AULA EM ALTO MAR [Edição 89]

 

Uma gaivota ociosa sobrevoa o mar. Observa um veleiro e decide se aproximar para ver se descola alguma refeição. Com um elegante floreio das asas, pousa sobre uma verga e olha para baixo, de onde ressoa uma voz aguda.

Sobre o convés estão nada menos que Tia Odete e seus aluninhos. Epa, como foi que vieram parar aqui, a tantas milhas da sua escola? Vamos escutar o que ela diz:

– Muito bem, crianças, aqui estamos neste antigo navio pirata que meu amigo Estevão Spielberg, cuja mãe foi minha aluna, providenciou para uma de nossas aulinhas. Estou inaugurando a moda de Aulas Práticas de Etimologia. Talvez me dêem o Prêmio Nobel de Educação.

Pelo menos deviam me dar o da Paciência.

Parem de tentar atirar uns aos outros no mar, deixem para mim esse prazer. Agora olhem ao seu redor e ouçam: navio e nave vêm do Latim navis, do Grego naos.

Esse meio de transporte, na época dos piratas, era movido a velas, do Latim vellum, “véu, tecido, pele”.

As velas eram penduradas nos mastros, do Francês mast, que deriva do Frâncico, onde significava “poste, tronco de árvore, madeira longa aparelhada para suportar cordas e velas”.

Também eram colocadas nas vergas, aquela parte transversal igualmente de madeira, do Latim virga, “vara, bordão”.

E eram manobradas pela tripulação por meio de cordas, do Latim chorda, do Grego khordé, “tripa de animal”.

As cordas propriamente ditas eram puxadas no começo da manobra por cordas mais finas, as adriças. Seu nome vem do Italiano drizzare, “erguer, levantar”, que veio do Latim directus, “direito”.

Sim, Valesquinha? Um tio-avô seu foi apanhado na Sacristia às voltas com uma das senhoras da Comissão de Ajuda aos Pobres da paróquia e, de tanta vergonha, passou um laço de corda pelo pescoço e… não, essa informação em nada contribui para nossos conhecimentos de aula nem para a moral em formação de seus coleguinhas. Quanto à sua, já desisti.

Onde estava eu? Ah, sim, mostrava para vocês as diversas partes de nosso navio. Nós estamos parados sobre este piso, o tombadilho,  palavra que vem do Espanhol tumbadillo, derivado de tumbar, “cair, derrubar”. Isso porque estar aqui com ondas altas e ventos fortes costuma levar a esse resultado.

Outro nome que ele tem é convés, de origem discutida. Está bem, Zorzinho, aventa-se que a palavrinha venha de “convexo”, mas isso mais me parece uma hipótese tresloucada do que séria. E faça o favor de parar de rabiscar na vela dos moços, eles não vão gostar que uma criança que ainda não sabe escrever esteja escrevendo no material deles.

Aliás, é bom lembrar que o nome que designa o pessoal que trabalha aqui é tripulação, que veio do Latim interpolare, “retocar, tornar novo, reequipar”, de inter, “entre”, mais polare, uma forma de polire, “limpar, dar brilho”.

Sim, Aninha, sei que isso é meio esquisito, mas me parece que a palavra foi feita pensando nas atividades constantes do pessoal, que tinha que manter tudo bonito e brilhando para evitar castigos.

É interessante notar que essa palavra parece existir apenas em Português e Espanhol.

Eles podem ser chamados marinheiros, do Latim marinus, “relativo ao mar”, de mare, “mar”.

Também podem ser ditos marujos, também derivado de mare.

Olhem para a frente do navio: aquela parte é a chamada proa. Deriva do Latim prora, “parte da frente da embarcação”, derivado de pro-, “à frente”.

Calma, Lary, já vou contar que a parte de trás é a popa, do Latim puppis, possivelmente do Grego  opistha, “a parte de trás”.

Patty, se você parar de pular e gritar eu vou responder a essas suas dúvidas. O lado esquerdo do navio se chama bombordo porque vem do Francês bâbord, do Holandês bakboord, de bak, “lado traseiro, costas”, já que o piloto se mantinha de costas para esta parte ao manejar o leme, mais boord, “lado”.

E o lado direito – visto de quem está no navio e voltado para a proa – é estibordo, do Francês estribord, do Holandês stieboord, de stier, “leme”, mais o já citado boord. Isso porque o leme, quando era lateral, ficava sempre deste lado.

Tecnicamente não se usa mais estibordo; essa palavra foi substituída há tempo por boreste, para evitar confusão ao se gritar ordens durante mau tempo.

Citando os lados de um navio, eles são mais adequadamente conhecidos como costados, do Latim costa, “costa, lado, flanco”.

E já que falamos em leme, informo que infelizmente a origem dessa palavra não é conhecida.

Como falamos nele, lembro que o timão, aquela roda que vemos nos filmes, onde o piloto gira ela para lá e para cá como se fosse um corredor de Fórmula-1 e que serve para controlar o leme, vem do Latim timo, que designava  “barra que prendia entre si os bois de uma junta, barra para direção, cabeçalho de um carro a tração animal”.

Para que não se perdessem navegando num área enorme sem pontos de referência, os marujos precisavam de uma bússola. Ela vem do Grego pyx, “buxo”, que era uma madeira adequada para fazer a caixa de um instrumento que era muito precioso e precisava ficar bem resguardado.

Aliás, havia a bordo uma estrutura bem fixa para guardar a bússola, chamada bitácula. Esse nomezinho estranho veio do Latim habitaculum, “morada”, derivado de habitare, “morar, viver”.

Sim, Val? A origem da palavra motim? Ora, ela vem do Francês mutin, “rebelde”,  de meute, “revolta, motim”, do Latim movere.

Ei, por que vocês estão todos vestidos de piratas e com espadinhas e machados na mão? Cuidado, elas têm fio, vocês podem se cortar… Não? Querem cortar a quem mesmo?

Socorro! Uma turma enfurecida de Maternal está querendo liquidar uma pobre professora! E olhe ali no mar! Ali estão, de bocarras abertas, o kraken, de origem norueguesa obscura, e o leviatã, de origem hebraica também obscura, ambos monstros marinhos com particular apetite por seres humanos, mesmo que sejam magros como uma professora mal paga que nem eu!

Como se não fosse pouco, vejo elevar-se no horizonte um pavoroso tsunami do Japonês tsunami, de tsu, “porto”, mais nami, “onda”.

Aai, todos os santos do Céu e mais uns poucos! Ajudai esta pobre pecadora, afastai esses monstros marinhos e principalmente estes alunos sanguinários! Socorro!

 

 

Como assim, o que é que eu estou fazendo aqui no chão de meu quarto? Vejo que caí da cama. Então era só um pesadelo! Eu sabia que deveria ter tomado minha dose de Nervocalm antes de deitar.

Bem, não foi pior do que uma aula normal com aquelas figurinhas, de modo que o prejuízo não foi grande.

De volta para a caminha!

Origem Da Palavra