coisa boa de se ouvir.

E os soldados se reúnem no quartel, que veio do Latim quartarius, “a quarta parte”, usado para designar uma parte ou distrito de uma cidade; mais tarde, esse termo passou a designar “alojamento militar”.

A frase “não dar quartel” significa que, numa batalha, não se acolhe o inimigo, mesmo que ele se renda. Coisa feia, isso.

Existe um tipo de malária chamado quartã porque as crises febris se dão a cada quatro dias.

Mas também existem suas parentas que não apresentam a origem de forma tão óbvia. Por exemplo, caderno, que vem de quaternus, “de quatro em quatro”, porque para se fazer um se tomava uma folha padrão do tamanho chamado in-fólio, que era dobrada quatro vezes. É claro que atualmente os cadernos nem sempre seguem esse tamanho, mas a origem foi essa.

E há uma palavra que menos parecida com você não pode ser, mas que tem a mesma antepassada: é xadrez, o jogo. O qual, por sua vez, originou o nome do padrão de tecido.

Não, não se espante, é verdade. O nome original desse jogo, em Sânscrito, é chaturanga, onde chatur quer dizer “quatro” – é um antepassado do quattuor latino – e anga era o nome das partes em que se dividia o exército da Índia: infantaria, cavalaria, carros de guerra e elefantes.

Sei que a mudança foi grande; é que esse nome passou a chatrang em Persa, a chatranj em Árabe, depois, na Península Ibérica, virou ajedrez em Espanhol e xadrez em Português.

Não se esqueça disso, você vai fazer sucesso contando essa para suas amigas.

Também a quaresma, os 40 dias entre o Carnaval e a Páscoa, vem do Latim quadragesima, “período de 40 dias”.

E, para aqueles que usam muito as folhas de tamanho A4, saibam que elas se chamam assim porque representam o tamanho de uma folha A-zero dobrada pela metade 4 vezes.

Como? Existe, sim, essa folha grande. Ela tem um metro quadrado, e a divisão da sua altura pela sua largura é exatamente igual à raiz quadrada de 2, o que permite padronizar os diversos tamanhos resultantes dela pela simples divisão de cada um deles pelo meio. Foi muito bem bolado, isso.

Bem, por ora e pelo que você pagou, é isto. Estou às suas ordens para outras consultas no futuro, naturalmente mediante pagamento adiantado.

Resposta:

Mais Inesperadas

Um dia eu estava ajudando meu avô a arrumar seu escritório. Era uma honra que ele me fazia, pois ninguém mais tinha autorização para tocar em seus livros e preciosidades. Mas dava trabalho retirar a poeira de tudo aquilo.

Quando lhe perguntei onde colocar um determinado caderno com capa xadrez, ele disse:

– Acho que por hoje já avançamos bastante. Como vou aceitar o seu trabalho voluntário amanhã também, podemos nos acomodar e conversar sobre o que você disse.

Acomodei-me para ouvi-lo trazer à luz aqueles assuntos tão interessantes que só ele sabia.

– Imagine só que xadrez e caderno têm exatamente a mesma origem.

– Não, esta é demais. Tente convencer-me.

Caderno vem do Latim quaternus, “a cada quatro”, de quattuor, “quatro”. Isso porque eles eram feitos de conjuntos de folhas de tamanho padrão dobradas em quatro.

– Mas daí para xadrez

– Quieto, impaciente. O nome desse padrão foi tirado do nome do jogo, até aí sua cabecinha consegue entender?

– Até aí minha cabecinha consegue entender, meu resmunguento avô.

– Pois o jogo era chamado na Índia, onde foi inventado, de chaturanga.

Essa palavra, que era usada para designar “exército”, se formava pelas palavras sânscritas chatur, “quatro”, mais anga, “divisão específica de um exército”. Note bem a semelhança entre as palavras chatur e quatro, já que esta veio daquela.

Naquela época e lugar, este era composto por quatro tipos de soldados: os da infantaria, os de cavalaria, os que usavam carros de guerra e os que andavam nos elefantes.

– Mas de chaturanga para “xadrez”…

– Ora, a palavra passou para o Persa como chatrang, daí para o Árabe como shatranj, e daí para o Espanhol como ajedrez, o que deu o nosso “xadrez”.

– E a cartolina, Vô? Com certeza veio de “quatro” também!

– É o que dá alguém se meter em Etimologia sem estudar antes. É bem assim que surgem os chutes e as interpretações populares.

Essa palavra não tem coisa alguma a ver com o número. Ela vem do Latim charta, do Grego khartes, “folha de papel”.

– Ora…

– Para você não se decepcionar tanto, vou contar que há outras palavras que vêm de quattuor. Por exemplo, quadrilha, que nos veio do Espanhol cuadrilla, “bando armado para exercer malfeitorias”, quando se considerava legalmente que um grupo com mais de três bandidos era circunstância agravante caso fossem apanhados.

Podemos lembrar também a palavra quartel, que lembra a época em que se considerava que uma cidade tinha seus quatro cantos, num dos quais se situavam as instalações militares, cujos prédios acabaram recebendo esse nome.

E, naturalmente, um quarteirão se chama assim porque tem quatro lados. O mesmo vale para quadro, quadrado, enquadrar, etc.

– E quadrúpede?

– É o que tem quatro patas, do Latim pes, “pé”. Falando nisso, um cavalo que tem manchas brancas em todas as patas se chama quatralvo, de “quatro” mais “alvo”.

E por hoje chega, amanhã quando você vier prestar serviço grátis tem mais.

Resposta:

Jogos

 

Eu era adolescente e fazia tempo que entrava no gabinete do meu avô sem hesitar. Há muito eu tinha percebido como era sólido o nosso laço e me sentia seguro e acolhido ao visitá-lo.

Volta e meia eu passava por lá. abatido por alguma dor familiar ou da adolescência e, mesmo sem que entrássemos no assunto que me pesava, aquele contato me nutria e me dava condições para enfrentar a situação.

Algumas vezes me perguntei se ele saberia ou não o que se passava dentro de mim. Mais tarde descobri que ele sabia exatamente como eu estava e que sutilmente providenciava para lidar, mesmo de forma oculta, com o problema.

Mas desta vez eu estava sem maior peso na alma e queria aprender a jogar xadrez, principalmente para poder manejar aquelas bonitas peças em madeira polida que me fascinavam desde a infância. Olhando para elas, eu disse:

– Vô, quem foi que inventou este jogo tão intelectual? Deve ser bem moderno!

– Esse era um jogo de guerra e tem mais de mil e quatrocentos anos. Surgiu no norte da Índia. Era chamado de chaturanga em Sânscrito, uma palavra que era muitas vezes usada para designar “exército”. Olhe bem para as seis primeiras letras: se o “CH” soasse “K”, o que teríamos?

– Ora, katur.

– E se você trocasse as duas últimas letras, que palavra isso lhe recordaria?

Katru – ué, quatro?

– Isso mesmo! Essa palavra originou o quattuor latino, que virou o nosso quatro. E anga era cada um dos componentes dos exércitos locais: infantaria, cavalaria, carros de combate e elefantes.

Esse jogo imitava as manobras de um exército. As peças que hoje chamamos de peões eram a infantaria, os soldados a pé, mais numerosos, menos potentes e que morriam como moscas.

– E imagino que estes cavalos tão bonitinhos eram a cavalaria, né?

– Impressionante a sua inteligência, meu rapaz. Você certamente receberá um prêmio Nobel antes dos vinte anos se continuar assim. Agora conte-me o resto.

– N-não, Vô, isso eu deixo para você.

– Bem; a torre representa os carros de guerra, pelo poder que eles tinham em combate. E o atual bispo, os elefantes. Seu nome em Espanhol é alfil, do Persa pil, “elefante”, através do Árabe al-fil.

– E de chaturanga passou a xadrez como?

– Na Pérsia esse nome passou a chatrang; os árabes o passaram a chatranj e o levaram para a Península Ibérica, onde ficou ajedrez em Espanhol e xadrez em Português.

Há uma expressão que é tão usada no idioma em geral que muitas pessoas nem sabem que provém do xadrez: é xeque-mate, quando a peça chamada rei está cercada e sem saída alguma. Quando o rei era cercado irremediavelmente, o exército ficava acéfalo e nem era preciso dar cabo dele, pois ele não podia mais expedir ordens. Os persas diziam shah mat, “o rei está morto”, o que originou o nosso xeque-mate.

– E a rainha, que o senhor diz que é tão poderosa no jogo?

– Na origem, esta peça era um conselheiro ou assessor, farz em Persa. Na Europa, foi latinizado em farzia, passou para o Francês como fierce e depois vierge, “virgem”. Provavelmente por influência da religião católica, onde a Virgem tem tanto poder, a peça passou a simbolizar uma rainha com grande mobilidade e capacidade no jogo.

– Puxa, Vô! Quanta coisa num tabuleiro só!

– E ainda há uma história bem interessante. Diz ela que foi um monge que inventou esse jogo, para distrair e aliviar da tristeza um poderoso rei cuja esposa tinha falecido. Quando o rei aprendeu as regras e se tornou um grande apreciador do jogo, chamou o monge e lhe ofereceu uma recompensa: ele podia fazer qualquer preço que o tesouro do rei atenderia.

O monge, achando que o rei estava precisando agora de um pouco de humildade, pediu apenas um simples grão de trigo pela primeira casa do tabuleiro, dois pela segunda, quatro pela terceira, oito pela quarta e assim por diante, dobrando sempre os grãos a cada casa. O conjunto deles seria a sua recompensa.

– Ora, Vô, um saco cheio de trigo dá e sobra para isso! Nem precisa contar. O monge era modesto mesmo.

– É, seu espertinho? Pois foi isso mesmo que o rei pensou. Mas o monge insistiu em receber o número exato de grãos, nem mais nem menos. Aí Sua Majestade chamou seus sábios e displicentemente os mandou fazer os cálculos. Eles pegaram a fórmula para a soma dos termos de uma progressão geométrica de razão 2 e a aplicaram para 64 termos.

– E de que tamanho ficou o saco de grãos?

– Dum tamanho maior que a Índia inteira, pois o total de grãos dava dezoito quintilhões, quatrocentos e quarenta e seis quatrilhões e muitocentos e mais grãos – uma quantidade completamente fora do alcance de qualquer rei.

Eu sabia que o velho não inventava, de modo que me dei por vencido.

– Está bem, Vô. E o rei, ficou mais humildezinho?

– Não faz diferença, já que a história não é verdadeira. Mas é um bonito exemplo de matemática, não?

– É verdade. E aquele outro jogo com um tabuleiro igual, Vô?

– Ah, que época. Quando eu era menino todos sabiam o que era o jogo de damas. Aliás, todos tinham seu joguinho de damas, de dominó, de varetas, etcétera.

– Agora a gente tem videogames muito mais interessantes e bonitos, ora! Quando é que vou poder lhe ensinar algum, Vô?

– Já que você quer, qualquer dia destes. E vamos ver se eu não viro campeão!

– Combinado, Vô. Mas fiquei curioso com o nome do jogo de damas. Era só para mulheres?

– Nada disso. Acontecia assim: no chatranj, quando o rokh – soldado – chegava na oitava casa, o fim do tabuleiro, virava farz. Esta é a imagem do soldado que, pelos seus méritos militares, avança muito na carreira e acaba promovido a um cargo de muita importância. Em linguagem de xadrez atual, quando o peão chega à oitava casa, vira uma rainha com todos os seus poderes.

– Fazia uma operação de mudança de sexo?

– Fique quieto ou eu lhe bato com o relho! Dessa noção de uma peça virando uma rainha, isto é, uma dama de alta extração, na oitava casa, é que veio o nome francês de jeu de dames, jogo de damas, para o jogo. Nesse jogo também acontece de, quando uma peça chega à extremidade do tabuleiro, virar uma dama com superpoderes.

– E por que eles são chamados jogos de tabuleiro, Vô?

– Porque em Latim tabularium era uma espécie de bandeja sobre a qual se colocavam à venda doces e outras comilanças, um derivado de tabula, “tábua, mesa”. Da semelhança de forma é que se fixou o nome.

– Legal! E dominó eu sei o que é. A gente até usava uns joguinhos parecidos no primário.

– Poucos sabem que jogar isso de verdade implica em cálculos que levam até a ter idéia das peças que o adversário tem na mão. Este jogo já é bem mais moderno, tendo menos de trezentos anos. Provavelmente foi inventado na Itália.

– Já sei de onde vem o nome! É porque o vencedor dominava o outro e…

– Quieto, seu chutador! Etimologia não é assim. Se você continuar desse jeito, seu futuro na área será negro. O que ocorria é que existia um traje religioso que constava de uma capa preta com capuz e que era chamado de domino pelos franceses. Essa palavra vinha do Latim dominus, “senhor”, uma forma respeitosa de chamar os religiosos.

Este nome começou a ser usado para os trajes semelhantes usados em festas de disfarce, com uma pequena máscara cobrindo a parte superior da face. E acabou nomeando o jogo em que se usam peças pretas com marcas brancas que lembram os olhos.

– E o jogo de cartas, Vô?

– Não é um, são numerosos. O nome das peças usadas nele vem do Francês carte, que veio do Latim charta, “escrito, papel, livro”. Mas originalmente esta palavra queria dizer “folha da planta de papiro” e veio do Grego khártes, sendo provavelmente de origem egípcia.

O ato de misturar as cartas para que a distribuição seja ao acaso antes do jogo se chama embaralhar, e parece vir de varalia, “confusão, desordem”, talvez de vara, “vara”, devido ao entrelaçamento das varas numa trama de vime.

Baralho acabou nomeando o conjunto de cartas de jogar.

– Uma conhecida dos meus pais parece que anda viciada em bingo. E este nome, de onde vem?

– Este jogo é mais moderno ainda; é do começo do século passado. Essa palavra vem da imitação do toque de uma campainha, bing! que se fazia quando eram completados os números desejados.

– E os dados? Chamam-se assim porque o dono do jogo os dá de presente?

– Chamam-se assim porque é uma palavra que veio do Oriente através do Árabe dad, “jogo”. Em Roma eram chamados de alea. Esta palavra ficou famosa quando Júlio César atravessou o rio Rubicon com seu exército – o que era proibido – e disse Alea jacta est!, os dados estão lançados“, ou seja, “a jogada foi feita, não há mais volta”.

Há um uso muito importante derivado daí, que é a palavra aleatório, que quer dizer “ao acaso”.

Falando em algo que pode trazer sorte ou azar, estas palavras têm histórias interessantes.

Azar, por exemplo, vem do Árabe as-sahr, “a flor”. Numa das faces dos dados que eles usavam havia uma flor, e o nome dela passou a significar “acaso”. Em Espanhol, este significado se manteve, e azar quer dizer “acaso”. Por exemplo, a frase Daba tiros al azar quer dizer “dava tiros a esmo, ao acaso”.

Em Português, por uma dessas voltas que as palavras dão, passou a significar o acaso desfavorável, a má sorte.

E sorte, sors em Latim, por sua vez queria dizer “o destino de cada um, a porção que cabe a cada um na vida, boa ou má”. Também por essas voltas acabou significando, em Português, o acaso favorável, vantajoso para a pessoa.

Havia uma expressão “tirar sortes” que queria dizer “escolher ao acaso, sortear”.

– E os cassinos, Vô?

– Ah, essas maneiras de tirar dinheiro alheio têm a origem dos seu nome no Latim casa, “cabana, morada pobre, morada rural”. As casas melhores eram por eles chamadas domus. A palavra casa, no entanto, prevaleceu no Português sobre domus.

Como o jogo, em várias épocas, era praticado em lugares pouco chamativos, usou-se o diminutivo casino para tais lugares, o que virou o nosso cassino.

Aliás, jogo tem origem num daqueles deuses antigos: vem de Jove, um dos nomes de Júpiter. Como este tinha um temperamento disposto à alegria – embora às vezes com brincadeiras um tanto brutas – formou-se a partir dele a palavra jovial, “alegre, descontraído”. E a palavra jocus, em Latim, “atividade que causa diversão”.

Os ingleses têm, entre as cartas do baralho, o joker, “o engraçado, o piadista”, representando o Bobo da Corte. Naquelas épocas cruéis, muitas vezes era escolhida para esta função uma pessoa com deformidades físicas. É por esta razão que o nosso coringa é representado por um homenzinho corcunda com roupas estranhas.

– É no cassino que se joga roleta, não é?

– Sim. Esta palavra vem do Latim rotullum, “cilindro, peça para enrolar papiro”. Foi aplicado por causa do rolar da bola até chegar a uma casa numérica.

– Vô, qual desses jogos o senhor recomenda para que eu fique rico?

– Quer moleza, é, seu safado? Meu conselho é: fuja de todos, pois sempre há alguém lucrando por trás, mesmo na hipótese de não haver manipulação no jogo. Fique apenas com o xadrez.

– E como é que eu vou enriquecer com o xadrez?

– Não vai. Mas enriquecer não é só ganhar dinheiro. Se você aprender que mexer uma peça aqui vai ter conseqüências ali e se aprender a calcular as possibilidades antes de cada movimento, sua vida terá menos complicações.

Falando nisso, agora você tem que ir para casa estudar, sabia? Vamos deixar para jogar xadrez e os seus videogames noutro dia. Até à próxima.

Resposta:

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